A feroz ditadura da dívida
Pedro J. Bondaczuk
O senador norte-americano Edward Kennedy, um dos
parlamentares mais lúcidos e brilhantes de tantos que atuam no Congresso dos
Estados Unidos, veio conhecer de perto a renascida democracia sul-americana.
Para isso, nada melhor do que visitar o chamado Cone Sul, ou seja, Brasil,
Uruguai e Argentina, sem dúvida os países de maior influência e peso no
Continente. Por aqui, conversou com políticos, empresários, padres e até
assistiu a uma exibição da Escola de Samba Beija-flor, de Nilópolis. Fez
contatos na esquerda, na direita e no centro e tirou as suas conclusões. E por
aquilo que afirmou, anteontem, em Santiago, parece ter apreciado bastante tudo
o que viu. Menos mau.
Para conhecer também o reverso da medalha, ou seja,
saber como funciona uma autêntica ditadura sul-americana, no estilo mais
ortodoxo possível, o senador aportou no Chile. E presenciou, também, aquilo que
esperava. Foi hostilizado por defensores do regime, uma minoria apaniguada,
para a qual tudo deve permanecer como está. Certamente é gente que numa
sociedade aberta e competitiva não tem competência para a vida civil. Kennedy,
todavia, não se atemorizou com as ameaças e com o barulho todo formado ao seu
redor. E deu o recado que achou que deveria dar.
O parlamentar, falando aos chilenos que buscam
reconduzir esse país irão à democracia através de meios pacíficos, fez um
alerta aos governos sul-americanos. Advertiu-os para os riscos deles, em tendo
saído de uma ditadura, caírem em outra, representada pelo endividamento
internacional que se torne perpétuo. Há povos inteiros trabalhando hoje em dia
apenas para pagar juros, extorsivos por sinal, de empréstimos tomados sem que
eles fossem consultados.
Essa sangria de recursos (já por si só escassos) agrava
velhos problemas sociais e gera novos, trazendo inquietação e descontentamento
a quem se encontra nesse beco aparentemente sem saída. Nesse tipo de ambiente,
o regime democrático corre permanentes riscos de inconseqüentes aventureiros
aproveitarem-se da divisão de opiniões em seus respectivos países e tomarem,
através da força, para si próprios, o poder, que em situação normal jamais
conseguiriam.
Há uma tese, defendida pelo presidente peruano, Alan
Garcia Perez, que ao nosso ver é a posição mais sensata que os novos governos
democráticos da América Latina deveriam assumir na questão da dívida externa. A
de que os pagamentos feitos no Exterior não devem nunca superar a 10% das
exportações anuais. Se o Brasil pusesse isso em prática, somaria, apenas neste
ano, US$ 10 bilhões de reservas em moeda forte a um outro tanto que já possui,
no mesmo montante.
Ao cabo de uma década, nosso endividamento estaria
totalmente liquidado, sem traumas e sem fórmulas recessivas para conter nossa
espiral inflacionária, ditadas de fora para dentro, como se esse fosse um
assunto admissível a estrangeiros opinarem ou ditarem normas. É evidente que a
inflação é hoje, provavelmente, a nossa maior doença econômica. Mas esse é um
assunto exclusivamente nosso, que não admite palpites ou interferências de
bancos credores, por maiores que sejam os seus créditos.
Ao que nos consta, os juros extorsivos e usurários
que eles nos impuseram, além dessa excrescência conhecida como
"spread", ou taxa de risco, estão sendo rigorosamente pagos pelo
nosso País. Por isso eles não têm muito a reclamar de nós. Aliás, diante do
cadastro que o Brasil ostenta, representado pelo seu alentado Produto Nacional
Bruto e por sua quase auto-suficiência em relação às importações, fica difícil
de entender em que ponto nossos credores se arriscaram conosco ao nos
concederem seus empréstimos. Por isso, não se justifica qualquer cobrança de
leoninas taxas de risco!
Está aí um assunto que não devemos continuar
adiando. Não apenas o Brasil, mas todos os grandes devedores da América Latina.
Nossas sociedades precisam se livrar dessa nova ditadura, tão trágica quanto
aquela que boa parte dos nossos países deixou para trás: a de uma dívida
eternizada pela esperteza de quem emprestou e pela ingenuidade de quem tomou emprestado.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 17 de janeiro de 1986)
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