Quando o medo adquire papel providencial
Pedro J.
Bondaczuk
O medo é uma das emoções básicas do homem e por mais que
se consiga dominar esse sentimento, através de anos e anos de treinamento, há
instantes em que ele aflora de maneira instantânea, brutal, incontrolável,
paralisando a pessoa que está possuída por ele.
Nesse aspecto, a própria natureza
chega a ser contraditória. Afinal, essa reação faz parte de todo um mecanismo
conhecido como instinto de sobrevivência. Mas em situações de extrema tensão, ele
pode deixar o indivíduo em estado de choque e até levá-lo à morte. Não é por
acaso que a sabedoria popular cunhou uma expressão para isso: morrer de medo.
Dele, literalmente se morre, dependendo das circunstâncias. Ainda mais quando
essa emoção vem associada à surpresa.
Isto explica, em parte, de acordo
com o depoimento feito ontem por um marinheiro, a falta de reação dos
tripulantes da fragata norte-americana “USS Stark”, alvejada, no domingo à
noite, por mísseis disparados por um avião iraquiano no Golfo Pérsico.
Ninguém pode culpar esses rapazes
pelo que lhes aconteceu. O medo que tomou conta de alguns deles foi motivado
não por alguma eventual falta de fibra para o combate, mas pelo inesperado da
situação em que foram colocados. Qualquer pessoa (a menos que fosse
completamente louca) teria tido a mesma reação.
Mas o que o comentarista fica
matutando é como se sente um jovem persa, por exemplo, quando é forçado a
conviver com essa rotina de bombardeios inesperados e fulminantes, por seis
anos e meio. O mesmo raciocínio vale para o outro lado, o Iraque, cujos
pracinhas têm uma tarefa mais ingrata, já que o país está sendo ajudado por
todos os meios e de todos os lados e no entanto não consegue quebrar a força da
convicção (ou fanatismo, chamem como quiserem) dos iranianos, que, desde o
início dessa guerra inglória (e de final ainda completamente incerto)
precisaram contar somente com os próprios recursos. Com a fé exacerbada que
lhes é incutida por seus aiatolás, que garantem aos guardas revolucionários e
aos voluntários que vão para os campos de batalha que eles ganharão o Paraíso
instantaneamente, caso morram de armas nas mãos, combatendo.
Outro aspecto que chama a atenção
é acerca da razão de somente agora as quatro maiores potências, que nos 80
meses que já dura este conflito permaneceram alheias à sorte desses dois povos,
estarem marcando agora a sua presença no Golfo Pérsico, com seus navios de
guerra.
Subitamente, União Soviética,
França, Grã-Bretanha e Estados Unidos mandaram suas belonaves para a zona, a
pretexto de protegerem as frotas petrolíferas que chegam e demandam das
monarquias moderadas da região. Esse instinto protecionista (se foi, realmente,
uma intenção tão nobre que as moveu a se fazerem pressentes nesse autêntico
inferno oriental) é, no mínimo, extemporâneo. Manifestou-se somente depois que
240 navios mercantes (notem bem, quase duas centenas e meia) foram alvejados
por iraquianos e iranianos.
É claro que essa concentração de
forças gera riscos incalculáveis, numa área tão congestionada: de interesses,
de perigos e de ódios selvagens. E rumores, como o de que a União Soviética
teria ordenado ao Iraque que atacasse deliberadamente a fragata
norte-americana, acabam se tornando inevitáveis.
O bom senso recomenda que, por
terem os antagonismos que têm, não é nada saudável e nem conveniente que as
superpotências estejam juntas numa zona de combate como essa. Suponhamos que a
“Stark” revidasse à ação iraquiana e abatesse os dois caças atacantes.
O mais provável é que ambas as
partes trocassem meras notas iradas, que os russos metessem o seu bedelho na
discussão para torná-la um pouco mais azeda, mas que tudo terminasse apenas
nisso. Mas nem sempre a probabilidade prevalece quando se trata de um confronto
bélico.
A União Soviética tem um tratado
de amizade e assistência militar com o Iraque. Poderia, portanto, querer tomar
as dores de seu aliado. E então, um incidente, lamentável é verdade, mas de
pequenas proporções, poderia adquirir características de uma gigantesca crise,
repleta de imprevisibilidade. Há, por isso, horas em que a surpresa, e o medo
que a acompanha, chegam a ser providenciais. E este é um caso típico.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 23
de maio de 1987).
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