Discurso esclarecedor
Pedro J. Bondaczuk
O crime organizado, o
terrorismo, as várias guerras (civis ou entre nações), a fome, a corrupção, os
sistemas políticos e econômicos que massificam as pessoas e transformam homens
em gado, as injustiças sociais e outras mazelas do gênero fazem do nosso século
o mais violento da História. Afinal, foi nele que se produziu a arma das armas,
a bomba nuclear, e que foi usada contra duas comunidades urbanas, no caso as
cidades de Hiroshima e Nagasaki.
Foi
nele que se verificou o “holocausto” dos judeus. Foi nele que ocorreram
vergonhosos e infames genocídios. E, no entanto, paradoxalmente, a despeito de
tanta gente apregoar o contrário e falar insistentemente no “fim dos tempos”,
foi neste mesmo período tenso, violento e dramático que o homem mais evoluiu em
termos de relacionamento.
Apesar
do conceito dos direitos humanos ter sido trazido à baila, pela primeira vez,
no século XVIII, com a Revolução Francesa, foi apenas a partir de 1945, com a
criação das Nações Unidas, que se fez algo de concreto nesse sentido.
É
claro que esse compromisso, assumido por países do mundo todo, ainda está muito
distante de ser cumprido, sequer de forma razoável. Prisões arbitrárias,
“desaparecimento de pessoas”, torturas, abandono de menores, etc., ainda são
rotineiros, tanto em sociedades avançadas econômica e socialmente, como a
norte-americana e a européia, quanto – e principalmente – no chamado Terceiro
Mundo. Ainda assim a humanidade evoluiu, e muito.
Há
somente 106 anos, por exemplo – uma “ninharia” de tempo em termos históricos –
o Brasil aboliu a escravatura. Durante quase todo o século XIX, portanto, aqui
e em várias outras partes do mundo, tratar uma pessoa como animal de carga ou
objeto passivo de compra e venda, era uma atitude “normal”.
Hoje,
mesmo indivíduos tidos como absolutamente retrógrados, consideram este ato
(normalíssimo há pouco tempo), absolutamente atroz, primitivo e absurdo. Houve,
como se observa, sensível evolução, embora admitamos que seja pouca,
pouquíssima, diante daquilo que o homem ainda precisa evoluir no relacionamento
com os semelhantes.
A
esse propósito, o escritor italiano, Humberto Ecco, escreveu, num texto
publicado no livro “Reflexões para o futuro”, lançado pela Editora Abril para
comemorar o 25º aniversário da revista “Veja”: Hoje, posso andar pela rua sem
me fazer matar por alguém que queira manter sua trajetória na mesma calçada que
a minha e sei que meus filhos não receberão cacetadas do filho de um duque como
meio de aprendizagem do poder. Indivíduos prepotentes tentam ainda hoje
expulsar uma mulher negra do ônibus, mas a opinião pública os condena: há
apenas dois séculos teríamos pensado agir como honestos cidadãos se tivéssemos
investido uma parte do nosso pecúlio numa empresa que teria vendido essa mulher
como escrava aos Estados Unidos”.
Hoje
ainda levamos “cacetadas” para aprender o que é o poder, mas estas são mais
sutis, embora às vezes mais dolorosas. Nossos filhos ou netos talvez já não as
levem. É verdade que na atualidade dois terços da humanidade não comem o
suficiente.
Em
contrapartida, o “apartheid” é coisa do passado na África do Sul. Ainda há 900
milhões de analfabetos no mundo. Mas no Leste europeu, um cidadão já pode expor
sua opinião sem ir parar na prisão, ou em campos de trabalhos forçados ou em
manicômios.
O
desemprego atinge 960 milhões de trabalhadores, mas os palestinos estão
próximos de finalmente conquistar sua pátria. Se o homem pôde solucionar tantos
e tão complexos problemas, em tempo relativamente curto, por que não poderia
resolver os que ainda estão pendentes e os novos que certamente vão surgir?
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 19 de novembro de 1994).
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