Monday, April 07, 2014

Tempo e memória


Pedro J. Bondaczuk


A escritora, professora, poetisa, jornalista e acadêmica – da Academia Campinense de Letras – Maria Conceição Arruda Toledo, que faleceu em 13 de outubro de 2013, foi uma das figuras mais admiráveis, talentosas, generosas e nobres que conheci e com quem tive o privilégio e o orgulho de conviver por vinte e um anos. Quando do seu falecimento, muitos dos meus amigos estranharam o fato de eu não ter escrito nada a esse propósito, atribuindo isso a um possível esquecimento da minha parte. Não, meus críticos gratuitos, eu não a esqueci. Como poderia?!! Ocorre que a dor de sua perda foi tamanha, que optei por “dar um tempo”, antes de escrever um texto, um tantinho mais racional, como ela merece e certamente esperaria que eu o fizesse, caso estivesse viva. Espero que este seja o caso.

A última vez que escrevi sobre Conceição de Arruda Toledo foi em abril de 2002, quando do lançamento de um seu novo livro, que veio se juntar à sua vasta obra, numa demonstração a mais que ela dava de criatividade, vitalidade e talento literário. Refiro-me a "Gênese & Memória", repertório de inspiradas crônicas, lançado em fevereiro daquele ano, pela editora campineira Komedi (que presta serviço de enorme relevância e inestimável alcance à arte e cultura de Campinas, abrindo espaço para a publicação de obras dos nossos mais destacados intelectuais, que infelizmente não encontram espaço em âmbito nacional).

O referido texto foi publicado no jornal “Folha do Taquaral”, do qual tive privilégio e honra de ser colunista fixo por longos e memoráveis catorze anos. O lançamento em questão ensejou-me, conforme destaquei  na ocasião, “feliz oportunidade de manifestar, de público, minha admiração pela autora. Ela sabia disso, mas jamais eu havia declarado meu apreço em algum meio de comunicação. Destaquei, então, que aproveitava o gancho para “embora de forma um tanto tardia, celebrar o ‘Dia Internacional da Mulher’”, que transcorrera em 8 de março (a crônica, recordo, foi escrita e publicada em abril). E justifique a razão de proceder daquela forma: “Homenageio essa mestra querida não apenas por seu estilo claro e preciso ou por sua capacidade de observação, essenciais para um bom escritor. Faço-o, também, e principalmente, pela maravilhosa pessoa que ela é: simples, afável, acessível e acima de tudo humana, no sentido mais positivo que se possa emprestar a esse termo”.

Lembro, aos que conviveram com ela (e informo, aos que não tiveram o privilégio dessa convivência), que Conceição foi, por muitos e muitos anos, enquanto viveu, um dos esteios da Academia Campinense de Letras. Foi figura obrigatória em todas suas reuniões. Era titular da cadeira de número 30, cujo patrono é o maranhense Humberto de Campos. Na ocasião da publicação dessa crônica, para que vocês tenham uma idéia da sua importância e dedicação à Literatura, essa saudosa companheira de lutas e ideais celebrava meio século, ou seja, cinqüenta anos, de contínua atividade literária, com marcante passagem pela imprensa campineira, nos jornais "Diário do Povo" e "Correio Popular".

São raros os intelectuais, não somente campineiros, mas do mundo todo, que mantêm essa constância e, sobretudo, essa qualidade de produção, partilhando as luzes do seu saber com a comunidade. Conceição foi uma idealista, uma batalhadora, uma pioneira no empenho das mulheres para conquistar o espaço do qual jamais deveriam ter sido privadas, mas que o foram (e em alguns casos ainda são), por tanto tempo.

Entre seus livros mais conhecidos, destaco "Seara de Ternura", "Raízes", "Flávio de Carvalho" e "A Quadragésima Porta" (síntese comentada da obra, do mesmo nome, do romancista José Geraldo Vieira, autor do clássico "A Ladeira da Memória", nome que adotei para a minha coluna bi-semanal no “Literário”). Sua obra, no entanto, é muito mais vasta e relevante. Conceição foi, sem favor algum, uma das maiores conhecedoras da vida e da produção literária do imortal "Príncipe dos Poetas Brasileiros", o campineiro Guilherme de Almeida.

Integrou, entre outras, as Associações Campineira e Paulista de Imprensa e a União Brasileira de Escritores. Foi membro, também, da Academia Poçoscaldense de Letras e correspondente de outras várias academias, espalhadas pelo Estado e pelo País. Era incrível e comovente sua energia, seu desprendimento e seu contagiante entusiasmo.

Poetisa (ou "poeta", como querem alguns) inspirada, Maria Conceição de Arruda Toledo presidiu, em quatro biênios, o tradicional Centro de Poesia e Arte de Campinas, uma das mais reputadas e importantes instituições culturais da nossa cidade, que muito lhe deve. Seu currículo literário, no entanto, é muito mais extenso. Foi, por exemplo, presidente da Academia Campinense de Letras e ocupou os cargos de segunda secretária e secretária geral da instituição em várias diretorias. Muito da trajetória e da história dessa entidade foi preservado graças à sua ação direta. E, sobretudo, em decorrência da sua grande capacidade de organização.

A maioria das atas das reuniões mensais foi redigida por ela, no seu estilo meticuloso, preciso e claro. Com tanta atividade (haja fôlego e disposição!), Conceição ainda encontrava tempo para organizar antologias, em muitas das quais teve a generosidade e incluir produções minhas, tendo participado diretamente das "Publicações da Academia Campinense de Letras" em seus 15º, 20º, 30º e 35º aniversários de fundação.

Escreveu: "As mulheres de hoje devem lembrar-se das lutas encetadas pelas mulheres das gerações anteriores, para que pudessem gozar, no presente, das inestimáveis regalias da cultura, da manifestação do pensamento por meio da palavra impressa, e aproveitá-las ao máximo, adquirindo conhecimentos, aprimorando-se na língua pátria, produzindo trabalhos literários à altura da civilização de nossa época, para enriquecer ainda mais a galeria de vultos femininos que povoam as letras paulistas" (in "A mulher na História e na Literatura de São Paulo", "Antologia" - Publicações da Academia Campinense de Letras, nº. 49, 1996). E eu acrescento, até a título de recomendação às mulheres: "Sigam o exemplo de Maria Conceição Arruda Toledo"...

Sempre fui péssimo em despedidas, embora, com a idade, estas venham se tornando (infelizmente) cada vez mais freqüentes e mais pungentes. É o ciclo da vida que segue seu inexorável curso. O que fazer? Nada, é claro! A saudade já é insuportável, inesquecível e querida amiga, mestra e companheira. Mas creio no que Guimarães Rosa sentenciou em certa ocasião: “Os poetas não morrem! Ficam encantados! Você, pois, não morreu. Apenas “encantou”... Descanse em paz, portanto! E...até um dia...


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