Corrupção
da sociedade
Pedro J. Bondaczuk
A situação de abandono a que são relegados os
meninos e meninas brasileiros, em sua grande maioria, embora conhecida
sobejamente, através de estatísticas, levantamentos, artigos, denúncias e
reportagens, merece ser ressaltada, até que se tome alguma providência prática
para, se não eliminar essa distorção, pelo menos minorar o problema. E não há
ocasião mais propícia para abordar o tema do que neste mês, tradicionalmente
dedicado à criança.
Em nenhuma outra faixa etária as discrepâncias entre
o Brasil rico e o miserável ressaltam mais do que nesta. Até porque, embora
tenha envelhecido nos últimos anos, este ainda é um país essencialmente jovem.
O ideal é que o assunto seja tratado com a seriedade que merece, sem pieguices,
mas também sem maquiagens. Sem demagogias e sem exageros. Com realismo, com
espírito crítico, com sugestões para a solução desse problema que é uma
vergonha nacional.
O advogado Luiz Flávio Borges D’Urso, num artigo
publicado no suplemento “Justiça”, do jornal “O Estado de São Paulo”, de 28 de
março deste ano, constatou; “Somente no ano de 1990, nosso país assistiu, sem
perplexidade, ao extermínio de 5 mil crianças, segundo dados da própria
polícia. Matam-se duas crianças a cada 24 horas. Só no Rio de Janeiro foram 350
vítimas, apenas neste ano”. Ou seja, até 27 de março, dia em que o artigo foi
escrito.
Observe-se que se tratam de números frios, de meros
dados estatísticos. Porém, referem-se ao assassinato, absolutamente impune, não
de cães vadios ou gatos perdidos pelas ruas – que mesmo assim seria um fato
condenável – mas de seres humanos.
Trata-se de genocídio, o que é pior, de pessoas
ainda em fase de formação (ou deformação?), frágeis física e psicologicamente,
sem que ainda tenham formado um caráter. É gente como a gente sendo abatida
como feras diante de olhares impassíveis, de cidadãos que deblateram contra a
corrupção do presidente afastado, sem se dar conta que este extermínio é a mais
grave das corrupções sociais.
É a solidariedade que está sendo corrompida. É a
piedade que se extingue nos indivíduos capazes de se condoer com uma pata
ferida de qualquer animal e deixarem uma criança machucada sangrar até morrer
diante de seus olhos, sem sequer se tocar. No mencionado artigo, o advogado diz
mais: “Dos 5 mil seres humanos mortos em tenra idade, 90% foram abatidos a
tiros e tinham entre 9 e 16 anos, retrato de uma violência indesejável,
vergonhosa e cruel contra nossas crianças”.
É pieguice trazer essa realidade mais uma vez à
baila? Ou se trata de uma questão de repulsa contra direitos pisoteados? O
sociólogo Herbert de Souza acrescenta algumas indagações às nossas a esse
propósito. Pergunta: “Quem teria coragem de chegar perto de um coração tão
pequeno parando de bater, como se nada fosse e valesse nesse mundo? E uma vez
concluída a morte, a quem entregar esse corpo, essa vida, biografia, história,
se nem nome tinha a criatura? Amado teria sido alguma vez? Alimentado teria
sido duas vezes por dia teria sido? Um lugar para dormir teria havido? Alguns
amigos, ou um que seja teria tido?”
As respostas não são difíceis de concluir. Todas
elas resumem-se numa só: não!!!!
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 5 de outubro de 1992)
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