Wednesday, May 21, 2014

Reformistas mostram alienação


Pedro J. Bondaczuk


O destino da Perestroika e da própria sobrevivência da União Soviética está posto na mesa. De um lado, estão os comunistas conservadores e os reformistas radicais, com objetivos de longo prazo diametralmente opostos, mas que se uniram agora para uma causa comum: obter a renúncia do presidente Mikhail Gorbachev. De outro, está o líder do Cremlin, cada vez mais acuado, isolado, virtualmente sem nenhum apoio seguro, interno ou externo, a esta altura atuando mais como um Dom Quixote moderno, investindo, porém, não contra moinhos de vento em que vislumbre monstros imaginários, mas contra feras reais, de corrupção e oportunismo, com forças insuficientes para obter vitória.

Que a linha dura do Partido Comunista invista contra a Perestroika, é até compreensível. Faz parte do seu fanatismo ideológico e conseqüente cegueira política. Condiz, sobretudo, com seu oportunismo, para a preservação de seus privilégios.

O que não se entende é a insensibilidade dos reformistas radicais. Sua alienação chega às raias do absurdo. Eles não perceberam que a queda de Gorbachev, neste momento, vai implicar num fatal fechamento do regime. O objetivo imediato do “Soyuz”, grupo parlamentar extremista, liderado por dois oficiais militares cujo apelido é “Coronéis Negros”, integrado por deputados comunistas ortodoxos, é exatamente calar sua voz.

É reprimir as revoltas nacionalistas e as greves de trabalhadores que se multiplicam por todo o país. Os ditos liberais pretendem substituir a lentidão do programa reformista do presidente por um retrocesso aos tempos de Brezhnev. Estão dispostos a abrir mão de uma reforma a passos de tartaruga por nenhuma. Pretendem trocar sua liberdade, que não sabem como administrar, por um provável exílio – interno ou externo - , um período em algum gulag na Sibéria, quando não num manicômio.

Será muita ingenuidade dos trabalhadores atualmente em greve se eles acharem que a opção para Mikhail Gorbachev é o populista Boris Yeltsin. Assim que o atual líder do Cremlin renunciar – se isto vier a acontecer – e agora tudo leva a crer que sim – de imediato o panorama nacional do país irá mudar, mas não conforme suas delirantes expectativas.

Em circunstância nenhuma a linha-dura cederá o poder aos reformistas radicais, caso o retomem. O tiro acabará saindo pela culatra, para os inocentes úteis, que se apavoraram assim que se viram forçados a pensar.

O grupo “Soyuz”, que garante que colherá assinaturas suficientes para derrubar Gorbachev, em sessão de emergência do Congresso de Deputados do Povo que pretende convocar para maio próximo, defende, acima de tudo, tão logo logre seu objetivo imediato – com a eufórica e estúpida conivência dos reformistas – a imposição do estado de emergência na União Soviética. Ou seja, a suspensão imediata das liberdades e garantias conquistadas a tão duras penas no bojo da Perestroika.

Seria este o fim do ousado programa de mudanças? Provavelmente não. É possível que, com o tempo, o atual presidente soviético se torne mais útil ao seu país fora do poder, do que com ele nas mãos. É provável que acabe por se tornar um símbolo, um mito, uma bandeira.

Qualquer reforma que se faça nesse caótico gigante passará, necessariamente, pelas idéias manifestadas por este que já é tido como o estadista do século. Resta saber se os soviéticos estão preparados para adiar a indispensável cirurgia – impossível de ser indolor – que evite que o câncer da corrupção, do cinismo e do autoritarismo leve o já enfraquecido organismo social à débâcle.  
  
(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 23 de abril de 1991)

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

       

No comments: