Alienação
às avessas
Pedro J. Bondaczuk
A vida ganha novo sabor, e
adquire grandeza e transcendência, quando a usufruímos em toda sua plenitude.
Isso significa que não podemos ignorar suas dores que, por mais que possamos
nos prevenir para evitá-las ou ao menos atenuá-las, certamente nos atingirão
algum dia, e inesperadamente. Vão variar, somente, de intensidade e de duração.
Ignorar essa possibilidade, tão concreta que chega a ser probabilidade, é
recorrer ao perigoso comportamento da alienação, na contramão, inclusive, do
instinto de preservação. Concordam? Creio que não há porque discordar. Todavia,
enfatizar o negativo, dar destaque apenas para os perigos e tragédias que podem
nos afetar (e que, não raro, nos afetam mesmo), é ser, também, alienado.
Trata-se do pior tipo de alienação que existe. É ignorar que a vida também pode
nos proporcionar, e de fato nos proporciona, inúmeros prazeres e alegrias,
variando, como no caso das dores (físicas e/ou psicológicas) também de
intensidade e de duração.
Nosso cotidiano é composto por
correrias, por preocupações com contas a pagar, pela luta por uma posição
melhor em uma sociedade cada vez mais individualista e competitiva, por
verdadeira batalha por esse lema extremamente vago e de sentido ambíguo, que se
expressa pelo tal do “vencer na vida”. Para cada pessoa, isto tem significado
diferente. O que para mim é vitória, para milhões de pessoas pode representar
fracasso e vice-versa. Os comunicadores (e aí incluo não somente os
jornalistas, mas também escritores, que de fato o são), todavia, a pretexto de pintarem
o quadro do que se convencionou classificar de “realidade”, passam, na verdade,
mensagens exclusivamente negativas. Caso se preocupassem em enfatizar, também,
o outro lado do cotidiano, o positivo, estaria tudo bem. Afinal, a vida tem
dores, fracassos, frustrações e perigos de toda a sorte, é inegável, mas
apresenta, também, prazeres, sucessos e alegrias. Mas a imensa maioria dos
comunicadores não age assim.
Eles entendem – e aqui, reitero,
refiro-me à imensa maioria, com uma ou outra exceção – que as pessoas, todas
elas, estão ávidas “somente” por notícias ruins. Por crimes, escândalos,
violência, corrupção, aberrações sexuais e outras tantas distorções de
comportamento do animal homem. Nos veículos de comunicação, por exemplo, só o
negativo é manchete. Nos romances, contos, novelas e peças teatrais são
enfatizadas somente as taras e os atos dos vilões mais sinistros e escabrosos.
Por quê? Dificilmente alguém conseguirá explicar isto de maneira minimamente
plausível e convincente.
Em jornalismo se diz que notícias
positivas não atraem leitores (ou ouvintes ou telespectadores, dependendo do
veículo pelo qual são divulgadas). Já em Literatura, a abordagem de virtudes,
de amizades sólidas, de amores bem sucedidos, de atos de bondade e de
solidariedade, é evitada, ao máximo, sob o pretexto de que se alguém o fizesse,
a história que escrevem se transformaria num enredo “piegas”, inverossímil,
tipo água com açúcar. Mas aí é que está o desafio para escritores realmente
talentosos e competentes. Ou seja, dar verossimilhança ao positivo e torná-lo
interessante. Nas mãos de um incompetente isso é, de fato, impossível. Seus
romances, contos, novelas ou peças teatrais se transformariam, realmente, em
textos piegas, enjoativos, “água com açúcar”. O problema, porém, não está na
abordagem, mas em quem aborda.
Será que a vida é caracterizada
“apenas” por atos nefastos, por desastres naturais ou provocados, por lágrimas,
sofrimentos, dor? Ora, ora, ora. Claro que não. Quem se diverte com essa
sucessão de desgraças, no mínimo, tem alguma tendência masoquista. Adora
sofrer! Não deveria haver um equilíbrio na informação (e na descrição, no caso
de se tratar de escritor) de desgraças, com atos abnegados e esforços
desprendidos? E estes últimos existem, caso contrário, se o mundo, a vida, a
realidade que nos cerca fossem constituídos apenas de infelicidades e
aberrações, em pouco tempo, nada mais existiria. Ninguém suportaria tanta
tragédia.
A pretexto de evitarem a
alienação, determinados comunicadores (e temo que se trate da maioria), na
verdade alienam seus consumidores do lado positivo da existência. Suprimem
informações que despertem a alegria e o prazer de viver nas pessoas. Daí estar
surgindo nova doença – que talvez, até, existisse antes, mas que somente agora
emerge e vem afetando número crescente de indivíduos – que é a síndrome do
pânico. Como não ficar aterrorizado face à divulgação, tão intensiva, maciça,
constante e exclusiva de desgraças e aberrações?!!
Especialistas estimam que tal
problema já atinja a 2% da população mundial. Há quem eleve essa cifra para 5%.
Desconfio que ela seja muito maior. Mesmo que não seja, no entanto, trata-se de
um universo significativo de afetados. A difusão da filosofia do pessimismo, do
catastrofismo, do negativismo, certamente tem muito a ver com este mal, se não
tudo.
A vida ganha novo sabor, e adquire grandeza e
transcendência, quando a usufruímos em toda sua plenitude, com suas dores,
alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Quando lhe impomos um objetivo e
empenhamos todo nosso imenso (mas desconhecido) potencial na sua realização.
Para alcançarmos a felicidade – que sempre está dentro de nós – temos que
relevar nossas fraquezas, ter coragem e forças de nos levantar sempre que
viermos a tropeçar e a cair, e persistir, com determinação fé e coragem, na
busca da concretização do nosso ideal.
Viemos ao mundo com alguma
finalidade que, certamente, não é a de meramente sofrer e nem a de nos
colocarmos à margem da sociedade e da vida. Compete-nos detectar e, quando não,
estabelecer nossa razão de viver. Fedor Dostoievsky observa, com pertinência, a
propósito: “O segredo da existência humana não reside só em viver, mas também
em saber para que se vive”. E você sabe? Mesmo que não saiba, certamente não é
para sofrer, se frustrar, curtir amarguras e ressentimentos e depois morrer,
sozinho e abandonado. Ou você acha que é?
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