Área vedada ao Estado
Pedro J.
Bondaczuk
A Índia, oficialmente, após as palavras do premier Rajiv
Gandhi, de ontem, assume, como principal prioridade nacional, a contenção da
explosiva taxa de crescimento populacional, das mais elevadas do Planeta, que
faz com que o país tenha hoje perto de 800 milhões de habitantes, ficando
apenas abaixo da China nesse mister. E, estranhamente, a política a ser adotada
é até mais radical do que aquela que trouxe tantos dissabores, não apenas à
falecida primeira-ministra Indira, mas a um par de milhares de indianos,
tornados estéreis em troca de míseros rádios de pilha, em 1977.
Que a Índia precisa conter a sua
explosão demográfica, disso não resta dúvida. Da maneira que o crescimento
populacional vinha se registrando até aqui, todo o acréscimo anual de riqueza
que o país obtinha, mercê de ingentes esforços (afinal, se trata de uma
sociedade nacional de Terceiro Mundo), mal dava para alimentar as novas bocas
que surgiam. Isso, quando dava.
Mas cá, particularmente, conosco,
temos uma tese muito pessoal a propósito. Consideramos que essa é uma área em
que o Estado não tem o direito de interferir. É uma esfera muito íntima de cada
família e o máximo que as autoridades podem fazer é instruir a população em
práticas espontâneas de auto-regulação das dimensões dos respectivos núcleos
familiares. Ou seja, cabe ao governo proporcionar educação aos cidadãos, para
que eles próprios entendam as vantagens de colocarem menos filhos no mundo e
planejem corretamente a quantidade a que estão aptos a, não apenas gerar, mas a
vestir, a alimentar, a instruir e a dar formação profissional, para que esses
novos seres humanos se sintam úteis a si próprios e aos semelhantes e que,
assim, tenham condições de conseguir a plena realização pessoal, enquanto
indivíduos livres.
Qualquer atuação que vá além
dessa providência, é intolerável desrespeito aos mais sagrados direitos do
cidadão. E essa entidade abstrata, denominada de Estado, a despeito de todas as
tentativas que se fazem para distorcer seu papel, deve servir para a defesa e
promoção do indivíduo e não para ser servido por ele. Não, pelo menos, no que
diz respeito a uma área tão íntima e reservada.
No dia 22 de março passado, as
autoridades já haviam abordado essa questão. Anunciaram, na oportunidade, uma
campanha de planejamento familiar muito mais ambiciosa do que a levada a efeito
em 1977, com previsões para esterilizar doze pessoas por minuto num prazo de
dez semanas.
Na oportunidade o
primeiro-ministro Rajiv Gandhi fez questão de deixar claro que, embora o
progresso da Índia dependa disso, ninguém seria obrigado a participar do
projeto. Essa voluntariedade, contudo, em se tratando de uma iniciativa
estatal, quase sempre tem sido apenas de fachada, para consumo da opinião
pública internacional.
O que ocorre, geralmente, é uma
pressão tão forte sobre as pessoas mais carentes (e sempre são elas as chamadas
para o sacrifício), são submetidas a uma coação de tal maneira intolerável, que
acabam cedendo às exigências, mesmo se arriscando a ter profundas e dolorosas
seqüelas psicológicas. Cedem mais por medo de punição do que por convencimento
de que essa é a maneira mais sensata de agir.
Até o final deste mês, o governo
indiano espera concluir a esterilização de 1,2 milhão de homens, através da
vasectomia; a colocação de 700 mil DIUs (dispositivos intra-uterinos) em
mulheres, além de distribuir 1 milhão de outros anticoncepcionais.
Sem assistência médica adequada
(e o país não conta com médicos suficientes para a devida atenção que esse
imenso contingente mereceria, para que não corresse graves riscos de saúde), só
Deus sabe quanta gente passará a ter gravíssimos problemas, daqui para a
frente, tão ou até maiores do que o da geração de uma prole numerosa.
O melhor anticoncepcional que
inda existe é a educação. Toda e qualquer outra prática, que não passe pela
instrução, além de irresponsável, é uma agressão à dignidade humana. A ninguém
cabe, isoladamente, o direito de vida e de morte dos semelhantes. Mesmo que
este esteja sendo exercido em nome de uma entidade abstrata, pretensamente
detentora de uma parcela de nossos direitos cedidos tacitamente ao nascermos, e
que teria a função de disciplinar a vida em sociedade. Ao Estado não cabe,
jamais, o papel da “Divindade”.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 16
de abril de 1985).
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