Equívoco político
Pedro J. Bondaczuk
O
estado de emergência, decretado na noite de anteontem pelo presidente
nicaragüense, Daniel Ortega, é um enorme equívoco político, que pode lhe custar
a perda de muito apoio entre os países que ainda confiam no sucesso do regime
sandinista. A principal acusação que os adversários do atual governo da
Nicarágua fazem é, exatamente, quanto à ausência de liberdade nesse país. Ao
invés de procurar provar o contrário, entretanto, este se emaranha ainda mais
em suas perceptíveis contradições e abre cada vez maior espaço para que a
oposição interna e externa passe a ser encarada como vítima pela opinião
pública mundial. Mesmo aquela representada pela guerrilha, apoiada, financiada
e treinada pelos Estados Unidos.
A
argumentação de "estado de guerra" usada por Ortega não é uma
justificativa suficiente para restringir ainda mais a manifestação da imprensa,
sabidamente a consciência da sociedade nas democracias que realmente merecem
esse nome. Suspender as garantias individuais, por outro lado, não é o melhor
caminho para conservar a população coesa em torno das teses sandinistas. Ainda
mais quando o outro lado, a despeito de cometer terríveis atrocidades
(comprovadas cabalmente por entidades internacionais de defesa dos direitos
humanos, reconhecidamente idôneas e apolíticas) a todo o instante emite o
enganador "canto de sereia" de que mudará esse estado de coisas caso
assuma um dia o poder nacional. Todos sabem que se isso acontecer, não ocorrerá
de forma nenhuma a pacificação, mas que haverá uma disputa encarniçada pelos
espólios da pátria. Basta ver em quantos grupos e facções as guerrilhas estão
divididas. Todos eles estão de olho no poder.
Hoje
em dia já não é segredo para ninguém que o presidente norte-americano Ronald Reagan
tem como tarefa prioritária na América Latina derrubar o regime sandinista.
Tolhido pelo Congresso dos EUA em seu desejo de intervir diretamente no
conflito, resolveu seguir outra estratégia, fazendo vistas grossas à
participação de cidadãos do seu país nas lutas que se desenvolvem nas
turbulentas fronteiras da Nicarágua. Tanto ao Norte, onde conta com a decisiva
contribuição hondurenha, quanto ao Sul, onde tem o beneplácito da Costa Rica.
Revistas especializadas em recrutar mercenários publicam, quase todos os dias,
anúncios tentadores visando a conseguir crescente adesão de jovens aventureiros
que queiram combater os seguidores do atual regime nicaragüense em todos os
Estados Unidos. Entre essas publicações estão a "Soldier of Fortune",
a "Eagle", a "Gun-Ho" e a "New Breed".
Para
apoiar essa "causa", existem ainda diversas organizações de
extrema-direita norte-americanas pregando a luta armada na América Central.
Como se através da violência essa miserável região possa vir a ser redimida um
dia das mazelas de que sua população tem sido vítima desde que os espanhóis
deixaram o Novo Mundo. Entre tais organismos podem ser citados, de passagem, a
"Fundação Pró-América", a "Liga Anticomunista Mundial", a
"Assistência Cívico-Militar do Alabama", o "Comitê pela
Sobrevivência de um Congresso Livre" e a "Comissão Caribenha".
Foi
para esses grupos fanáticos (depois só o terror libanês ou palestino recebem o
rótulo de "animais fanáticos", como os qualificou segunda-feira o
secretário de Estado George Shultz!) que Daniel Ortega abriu espaço. Foi para
eles que outorgou, de bandeja, argumentos sumamente úteis para que arrebanhem
milhares de ingênuos sinceros, os eternos inocentes úteis, que tornam possíveis
as ocorrências das maiores aberrações que se conhece na história a exemplo do
nazismo. Decididamente, foi uma atitude desastrada, tomada de forma
incompetente e num momento sumamente inoportuno pelo governo sandinista. E que
pode lhe custar muito caro.
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de outubro de
1985)
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