Tuesday, May 13, 2014

Equívoco político


Pedro J. Bondaczuk


O estado de emergência, decretado na noite de anteontem pelo presidente nicaragüense, Daniel Ortega, é um enorme equívoco político, que pode lhe custar a perda de muito apoio entre os países que ainda confiam no sucesso do regime sandinista. A principal acusação que os adversários do atual governo da Nicarágua fazem é, exatamente, quanto à ausência de liberdade nesse país. Ao invés de procurar provar o contrário, entretanto, este se emaranha ainda mais em suas perceptíveis contradições e abre cada vez maior espaço para que a oposição interna e externa passe a ser encarada como vítima pela opinião pública mundial. Mesmo aquela representada pela guerrilha, apoiada, financiada e treinada pelos Estados Unidos.

A argumentação de "estado de guerra" usada por Ortega não é uma justificativa suficiente para restringir ainda mais a manifestação da imprensa, sabidamente a consciência da sociedade nas democracias que realmente merecem esse nome. Suspender as garantias individuais, por outro lado, não é o melhor caminho para conservar a população coesa em torno das teses sandinistas. Ainda mais quando o outro lado, a despeito de cometer terríveis atrocidades (comprovadas cabalmente por entidades internacionais de defesa dos direitos humanos, reconhecidamente idôneas e apolíticas) a todo o instante emite o enganador "canto de sereia" de que mudará esse estado de coisas caso assuma um dia o poder nacional. Todos sabem que se isso acontecer, não ocorrerá de forma nenhuma a pacificação, mas que haverá uma disputa encarniçada pelos espólios da pátria. Basta ver em quantos grupos e facções as guerrilhas estão divididas. Todos eles estão de olho no poder.

Hoje em dia já não é segredo para ninguém que o presidente norte-americano Ronald Reagan tem como tarefa prioritária na América Latina derrubar o regime sandinista. Tolhido pelo Congresso dos EUA em seu desejo de intervir diretamente no conflito, resolveu seguir outra estratégia, fazendo vistas grossas à participação de cidadãos do seu país nas lutas que se desenvolvem nas turbulentas fronteiras da Nicarágua. Tanto ao Norte, onde conta com a decisiva contribuição hondurenha, quanto ao Sul, onde tem o beneplácito da Costa Rica. Revistas especializadas em recrutar mercenários publicam, quase todos os dias, anúncios tentadores visando a conseguir crescente adesão de jovens aventureiros que queiram combater os seguidores do atual regime nicaragüense em todos os Estados Unidos. Entre essas publicações estão a "Soldier of Fortune", a "Eagle", a "Gun-Ho" e a "New Breed".

Para apoiar essa "causa", existem ainda diversas organizações de extrema-direita norte-americanas pregando a luta armada na América Central. Como se através da violência essa miserável região possa vir a ser redimida um dia das mazelas de que sua população tem sido vítima desde que os espanhóis deixaram o Novo Mundo. Entre tais organismos podem ser citados, de passagem, a "Fundação Pró-América", a "Liga Anticomunista Mundial", a "Assistência Cívico-Militar do Alabama", o "Comitê pela Sobrevivência de um Congresso Livre" e a "Comissão Caribenha".

Foi para esses grupos fanáticos (depois só o terror libanês ou palestino recebem o rótulo de "animais fanáticos", como os qualificou segunda-feira o secretário de Estado George Shultz!) que Daniel Ortega abriu espaço. Foi para eles que outorgou, de bandeja, argumentos sumamente úteis para que arrebanhem milhares de ingênuos sinceros, os eternos inocentes úteis, que tornam possíveis as ocorrências das maiores aberrações que se conhece na história a exemplo do nazismo. Decididamente, foi uma atitude desastrada, tomada de forma incompetente e num momento sumamente inoportuno pelo governo sandinista. E que pode lhe custar muito caro.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de outubro de 1985)


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