As fraudes na saúde
Pedro J. Bondaczuk
O relatório final da
Comissão Parlamentar de Inquérito sobre fraudes no Inamps, recém divulgado,
constata que apenas neste ano, a União teve um prejuízo de pelo menos US$ 1,6
bilhão, por causa da ação de fraudadores.
Trata-se
de dinheiro público, destinado à assistência de saúde de uma população doente e
desassistida, que foi parar em bolsos indevidos, de forma absolutamente
criminosa. Fosse essa a quantia real desviada e já seria um enorme absurdo.
Constituir-se-ia em um escândalo tão grave, ou maior, do que o da manipulação
do Orçamento nacional.
Todavia,
o relator da CPI, deputado Jackson Pereira (PSDB-CE) enfatizou que essa cifra é
estimativa subestimada do gigantesco volume de recursos jogado fora. Às custas,
é claro, do atormentado contribuinte (aquele que paga em dia seus tributos,
evidentemente).
“Fui
extremamente modesto nos meus levantamentos. O prejuízo é bem maior, com
certeza”, confessa o parlamentar. Deduz-se, portanto, que a falência do sistema
de saúde brasileiro, ao contrário do que se apregoou durante a recente campanha
presidencial, não é tanto questão de alocação inadequada de verbas para o
setor, mas de criminosos desvios do montante alocado.
Estes
fraudadores, por conseqüência, são responsáveis diretos, por exemplo, pelo
dramático aumento da mortalidade infantil no Nordeste. Aliás, o relatório da
CPI aponta essa região do País como a campeoníssima em fraudes, praticadas, em
sua maioria, por servidores infiéis (para não dizer outra coisa), sendo que os
Estados com maior incidência de irregularidades foram Alagoas e Maranhão.
Essa
gente, indigna de conviver em sociedade (à qual atraiçoa), egoísta e com visão
de mundo absolutamente distorcida – e ainda assim ocupando funções de confiança
no serviço público – é culpada pela morte de pessoas humildes em corredores de
hospitais superlotados, falidos, com funcionários e médicos mal remunerados,
onde às vezes faltam até gazes, algodão e esparadrapo para curativos, tem que
ser responsabilizada pelo avanço de epidemias absolutamente evitáveis, quando
devidamente prevenidas, como dengue, tuberculose, cólera e Aids.
Algumas
clínicas, consultórios e até grandes estabelecimentos hospitalares, envolvidos
nas fraudes, contam com profissionais perjuros, que não honram o juramento de
Hipócrates que fizeram um dia. Pessoas que não têm escrúpulos em fazer da
desgraça alheia, das carências de uma população vítima de um modelo econômico
perverso e de uma situação social digna do Quarto Mundo, fonte de enriquecimento,
sobretudo ilícito.
É
por causa de maus brasileiros como estes – poucos, felizmente, mas que produzem
estragos equivalentes aos produzidos por milhões de bandidos – que nossos
hospitais públicos se transformaram em “circos de horrores”, num verdadeiro “mundo
cão”, onde a dignidade das pessoas é pisoteada, em um momento em que estas
estão mais indefesas e vulneráveis, ou seja, quando doentes.
O
relator citou exemplo de um consultório do Alagoas que tirava radiografias “sem
usar filmes”!?! Na fatura que apresentava ao governo, os custos do material e
de sua revelação (fajuta, é claro), eram incluídos e, logicamente,
superfaturados.
Alguns
hospitais, na ânsia de fraudar, tinham o desplante de mandar contas de partos
“fantasmas”, inclusive de homens (!?!), num atentado à própria biologia, para
não dizer à moral e à lei. O que será que gente desse tipo, sem decência,
piedade ou solidariedade, para quem patriotismo soa como palavrão, pensa da
vida?! Seria digna de pena, não fosse merecedora de cadeia.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de novembro de 1994).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment