Tuesday, May 27, 2014

A feroz ditadura da dívida


Pedro J. Bondaczuk


O senador norte-americano Edward Kennedy, um dos parlamentares mais lúcidos e brilhantes de tantos que atuam no Congresso dos Estados Unidos, veio conhecer de perto a renascida democracia sul-americana. Para isso, nada melhor do que visitar o chamado Cone Sul, ou seja, Brasil, Uruguai e Argentina, sem dúvida os países de maior influência e peso no Continente. Por aqui, conversou com políticos, empresários, padres e até assistiu a uma exibição da Escola de Samba Beija-flor, de Nilópolis. Fez contatos na esquerda, na direita e no centro e tirou as suas conclusões. E por aquilo que afirmou, anteontem, em Santiago, parece ter apreciado bastante tudo o que viu. Menos mau.

Para conhecer também o reverso da medalha, ou seja, saber como funciona uma autêntica ditadura sul-americana, no estilo mais ortodoxo possível, o senador aportou no Chile. E presenciou, também, aquilo que esperava. Foi hostilizado por defensores do regime, uma minoria apaniguada, para a qual tudo deve permanecer como está. Certamente é gente que numa sociedade aberta e competitiva não tem competência para a vida civil. Kennedy, todavia, não se atemorizou com as ameaças e com o barulho todo formado ao seu redor. E deu o recado que achou que deveria dar.

O parlamentar, falando aos chilenos que buscam reconduzir esse país irão à democracia através de meios pacíficos, fez um alerta aos governos sul-americanos. Advertiu-os para os riscos deles, em tendo saído de uma ditadura, caírem em outra, representada pelo endividamento internacional que se torne perpétuo. Há povos inteiros trabalhando hoje em dia apenas para pagar juros, extorsivos por sinal, de empréstimos tomados sem que eles fossem consultados.

Essa sangria de recursos (já por si só escassos) agrava velhos problemas sociais e gera novos, trazendo inquietação e descontentamento a quem se encontra nesse beco aparentemente sem saída. Nesse tipo de ambiente, o regime democrático corre permanentes riscos de inconseqüentes aventureiros aproveitarem-se da divisão de opiniões em seus respectivos países e tomarem, através da força, para si próprios, o poder, que em situação normal jamais conseguiriam.

Há uma tese, defendida pelo presidente peruano, Alan Garcia Perez, que ao nosso ver é a posição mais sensata que os novos governos democráticos da América Latina deveriam assumir na questão da dívida externa. A de que os pagamentos feitos no Exterior não devem nunca superar a 10% das exportações anuais. Se o Brasil pusesse isso em prática, somaria, apenas neste ano, US$ 10 bilhões de reservas em moeda forte a um outro tanto que já possui, no mesmo montante.

Ao cabo de uma década, nosso endividamento estaria totalmente liquidado, sem traumas e sem fórmulas recessivas para conter nossa espiral inflacionária, ditadas de fora para dentro, como se esse fosse um assunto admissível a estrangeiros opinarem ou ditarem normas. É evidente que a inflação é hoje, provavelmente, a nossa maior doença econômica. Mas esse é um assunto exclusivamente nosso, que não admite palpites ou interferências de bancos credores, por maiores que sejam os seus créditos.

Ao que nos consta, os juros extorsivos e usurários que eles nos impuseram, além dessa excrescência conhecida como "spread", ou taxa de risco, estão sendo rigorosamente pagos pelo nosso País. Por isso eles não têm muito a reclamar de nós. Aliás, diante do cadastro que o Brasil ostenta, representado pelo seu alentado Produto Nacional Bruto e por sua quase auto-suficiência em relação às importações, fica difícil de entender em que ponto nossos credores se arriscaram conosco ao nos concederem seus empréstimos. Por isso, não se justifica qualquer cobrança de leoninas taxas de risco!

Está aí um assunto que não devemos continuar adiando. Não apenas o Brasil, mas todos os grandes devedores da América Latina. Nossas sociedades precisam se livrar dessa nova ditadura, tão trágica quanto aquela que boa parte dos nossos países deixou para trás: a de uma dívida eternizada pela esperteza de quem emprestou e pela ingenuidade de quem tomou emprestado.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 17 de janeiro de 1986)


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