Friday, May 02, 2014

Quando o medo adquire papel providencial


Pedro J. Bondaczuk


O medo é uma das emoções básicas do homem e por mais que se consiga dominar esse sentimento, através de anos e anos de treinamento, há instantes em que ele aflora de maneira instantânea, brutal, incontrolável, paralisando a pessoa que está possuída por ele.

Nesse aspecto, a própria natureza chega a ser contraditória. Afinal, essa reação faz parte de todo um mecanismo conhecido como instinto de sobrevivência. Mas em situações de extrema tensão, ele pode deixar o indivíduo em estado de choque e até levá-lo à morte. Não é por acaso que a sabedoria popular cunhou uma expressão para isso: morrer de medo. Dele, literalmente se morre, dependendo das circunstâncias. Ainda mais quando essa emoção vem associada à surpresa.

Isto explica, em parte, de acordo com o depoimento feito ontem por um marinheiro, a falta de reação dos tripulantes da fragata norte-americana “USS Stark”, alvejada, no domingo à noite, por mísseis disparados por um avião iraquiano no Golfo Pérsico.

Ninguém pode culpar esses rapazes pelo que lhes aconteceu. O medo que tomou conta de alguns deles foi motivado não por alguma eventual falta de fibra para o combate, mas pelo inesperado da situação em que foram colocados. Qualquer pessoa (a menos que fosse completamente louca) teria tido a mesma reação.

Mas o que o comentarista fica matutando é como se sente um jovem persa, por exemplo, quando é forçado a conviver com essa rotina de bombardeios inesperados e fulminantes, por seis anos e meio. O mesmo raciocínio vale para o outro lado, o Iraque, cujos pracinhas têm uma tarefa mais ingrata, já que o país está sendo ajudado por todos os meios e de todos os lados e no entanto não consegue quebrar a força da convicção (ou fanatismo, chamem como quiserem) dos iranianos, que, desde o início dessa guerra inglória (e de final ainda completamente incerto) precisaram contar somente com os próprios recursos. Com a fé exacerbada que lhes é incutida por seus aiatolás, que garantem aos guardas revolucionários e aos voluntários que vão para os campos de batalha que eles ganharão o Paraíso instantaneamente, caso morram de armas nas mãos, combatendo.

Outro aspecto que chama a atenção é acerca da razão de somente agora as quatro maiores potências, que nos 80 meses que já dura este conflito permaneceram alheias à sorte desses dois povos, estarem marcando agora a sua presença no Golfo Pérsico, com seus navios de guerra.

Subitamente, União Soviética, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos mandaram suas belonaves para a zona, a pretexto de protegerem as frotas petrolíferas que chegam e demandam das monarquias moderadas da região. Esse instinto protecionista (se foi, realmente, uma intenção tão nobre que as moveu a se fazerem pressentes nesse autêntico inferno oriental) é, no mínimo, extemporâneo. Manifestou-se somente depois que 240 navios mercantes (notem bem, quase duas centenas e meia) foram alvejados por iraquianos e iranianos.

É claro que essa concentração de forças gera riscos incalculáveis, numa área tão congestionada: de interesses, de perigos e de ódios selvagens. E rumores, como o de que a União Soviética teria ordenado ao Iraque que atacasse deliberadamente a fragata norte-americana, acabam se tornando inevitáveis.

O bom senso recomenda que, por terem os antagonismos que têm, não é nada saudável e nem conveniente que as superpotências estejam juntas numa zona de combate como essa. Suponhamos que a “Stark” revidasse à ação iraquiana e abatesse os dois caças atacantes.

O mais provável é que ambas as partes trocassem meras notas iradas, que os russos metessem o seu bedelho na discussão para torná-la um pouco mais azeda, mas que tudo terminasse apenas nisso. Mas nem sempre a probabilidade prevalece quando se trata de um confronto bélico.

A União Soviética tem um tratado de amizade e assistência militar com o Iraque. Poderia, portanto, querer tomar as dores de seu aliado. E então, um incidente, lamentável é verdade, mas de pequenas proporções, poderia adquirir características de uma gigantesca crise, repleta de imprevisibilidade. Há, por isso, horas em que a surpresa, e o medo que a acompanha, chegam a ser providenciais. E este é um caso típico.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 23 de maio de 1987).


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