Tempo
e memória
Pedro J. Bondaczuk
A
escritora, professora, poetisa, jornalista e acadêmica – da Academia Campinense
de Letras – Maria Conceição Arruda Toledo, que faleceu em 13 de outubro de
2013, foi uma das figuras mais admiráveis, talentosas, generosas e nobres que
conheci e com quem tive o privilégio e o orgulho de conviver por vinte e um
anos. Quando do seu falecimento, muitos dos meus amigos estranharam o fato de
eu não ter escrito nada a esse propósito, atribuindo isso a um possível esquecimento
da minha parte. Não, meus críticos gratuitos, eu não a esqueci. Como poderia?!!
Ocorre que a dor de sua perda foi tamanha, que optei por “dar um tempo”, antes
de escrever um texto, um tantinho mais racional, como ela merece e certamente
esperaria que eu o fizesse, caso estivesse viva. Espero que este seja o caso.
A
última vez que escrevi sobre Conceição de Arruda Toledo foi em abril de 2002,
quando do lançamento de um seu novo livro, que veio se juntar à sua vasta obra,
numa demonstração a mais que ela dava de criatividade, vitalidade e talento
literário. Refiro-me a "Gênese & Memória", repertório de
inspiradas crônicas, lançado em fevereiro daquele ano, pela editora campineira
Komedi (que presta serviço de enorme relevância e inestimável alcance à arte e
cultura de Campinas, abrindo espaço para a publicação de obras dos nossos mais
destacados intelectuais, que infelizmente não encontram espaço em âmbito
nacional).
O
referido texto foi publicado no jornal “Folha do Taquaral”, do qual tive
privilégio e honra de ser colunista fixo por longos e memoráveis catorze anos.
O lançamento em questão ensejou-me, conforme destaquei na ocasião, “feliz oportunidade de
manifestar, de público, minha admiração pela autora. Ela sabia disso, mas
jamais eu havia declarado meu apreço em algum meio de comunicação. Destaquei,
então, que aproveitava o gancho para “embora de forma um tanto tardia, celebrar
o ‘Dia Internacional da Mulher’”, que transcorrera em 8 de março (a crônica,
recordo, foi escrita e publicada em abril). E justifique a razão de proceder
daquela forma: “Homenageio essa mestra querida não apenas por seu estilo claro
e preciso ou por sua capacidade de observação, essenciais para um bom escritor.
Faço-o, também, e principalmente, pela maravilhosa pessoa que ela é: simples,
afável, acessível e acima de tudo humana, no sentido mais positivo que se possa
emprestar a esse termo”.
Lembro,
aos que conviveram com ela (e informo, aos que não tiveram o privilégio dessa
convivência), que Conceição foi, por muitos e muitos anos, enquanto viveu, um
dos esteios da Academia Campinense de Letras. Foi figura obrigatória em todas
suas reuniões. Era titular da cadeira de número 30, cujo patrono é o maranhense
Humberto de Campos. Na ocasião da publicação dessa crônica, para que vocês
tenham uma idéia da sua importância e dedicação à Literatura, essa saudosa
companheira de lutas e ideais celebrava meio século, ou seja, cinqüenta anos,
de contínua atividade literária, com marcante passagem pela imprensa
campineira, nos jornais "Diário do Povo" e "Correio
Popular".
São
raros os intelectuais, não somente campineiros, mas do mundo todo, que mantêm
essa constância e, sobretudo, essa qualidade de produção, partilhando as luzes
do seu saber com a comunidade. Conceição foi uma idealista, uma batalhadora,
uma pioneira no empenho das mulheres para conquistar o espaço do qual jamais
deveriam ter sido privadas, mas que o foram (e em alguns casos ainda são), por
tanto tempo.
Entre
seus livros mais conhecidos, destaco "Seara de Ternura", "Raízes",
"Flávio de Carvalho" e "A Quadragésima Porta" (síntese
comentada da obra, do mesmo nome, do romancista José Geraldo Vieira, autor do
clássico "A Ladeira da Memória", nome que adotei para a minha coluna
bi-semanal no “Literário”). Sua obra, no entanto, é muito mais vasta e
relevante. Conceição foi, sem favor algum, uma das maiores conhecedoras da vida
e da produção literária do imortal "Príncipe dos Poetas Brasileiros",
o campineiro Guilherme de Almeida.
Integrou,
entre outras, as Associações Campineira e Paulista de Imprensa e a União
Brasileira de Escritores. Foi membro, também, da Academia Poçoscaldense de
Letras e correspondente de outras várias academias, espalhadas pelo Estado e
pelo País. Era incrível e comovente sua energia, seu desprendimento e seu
contagiante entusiasmo.
Poetisa
(ou "poeta", como querem alguns) inspirada, Maria Conceição de Arruda
Toledo presidiu, em quatro biênios, o tradicional Centro de Poesia e Arte de
Campinas, uma das mais reputadas e importantes instituições culturais da nossa
cidade, que muito lhe deve. Seu currículo literário, no entanto, é muito mais
extenso. Foi, por exemplo, presidente da Academia Campinense de Letras e ocupou
os cargos de segunda secretária e secretária geral da instituição em várias
diretorias. Muito da trajetória e da história dessa entidade foi preservado
graças à sua ação direta. E, sobretudo, em decorrência da sua grande capacidade
de organização.
A
maioria das atas das reuniões mensais foi redigida por ela, no seu estilo
meticuloso, preciso e claro. Com tanta atividade (haja fôlego e disposição!),
Conceição ainda encontrava tempo para organizar antologias, em muitas das quais
teve a generosidade e incluir produções minhas, tendo participado diretamente
das "Publicações da Academia Campinense de Letras" em seus 15º, 20º,
30º e 35º aniversários de fundação.
Escreveu:
"As mulheres de hoje devem lembrar-se das lutas encetadas pelas mulheres
das gerações anteriores, para que pudessem gozar, no presente, das inestimáveis
regalias da cultura, da manifestação do pensamento por meio da palavra
impressa, e aproveitá-las ao máximo, adquirindo conhecimentos, aprimorando-se
na língua pátria, produzindo trabalhos literários à altura da civilização de
nossa época, para enriquecer ainda mais a galeria de vultos femininos que
povoam as letras paulistas" (in "A mulher na História e na Literatura
de São Paulo", "Antologia" - Publicações da Academia Campinense
de Letras, nº. 49, 1996). E eu acrescento, até a título de recomendação às
mulheres: "Sigam o exemplo de Maria Conceição Arruda Toledo"...
Sempre
fui péssimo em despedidas, embora, com a idade, estas venham se tornando
(infelizmente) cada vez mais freqüentes e mais pungentes. É o ciclo da vida que
segue seu inexorável curso. O que fazer? Nada, é claro! A saudade já é
insuportável, inesquecível e querida amiga, mestra e companheira. Mas creio no
que Guimarães Rosa sentenciou em certa ocasião: “Os poetas não morrem! Ficam
encantados! Você, pois, não morreu. Apenas “encantou”... Descanse em paz,
portanto! E...até um dia...
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