“Nenhum homem é uma ilha...”
Pedro J.
Bondaczuk
O documento divulgado pelo Vaticano, condenando todos os
métodos antinaturais de concepção e a manipulação de embriões humanos por parte
dos cientistas, causou as reações esperadas. Grupos que se dizem defensores dos
direitos civis vieram a público, em vários órgãos de comunicação
internacionais, para manifestar sua oposição a tão sábias normas.
Certamente faltou um pouco de
reflexão às pessoas que dirigem essas entidades ou então elas desejam se
autopromover às custas de um assunto de tamanha delicadeza. A maioria das
queixas baseia-se na afirmação de que cada indivíduo pode fazer o que bem lhe
aprouver com o próprio corpo, num individualismo idiota e sobretudo falso.
“Nenhum ser humano é uma ilha,
mas todos somos partes de um grande continente, que é a humanidade”, afirmou,
certa vez, judiciosamente, um escritor, cujo nome não me recordo. Todos temos
laços indeléveis e inquebrantáveis com outros semelhantes. Afinal, não somos
frutos de geração espontânea que, como Louis Pasteur provou, não existe.
Tivemos pais e, portanto,
moralmente, devemos explicações a eles do que fizermos com o nosso corpo. Temos
cônjuges, aos quais isso também importa, e muito. Aos filhos, temos o dever
permanente de prestar satisfações. À comunidade (por que não?), também, já que
a ela cabe a tarefa de cuidar de nós quando adoecemos ou de sepultar nossos
restos, após nossa morte. E de nos alimentar, vestir e empregar, entre outras
coisas.
Por outro lado, reclamar direito
para decidir sobre a vida alheia chega a ser um absurdo tão grande que faria
Kafka, Ionesco e outros tantos que lideram artisticamente com o “non sense”
corarem de vergonha. Ainda quando o processo desenrola-se por vias naturais, é
passável, embora não menos reprovável, dadas as circunstâncias do nosso tempo.
A decisão sobre a geração ou não
de um novo ser fica por conta do acaso. Ou das regras da natureza, que regem a
reprodução dos seres vivos. Se já, pelos métodos apropriados, colocar um ser no
mundo é uma responsabilidade transcendental, diante do excesso de pessoas que
há no Planeta e dos problemas que isso causa a todos, imaginem o que significa
gerar alguém por processos artificiais e sumamente arriscados, por permitir que
alguém assuma o papel de Deus e possa produzir bebês em série, como se fossem
galinhas, bezerros ou porcos, “programados” para fins específicos!
O que choca é o fato de que estas
mesmas entidades, que vêm a público para exigir direitos inexistentes, posto
que ilegítimos, são aquelas que promovem esterilizações em massa no Terceiro
Mundo, sob a argumentação de tentar deter a explosão populacional. Quer dizer
que os seres humanos devem ser medidos pelo parâmetro único de suas posses!
Os menos aquinhoados, por uma
distribuição criminosa do patrimônio comum da humanidade, acabam sendo,
invariavelmente, mais uma vez punidos. Porque uma mulher de classe humilde não
tem recursos, quando é estéril, para se submeter a uma inseminação artificial.
E muito menos para contratar qualquer mãe de aluguel.
Muitas vezes a sua miséria é tão
grande, que embora o seu instinto materno venha a reclamar um filho, a sua
parte racional acaba considerando uma bênção o fato de não poder gerar. O mundo
está “superlotado”.
Desde maio de 1986, ultrapassamos
a barreira dos 5 bilhões de seres a vivermos num Planeta que não tem o dom de
“espichar” e cujos recursos são esgotáveis. As sociedades enfrentam problemas
monumentais, que precisam ser equacionados com urgência, para garantir a
existência dos que já estão aqui, como os referentes à alimentação, ao
vestuário, à saúde pública ou ao destino dos dejetos.
Precisam encontrar novas fontes
de matérias-primas, descobrir uma maneira de aumentar a produção industrial sem
comprometer a qualidade do ar que se respira e achar um jeito de gerar energia,
para que o atual aparato civilizatório continue funcionando, mesmo que de forma
imperfeita ou precária.
E vem um bando de “iluminados”
querer dar a entender que gerar mais vidas, e o que é pior, por meios
antinaturais, é a máxima das prioridades! Ora, isso é impossível de ser aceito
por uma mente séria, ou pelo menos dotada de um mínimo de racionalidade! É o
cúmulo do egoísmo ou da alienação!
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 14
de março de 1987).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk .
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