Caminho
da sabedoria
Pedro J. Bondaczuk
“A
dúvida é o princípio da sabedoria”. Essa constatação, aparentemente simples,
foi feita há muito tempo, na Grécia antiga, por um homem hoje reconhecido,
quase que consensualmente, como “sábio” Na verdade, ele não se considerava como
tal. Refiro-me ao filósofo Aristóteles, cujas idéias são tão valiosas que,
mesmo passados milênios da sua morte, ainda constituem o fundamento e principal
arcabouço do “edifício” da Filosofia contemporânea. Não é atitude sábia,
convenhamos, aceitar o que quer que seja aprioristicamente, apenas porque
alguém o “disse”, ou escreveu, sem duvidar, em momento algum, dessa afirmação,
ou constatação, ou conclusão, quando não mera especulação. Esta, no entanto, é
nossa tendência, até por questão de comodismo.
É
mister que não se confunda sabedoria com acúmulo de informação, com cultura,
com assimilação de conhecimentos, digamos, “enciclopédicos”, quer por leitura,
quer por se freqüentar bancos escolares nos mais diversos níveis. Para ser
sábio, não é necessário que o indivíduo seja sequer letrado. Aliás, há muitos
que nem mesmo sabem ler e escrever e, ainda assim, ostentam essa condição. É
necessário enxergar além das aparências, ter raciocínio lógico e disposição
para testar todo o conhecimento estatuído. E, para isso, se faz indispensável
utilizar o “instrumento” deflagrador do processo de raciocínio proposto por
Aristóteles: a dúvida.
Certamente
não conseguiremos eliminar todos os pontos obscuros, intrigantes e duvidosos
com que toparmos, os transformando, num passe de mágica, em convicções, em
coisas comprovadas, em certezas. Ninguém jamais conseguiu essa façanha. Duvido
que alguém o consiga. Por que? Pela complexidade deste mistério que é a vida.
Em virtude do mistério de tudo o que nos cerca, principalmente de nós mesmos,
neste universo indimensionável, possivelmente infinito, em que um dia fomos
lançados, sem sabermos sequer com que finalidade, se é que exista alguma.
“Quer
dizer, então, que a sabedoria nos é inacessível?”, pode perguntar o aflito
leitor. Não foi o que eu escrevi.Todos
nós temos, em algum momento da vida, súbito “lampejo” dela. E esse inesperado
raio de luz varia, em intensidade e duração, de pessoa para pessoa. Alguns se
esmeram em buscar detalhes dessa centelha divina. Desenvolvem, por exemplo, o
hábito da meditação. Questionam, estudam, pesquisam, perquirem e lêem (caso
saibam ler). E... se tornam sábios, ou se aproximam dessa condição.
A
maioria, porém, fica comodamente à espera de novos lampejos. Às vezes eles se
repetem mesmo, porém são raras e incertas essas repetições. Na maioria das
vezes, eles acabam por não se manifestar jamais. Dessa forma, por comodismo,
preguiça, incúria, entre outras coisas, essas pessoas perdem a oportunidade,
para elas única, de chegar à fonte da sabedoria. Ressalte-se, reitero, que
saber não implica, necessariamente, em conhecer, embora seja o princípio do
conhecimento. Trata-se da informação bruta sobre um fato, conceito ou coisa, sem o devido detalhamento.
Só
o estudo, a meditação, o raciocínio e a leitura (desejável, mas não
indispensável) nos levam à plenitude do conhecimento, em princípio acessível a
todos, mas que poucos, pouquíssimos conseguem obter. O marco inicial do
longuíssimo caminho que, se trilhado, nos levará à sabedoria, está em nós
mesmos, no autoconhecimento. Como Sócrates acentuou, através de Platão, que foi
seu porta-voz, “sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância”.
Quantos são os que conhecem? E mesmo que conheçam intuitivamente, quantos os
admitem? Essa relutância, ou mesmo resistência na admissão tende a ter várias
causas, entre as quais a mais comum e freqüente é a vaidade. Mas como poderemos
saber alguma coisa se não admitirmos que a desconhecemos? Se acharmos que temos
o domínio de algo que na verdade não temos?
Não
raro, nos apegamos fanaticamente a dogmas, que colhemos alhures, agindo como se
fossem verdades inquestionáveis. E se não forem? Quase nunca são. Deixamos de
exercer o princípio elementar, proposto por Aristóteles, para termos ao menos
alguma chance, por mínima que seja, de ao menos nos aproximarmos da sabedoria:
a dúvida. Relutamos em questionar. Tememos os questionamentos por receio de
descobrir coisas a nosso respeito que nos desagradarão e decepcionarão. Mas são
justamente elas que deveríamos nos empenhar em detectar. Só é possível tratar
de alguma doença se esta for identificada, mediante diagnóstico preciso e
inquestionável. Da mesma forma, somente podemos começar a eliminar nossa
ignorância se nos dispusermos a delimitá-la, para só então procurar eliminá-la.
O
ensaísta norte-americano Henry David Thoreau, um dos meus preferidos pela
profundidade de suas reflexões, observou, num dos seus mais famosos ensaios,
constantes do livro “Desobedecendo”: “A sabedoria não chega aos espíritos em
detalhes; ela viaja nos lampejos da luz celeste”. O que essas centelhas podem
nos fornecer e que, de vez em quando, nos fornecem, são meras “pistas” do
longuíssimo caminho que poderemos trilhar caso aspiremos ser, de fato, sábios.
Antes de segui-las, porém, cabe-nos delimitar a extensão da nossa ignorância e
utilizarmos com perícia e precisão a ferramenta da dúvida, sugerida por
Aristóteles
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