Reformistas
mostram alienação
Pedro J. Bondaczuk
O destino da Perestroika e da própria sobrevivência
da União Soviética está posto na mesa. De um lado, estão os comunistas
conservadores e os reformistas radicais, com objetivos de longo prazo
diametralmente opostos, mas que se uniram agora para uma causa comum: obter a
renúncia do presidente Mikhail Gorbachev. De outro, está o líder do Cremlin,
cada vez mais acuado, isolado, virtualmente sem nenhum apoio seguro, interno ou
externo, a esta altura atuando mais como um Dom Quixote moderno, investindo,
porém, não contra moinhos de vento em que vislumbre monstros imaginários, mas
contra feras reais, de corrupção e oportunismo, com forças insuficientes para
obter vitória.
Que a linha dura do Partido Comunista invista contra
a Perestroika, é até compreensível. Faz parte do seu fanatismo ideológico e
conseqüente cegueira política. Condiz, sobretudo, com seu oportunismo, para a
preservação de seus privilégios.
O que não se entende é a insensibilidade dos
reformistas radicais. Sua alienação chega às raias do absurdo. Eles não
perceberam que a queda de Gorbachev, neste momento, vai implicar num fatal
fechamento do regime. O objetivo imediato do “Soyuz”, grupo parlamentar
extremista, liderado por dois oficiais militares cujo apelido é “Coronéis
Negros”, integrado por deputados comunistas ortodoxos, é exatamente calar sua
voz.
É reprimir as revoltas nacionalistas e as greves de
trabalhadores que se multiplicam por todo o país. Os ditos liberais pretendem
substituir a lentidão do programa reformista do presidente por um retrocesso
aos tempos de Brezhnev. Estão dispostos a abrir mão de uma reforma a passos de
tartaruga por nenhuma. Pretendem trocar sua liberdade, que não sabem como
administrar, por um provável exílio – interno ou externo - , um período em
algum gulag na Sibéria, quando não num manicômio.
Será muita ingenuidade dos trabalhadores atualmente
em greve se eles acharem que a opção para Mikhail Gorbachev é o populista Boris
Yeltsin. Assim que o atual líder do Cremlin renunciar – se isto vier a
acontecer – e agora tudo leva a crer que sim – de imediato o panorama nacional
do país irá mudar, mas não conforme suas delirantes expectativas.
Em circunstância nenhuma a linha-dura cederá o poder
aos reformistas radicais, caso o retomem. O tiro acabará saindo pela culatra,
para os inocentes úteis, que se apavoraram assim que se viram forçados a
pensar.
O grupo “Soyuz”, que garante que colherá assinaturas
suficientes para derrubar Gorbachev, em sessão de emergência do Congresso de
Deputados do Povo que pretende convocar para maio próximo, defende, acima de
tudo, tão logo logre seu objetivo imediato – com a eufórica e estúpida
conivência dos reformistas – a imposição do estado de emergência na União
Soviética. Ou seja, a suspensão imediata das liberdades e garantias
conquistadas a tão duras penas no bojo da Perestroika.
Seria este o fim do ousado programa de mudanças?
Provavelmente não. É possível que, com o tempo, o atual presidente soviético se
torne mais útil ao seu país fora do poder, do que com ele nas mãos. É provável
que acabe por se tornar um símbolo, um mito, uma bandeira.
Qualquer reforma que se faça nesse caótico gigante
passará, necessariamente, pelas idéias manifestadas por este que já é tido como
o estadista do século. Resta saber se os soviéticos estão preparados para adiar
a indispensável cirurgia – impossível de ser indolor – que evite que o câncer
da corrupção, do cinismo e do autoritarismo leve o já enfraquecido organismo
social à débâcle.
(Artigo publicado na página 17, Internacional, do
Correio Popular, em 23 de abril de 1991)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment