Maldição do tetra
Pedro J. Bondaczuk
A
morte de Ayrton Senna priva o esporte brasileiro de um dos seus raros ídolos
ainda em atividade e o maior deles desde 1984, quando começou a correr na
Fórmula 1. Todavia, morreu somente o homem, cumprindo, embora de forma
prematura e trágica, um destino comum a todo ser humano. O mito, certamente,
não morrerá jamais. Permanecerá nos corações daqueles que o amaram e até
daqueles que não morriam de amores pelo nosso campeão.
Figuras
como Senna, como Garrincha (o Mané das pernas tortas, que acabou seus dias na
indigência) e principalmente como Pelé, mais vivo do que nunca, jamais se
apagarão da memória dos brasileiros. O mesmo vale para Eder Jofre, Maria Esther
Bueno, Joaquim Cruz, Zequinha Barbosa, Adhemar Ferreira da Silva, João do Pulo
etc.
São
heróis em suas atividades, num país tão carente deles. Embora sejam
insubstituíveis, deixaram um exemplo positivo, que certamente vai frutificar. A
morte de Senna causou maior impacto por ele estar ainda em plena atividade, no
vigor dos 34 anos, com amplas chances de quebrar todos os recordes possíveis e
imagináveis no automobilismo. Se o faria ou não, a partir de agora ficará
restrito, somente, ao terreno da especulação.
A
verdade é que nos últimos anos, o piloto paulistano era o melhor dos
embaixadores de que o País dispunha. Os brasileiros orgulhavam-se dele e ele
revelava um orgulho imenso de ter nascido no Brasil. Uma imagem que jamais vai
se apagar da minha retina é a de Senna encostando a sua Lótus negra junto a um
muro, no circuito de rua de Phoenix, no Arizona, apanhando junto a um
espectador uma bandeira verde e amarela, após uma suada e então surpreendente
vitória, e rodando por todo o circuito, exibindo-a para todos.
Era
o dia 22 de junho de 1986. Na véspera, a seleção brasileira havia sido
eliminada pela da França, na Copa do Mundo do México, na cobrança de penais,
Reinava entre a torcida um imenso baixo-astral. O jovem piloto devolveu-nos, na
oportunidade, e em dezenas de outras, o nosso orgulho, ferido nos campos de
futebol.
Um
mito como esse é imortal, embora jamais venhamos a tê-lo novamente entre nós.
Que sua morte encha nossos esportistas de brios e assim eles obtenham, em
pistas, quadras, ringues, piscinas e campos, o mesmo sucesso desse
brasileiríssimo Ayrton Senna, cujo sobrenome era da Silva...Que nos estádios
dos Estados Unidos, a partir do próximo mês, nosso selecionado acabe, de vez,
com a “maldição do tetra”.
Aliás,
essa parece uma sina do esporte brasileiro. Depois da conquista do
tricampeonato no México, estamos na fila há longos 24 anos, quase um quarto de
século, para sermos outra vez campeões. Nelson Piquet, que tinha a chance de,
na Fórmula 1, conseguir essa façanha, se afastou dessa categoria.
E
agora essa...O nosso Senna morto...Parece um pesadelo, um sonho mau, do qual
venhamos a acordar a qualquer momento e rir de nossas aflições. Infelizmente
não é. O corpo do jovem piloto será sepultado na São Paulo em que nasceu e
tanto amou. Seu espírito, não. Terá sempre o primeiro lugar no pódio do nosso coração.
Sua sepultura será, parodiando o escritor argentino Jorge Luís Borges, “o ar
insondável...”.
(Crônica publicada na página 2, do caderno de
Esportes do Correio Popular, em 3 de maio de 1994, dois dias após a morte de
Ayrton Senna BA Curva Tamburello do Circuito de Ímola, na Itália).
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