Exploração
do insólito
Pedro J. Bondaczuk
O
estudo de hábitos, costumes e tradições de povos, digamos, “exóticos”,
raramente mencionados nos meios de comunicação e até mesmo em literatura, não
deve ser, apenas, tarefa de antropólogos, etólogos (estudiosos de
comportamento), folcloristas e congêneres. Nós, escritores, caso nos
disponhamos a empreender esse tipo de pesquisa, poderemos nos beneficiar
bastante e produzir obras sumamente interessantes e, acima de tudo, originais.
Houve tempos em que esses estudos eram praticamente inviáveis, a menos que nos
dispuséssemos a viajar para esses lugares tão obscuros e distantes caso, claro,
contássemos com recursos para tal. Hoje, todavia, com o “encolhimento” do
Planeta, ditado pela evolução dos meios de comunicação, isso se torna acessível
e até relativamente fácil. Não precisamos sequer sair do lugar em que vivemos.
Basta um tantinho de paciência, outro tanto de dedicação, com pitadinhas de
persistência.
O
australiano Morris West era perito na escolha de lugares “diferentes” para
situar muitos dos seus romances de sucesso (e estes ascenderam a praticamente
uma centena ou em torno disso). Cito, de memória, apenas dois: “O navegante” e
“Forca na areia”. Mas há muitos outros livros dele em que o autor “deita e
rola”, manejando com perícia e extrema capacidade de observação, costumes e
tradições de povos que vivem de forma tão diferente da nossa que chegamos a
achar que seus modos de vida sejam frutos exclusivos da sua imaginação. Mas não
são. Outro escritor que seguiu essa mesma linha foi William Somerset Maugham.
Posso citar, ainda, um terceiro – mas houve centenas que recorreram a esse
filão – dos que me lembro, que foi Archibald Joseph Cronin.
O
filósofo norte-americano Will Durant chegou a citar, em seu clássico “Filosofia
da vida”, que “pelo menos nalgumas das Ilhas Salomão criaturas humanas (de
preferência mulheres) são engordadas para a mesa, como nós o fazemos com os
suínos”. Talvez isso, de fato, ocorresse no seu tempo (não tenho porque duvidar
de sua revelação), na época em que escreveu seu célebre livro, ou seja, na
primeira metade do século XX. Hoje, todavia, esse arquipélago do Oceano
Pacífico é um país independente, com assento nas Nações Unidas e com
relativamente amplo contato com países da Europa, das Américas e da Ásia,
através do comércio, do turismo, da televisão e até da onipresente internet.
Pode até ser que haja, em lugares mais recônditos dessas ilhas, quem ainda
pratique a antropofagia, talvez em caráter cerimonial. Mas isso é um tanto
duvidoso. Porém... nunca se sabe.
Mesmo
que não haja mais antropófagos ali, o leitor já imaginou que enredo original
seus costumes podem propiciar a um romancista hábil e talentoso? E a
antropofagia, mesmo que não seja mais praticada, é apenas um caso que pode ser
explorado entre tantos e tantos e tantos outros quer desse país tão pouco
conhecido, quer do Planeta afora. As Ilhas Salomão localizam-se no arquipélago
da Melanésia, no Oceano Pacífico, e têm população pouca coisa superior a meio
milhão de habitantes, espalhados em dezenas de ilhas. Durante muito tempo,
integraram o vasto império britânico, aquele do qual se dizia que em seus
limites o sol nunca se punha (o que era verdade) dada sua fantástica extensão.
Tornaram-se país independente a relativamente pouco tempo, em 7 de julho de
1978.
Como
afirmei, não posso garantir que os habitantes das Ilhas Salomão continuem
engordando mulheres para servirem de iguarias em nababescos e pantagruélicos
banquetes antropofágicos, como foi citado por Will Durant. Todavia, duvido
disso. Os principais problemas desse remoto país insular, no entanto, são mais
triviais e muito parecidos com os nossos do que esse eventual e estranho hábito
alimentar. São, principalmente, a corrupção, as disputas por terras, a falta de
autoridade do governo que detém controle apenas nominal na maior parte do
território, o acelerado desmatamento que causa sérios desequilíbrios climáticos
e a malária, que ali é endêmica. Nos primeiros anos do século XXI, as Ilhas
Salomão viveram violenta guerra civil, que só pode ser controlada graças à
intervenção militar, patrocinada pelas Nações Unidas, de uma força
multinacional de 20 países, liderada pela Austrália. Todavia, continua como uma
das tantas zonas problemáticas e conflituosas do Planeta.
Viram
quantas informações pude colher de um país tão exótico (para nós, claro, como
nós o somos para seus habitantes, sem dúvida) sem precisar nem mesmo viajar
para localidade tão distante e remota da imensidão do Pacífico? E olhem que não
disse nada a respeito dos seus habitantes: do que gostam, no que crêem, como se
divertem, que religião professam, e vai por aí afora. Para não omitir por
completo dados a esse propósito, cito o que os ocidentais consideram o máximo
do exotismo dos que vivem ali. Dez por cento dos habitantes do arquipélago,
cerca de 50 mil pessoas, adquiriram uma característica genética raríssima:
apesar de terem pele negra (são negros), têm cabelos louros e lisos.
Como
se vê, não sabemos praticamente nada da imensa maioria dos países e de seus
respectivos habitantes de nosso próprio Planeta e vivemos nutrindo a fantasia
de chegar a Marte, se apossar dele e colonizá-lo. O que nós sabemos, de fato,
dos gostos, hábitos e costumes dos habitantes, por exemplo, de Papua-Nova
Guiné, território outrora pertencente à Indonésia?. Pouco, muito pouco.
Praticamente nada. Nem mesmo sabemos
muita coisa sobre os indonésios, habitantes de um país insular caracterizado
por uma profusão de vulcões em seu acidentado território, contudo mais populoso
do que o Brasil. Sobre Vanuatu, Tuvalu, Kiribati, Butão etc.etc.etc. conhecemos
muito menos. E há escritores que se queixam de falta de assunto... Barbaridade!
O que lhes falta é imaginação e, principalmente, talento. Que tal esquecermos
um pouco o trivial, o comum, o corriqueiro e voltarmos nossos olhos para o
insólito, o inusitado e o original, que o Planeta Terra nos propicia e que
raramente aproveitamos?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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