Talento
não tem idade
Pedro J. Bondaczuk
A
vida é um dom precioso demais para que em algum momento da sua trajetória
venhamos a abrir mão dessa prerrogativa, perdendo a vontade de viver. Qualquer
que seja seu conteúdo, devemos beber esse cálice até o fim, seja ele doce (o é
raramente) ou amargo (na maior parte das vezes) por ele ser único. Não é,
porém, o que ocorre com determinadas pessoas quando sentem que perderam o vigor
físico, a beleza e parte da capacidade mental.
Muitos,
nestas circunstâncias, deixam-se abater pelos anos e chegam, mesmo, a abrir mão
da dignidade. Isso é até compreensível, em determinados casos, em
circunstâncias especiais, mas entendo que seja inaceitável, pois sempre há
alguma forma do sujeito se sentir (e de ser) útil até o último sopro de vida.
Boa
parte dos idosos aceita o rótulo de “inválidos”, mesmo que não o sejam, como se
fosse possível algum homem, em algum tempo, perder seu valor por completo. Não
perde jamais. Em setembro de 1990 tive o privilégio de assistir aos trabalhos
da “2ª Jornada Rotária Sobre o Envelhecimento”, promovida pelo Rotary
Internacional, Governadoria do Distrito 459, em Campinas, em que estes aspectos
foram o ponto central tratado na ocasião. O evento, realizado sob o lema “3ª
Idade – Autonomia e Vontade de Viver”, coordenado pelo gerontólogo Flávio da
Silva Fernandes, teve, como um dos principais propósitos, despertar a
comunidade para a importância de se oferecer informações e orientação
continuada às pessoas que envelhecem. Considero esse aspecto essencial para
motivar os talentosos a não abrirem mão do que sabem fazer e não se entregarem
à perigosa indolência, capaz de lhes abreviar a vida.
Quem
foi que disse, e baseado em que dados concretos, que um idoso é, necessariamente,
um peso, um ser humano desinteressante, improdutivo e acabado, que apenas serve
de estorvo? Observem esta relação: Eugênio Gudin (100 anos), Cary Grant (82),
Dom Avelar Brandão Vilela (74), Henry Moore (88), Simone de Beauvoir (78),
Magdalena Tagliaferro (92) e Jean Genet (74). O que essa gente toda tem em
comum, além do fato de todas as personalidades relacionadas terem morrido em
1986? A idade. Todas essas pessoas mantiveram-se ativas, e foram celebridades,
para além dos 70 anos. Beberam o cálice da vida até a última gota, porque eram
indispensáveis ou souberam se tornar.
Sei
que tenho batido muito, ultimamente, nesta tecla do envelhecimento com
dignidade, que nem é do agrado de boa parte dos meus leitores. Deveria ser. E
pelo motivo óbvio. Porque, a menos que venham a morrer em idade bastante
precoce, todos ficarão velhos algum dia. Sinto-me na obrigação de partilhar
minha experiência pessoal com quem me acompanha e me dá ouvidos. E não, como
muitos poderão interpretar, por questão de vaidade, para ostentar suposta
superioridade, que sequer tenho. Admito que sou privilegiado, por contar com o
apoio e a proteção dos que me amam. Nem todos contam. Temo que apenas uma
minoria tenha esse privilégio, que deveria ser norma generalizada. Mas todos os
idosos têm o direito, e até o dever, de exigir isso, quer dos parentes, quer da
sociedade. De uma forma ou de outra, fizeram por merecer.
Todo
ser humano que sabe se valorizar e lutar por uma causa, qualquer que ela seja;
que ocupa a mente com idéias construtivas e nunca com lembranças (boas ou
ruins) de um passado que não se recupera jamais, tem a característica, pelo
menos potencial, de ser útil e produtivo até o último sopro de vida. Entendo
que tem a obrigação de beber o “cálice” até a derradeira gota, não importa seu
sabor.
.
O
dramaturgo Berthold Brecht definiu essa questão de forma simplesmente
magistral, ao escrever: “Há homens que lutam por um dia e são bons. Há outros
que lutam um ano, e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida. Estes são imprescindíveis”. É preciso que a
sociedade se conscientize disso. Sei que já citei essa mesma declaração
inúmeras vezes, e nos mais variados contextos. Repito-a, todavia, sem
constrangimento e nenhum receio de ser repetitivo, porquanto ela cabe, neste
caso, exatamente, como uma luva.
Sei
que os costumes mudaram e, no caso do tratamento dos idosos, para muito pior
(não me refiro, todavia, aos cuidados médicos, pois estes sim evoluíram e
ampliaram em muito a vida das pessoas). No passado, os povos civilizados da
Antigüidade tinham nos anciões as suas “bibliotecas”, numa época em que não
havia sido inventada a escrita. Eles é que transmitiam as tradições de uma
geração a outra, fazendo com que fossem preservadas. Será que o homem
contemporâneo é tão mais burro do que os antepassados? Claro que não!!! Os
povos antigos, que lançaram os fundamentos da civilização, concediam status
todo especial aos cidadãos de maior idade. Na Grécia, por exemplo, o
Legislativo de Atenas, composto por 400 membros, era vedado a quem tivesse
menos de 30 anos. Tratava-se da "Bulé", cuja tradução seria "A
Razão".
Em
Roma, havia o culto dos antepassados, os "deuses lares", para os
quais eram erguidos altares no interior das casas, as tão conhecidas
"lareiras", que hoje têm função de apenas aquecer as moradias nos
países mais frios e de mera decoração no Brasil. Na China, a Assembléia dos
Anciãos dava sempre a última palavra, antes de uma decisão dos imperadores, o
mesmo ocorrendo no Japão e entre outros povos. A Rússia, nos seus primórdios,
tinha uma câmara semelhante: a dos boiardos.
E
o que ocorre no mundo contemporâneo (incluindo, claro, o Brasil)? Em muitos e
muitos e muitos casos, verifica-se total e absoluto desrespeito pelos mais
idosos. A partir dos 30 anos, por exemplo, quando o indivíduo atinge o apogeu
em termos de razão, já é considerado ultrapassado e enfrenta dificuldades para
arranjar emprego. Parte considerável dos cidadãos mais velhos passa a ser
encarada como um trambolho, um estorvo e sofre toda a espécie de preconceito,
quando não de agressões à sua dignidade, principalmente por parte dos parentes.
Há milhares de asilos espalhados pelo mundo, muitos dos quais autênticos
depósitos de gente, onde os que lá vivem são tratados como sombras, zumbis,
como tudo, menos como gente. Ocorre que, quem os trata dessa maneira, irá envelhecer
um dia (a menos que morra antes).
O
Brasil, há já bom tempo, deixou de ser um país de jovens. A população com mais
de 60 anos de idade mais do que dobrou de 1964 para cá, ou seja, nos últimos
cinqüenta anos. Hoje ela já é de 12,6% de todos os brasileiros, ou 24,85
milhões de pessoas (o equivalente à metade de toda a população da França).
Aliás, as empresas mais bem administradas já estão de olho nessa crescente
faixa etária, destinando-lhe mais e mais produtos, dado seu já considerável
potencial de consumo. Compete, todavia, ao cidadão nessa condição também se
ajudar. Ou seja, é questão de prudência e de inteligência oferecer à sociedade
o que ele tem de melhor e mais precioso: além do seu talento (que, ademais, não
tem idade), a magnífica experiência que acumulou ao longo dos anos.
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