Sunday, May 04, 2014

Exploração do insólito

Pedro J. Bondaczuk

O estudo de hábitos, costumes e tradições de povos, digamos, “exóticos”, raramente mencionados nos meios de comunicação e até mesmo em literatura, não deve ser, apenas, tarefa de antropólogos, etólogos (estudiosos de comportamento), folcloristas e congêneres. Nós, escritores, caso nos disponhamos a empreender esse tipo de pesquisa, poderemos nos beneficiar bastante e produzir obras sumamente interessantes e, acima de tudo, originais. Houve tempos em que esses estudos eram praticamente inviáveis, a menos que nos dispuséssemos a viajar para esses lugares tão obscuros e distantes caso, claro, contássemos com recursos para tal. Hoje, todavia, com o “encolhimento” do Planeta, ditado pela evolução dos meios de comunicação, isso se torna acessível e até relativamente fácil. Não precisamos sequer sair do lugar em que vivemos. Basta um tantinho de paciência, outro tanto de dedicação, com pitadinhas de persistência.

O australiano Morris West era perito na escolha de lugares “diferentes” para situar muitos dos seus romances de sucesso (e estes ascenderam a praticamente uma centena ou em torno disso). Cito, de memória, apenas dois: “O navegante” e “Forca na areia”. Mas há muitos outros livros dele em que o autor “deita e rola”, manejando com perícia e extrema capacidade de observação, costumes e tradições de povos que vivem de forma tão diferente da nossa que chegamos a achar que seus modos de vida sejam frutos exclusivos da sua imaginação. Mas não são. Outro escritor que seguiu essa mesma linha foi William Somerset Maugham. Posso citar, ainda, um terceiro – mas houve centenas que recorreram a esse filão – dos que me lembro, que foi Archibald Joseph Cronin.

O filósofo norte-americano Will Durant chegou a citar, em seu clássico “Filosofia da vida”, que “pelo menos nalgumas das Ilhas Salomão criaturas humanas (de preferência mulheres) são engordadas para a mesa, como nós o fazemos com os suínos”. Talvez isso, de fato, ocorresse no seu tempo (não tenho porque duvidar de sua revelação), na época em que escreveu seu célebre livro, ou seja, na primeira metade do século XX. Hoje, todavia, esse arquipélago do Oceano Pacífico é um país independente, com assento nas Nações Unidas e com relativamente amplo contato com países da Europa, das Américas e da Ásia, através do comércio, do turismo, da televisão e até da onipresente internet. Pode até ser que haja, em lugares mais recônditos dessas ilhas, quem ainda pratique a antropofagia, talvez em caráter cerimonial. Mas isso é um tanto duvidoso. Porém... nunca se sabe.

Mesmo que não haja mais antropófagos ali, o leitor já imaginou que enredo original seus costumes podem propiciar a um romancista hábil e talentoso? E a antropofagia, mesmo que não seja mais praticada, é apenas um caso que pode ser explorado entre tantos e tantos e tantos outros quer desse país tão pouco conhecido, quer do Planeta afora. As Ilhas Salomão localizam-se no arquipélago da Melanésia, no Oceano Pacífico, e têm população pouca coisa superior a meio milhão de habitantes, espalhados em dezenas de ilhas. Durante muito tempo, integraram o vasto império britânico, aquele do qual se dizia que em seus limites o sol nunca se punha (o que era verdade) dada sua fantástica extensão. Tornaram-se país independente a relativamente pouco tempo, em 7 de julho de 1978.

Como afirmei, não posso garantir que os habitantes das Ilhas Salomão continuem engordando mulheres para servirem de iguarias em nababescos e pantagruélicos banquetes antropofágicos, como foi citado por Will Durant. Todavia, duvido disso. Os principais problemas desse remoto país insular, no entanto, são mais triviais e muito parecidos com os nossos do que esse eventual e estranho hábito alimentar. São, principalmente, a corrupção, as disputas por terras, a falta de autoridade do governo que detém controle apenas nominal na maior parte do território, o acelerado desmatamento que causa sérios desequilíbrios climáticos e a malária, que ali é endêmica. Nos primeiros anos do século XXI, as Ilhas Salomão viveram violenta guerra civil, que só pode ser controlada graças à intervenção militar, patrocinada pelas Nações Unidas, de uma força multinacional de 20 países, liderada pela Austrália. Todavia, continua como uma das tantas zonas problemáticas e conflituosas do Planeta.

Viram quantas informações pude colher de um país tão exótico (para nós, claro, como nós o somos para seus habitantes, sem dúvida) sem precisar nem mesmo viajar para localidade tão distante e remota da imensidão do Pacífico? E olhem que não disse nada a respeito dos seus habitantes: do que gostam, no que crêem, como se divertem, que religião professam, e vai por aí afora. Para não omitir por completo dados a esse propósito, cito o que os ocidentais consideram o máximo do exotismo dos que vivem ali. Dez por cento dos habitantes do arquipélago, cerca de 50 mil pessoas, adquiriram uma característica genética raríssima: apesar de terem pele negra (são negros), têm cabelos louros e lisos.

Como se vê, não sabemos praticamente nada da imensa maioria dos países e de seus respectivos habitantes de nosso próprio Planeta e vivemos nutrindo a fantasia de chegar a Marte, se apossar dele e colonizá-lo. O que nós sabemos, de fato, dos gostos, hábitos e costumes dos habitantes, por exemplo, de Papua-Nova Guiné, território outrora pertencente à Indonésia?. Pouco, muito pouco. Praticamente nada.  Nem mesmo sabemos muita coisa sobre os indonésios, habitantes de um país insular caracterizado por uma profusão de vulcões em seu acidentado território, contudo mais populoso do que o Brasil. Sobre Vanuatu, Tuvalu, Kiribati, Butão etc.etc.etc. conhecemos muito menos. E há escritores que se queixam de falta de assunto... Barbaridade! O que lhes falta é imaginação e, principalmente, talento. Que tal esquecermos um pouco o trivial, o comum, o corriqueiro e voltarmos nossos olhos para o insólito, o inusitado e o original, que o Planeta Terra nos propicia e que raramente aproveitamos?


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: