Saturday, May 17, 2014

As fraudes na saúde


Pedro J. Bondaczuk


O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre fraudes no Inamps, recém divulgado, constata que apenas neste ano, a União teve um prejuízo de pelo menos US$ 1,6 bilhão, por causa da ação de fraudadores.

Trata-se de dinheiro público, destinado à assistência de saúde de uma população doente e desassistida, que foi parar em bolsos indevidos, de forma absolutamente criminosa. Fosse essa a quantia real desviada e já seria um enorme absurdo. Constituir-se-ia em um escândalo tão grave, ou maior, do que o da manipulação do Orçamento nacional.

Todavia, o relator da CPI, deputado Jackson Pereira (PSDB-CE) enfatizou que essa cifra é estimativa subestimada do gigantesco volume de recursos jogado fora. Às custas, é claro, do atormentado contribuinte (aquele que paga em dia seus tributos, evidentemente).

“Fui extremamente modesto nos meus levantamentos. O prejuízo é bem maior, com certeza”, confessa o parlamentar. Deduz-se, portanto, que a falência do sistema de saúde brasileiro, ao contrário do que se apregoou durante a recente campanha presidencial, não é tanto questão de alocação inadequada de verbas para o setor, mas de criminosos desvios do montante alocado.

Estes fraudadores, por conseqüência, são responsáveis diretos, por exemplo, pelo dramático aumento da mortalidade infantil no Nordeste. Aliás, o relatório da CPI aponta essa região do País como a campeoníssima em fraudes, praticadas, em sua maioria, por servidores infiéis (para não dizer outra coisa), sendo que os Estados com maior incidência de irregularidades foram Alagoas e Maranhão.

Essa gente, indigna de conviver em sociedade (à qual atraiçoa), egoísta e com visão de mundo absolutamente distorcida – e ainda assim ocupando funções de confiança no serviço público – é culpada pela morte de pessoas humildes em corredores de hospitais superlotados, falidos, com funcionários e médicos mal remunerados, onde às vezes faltam até gazes, algodão e esparadrapo para curativos, tem que ser responsabilizada pelo avanço de epidemias absolutamente evitáveis, quando devidamente prevenidas, como dengue, tuberculose, cólera e Aids.

Algumas clínicas, consultórios e até grandes estabelecimentos hospitalares, envolvidos nas fraudes, contam com profissionais perjuros, que não honram o juramento de Hipócrates que fizeram um dia. Pessoas que não têm escrúpulos em fazer da desgraça alheia, das carências de uma população vítima de um modelo econômico perverso e de uma situação social digna do Quarto Mundo, fonte de enriquecimento, sobretudo ilícito.

É por causa de maus brasileiros como estes – poucos, felizmente, mas que produzem estragos equivalentes aos produzidos por milhões de bandidos – que nossos hospitais públicos se transformaram em “circos de horrores”, num verdadeiro “mundo cão”, onde a dignidade das pessoas é pisoteada, em um momento em que estas estão mais indefesas e vulneráveis, ou seja, quando doentes.

O relator citou exemplo de um consultório do Alagoas que tirava radiografias “sem usar filmes”!?! Na fatura que apresentava ao governo, os custos do material e de sua revelação (fajuta, é claro), eram incluídos e, logicamente, superfaturados.

Alguns hospitais, na ânsia de fraudar, tinham o desplante de mandar contas de partos “fantasmas”, inclusive de homens (!?!), num atentado à própria biologia, para não dizer à moral e à lei. O que será que gente desse tipo, sem decência, piedade ou solidariedade, para quem patriotismo soa como palavrão, pensa da vida?! Seria digna de pena, não fosse merecedora de cadeia.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de novembro de 1994).


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