Friday, April 18, 2014

Reunião inoportuna


Pedro J. Bondaczuk


Os esforços do Grupo de Contadora, integrado por Colômbia, México, Venezuela e Panamá, em sua recente reunião, realizada no fim de semana passado, na capital panamenha, para que os países da América Central assinassem uma ata de paz para a região, fracassaram, em virtude de um pequeno cochilo de que elaborou a pauta do encontro. E o motivo dessa observação é lógico.

Tramita, no Congresso dos Estados Unidos, um pedido do presidente Ronald Reagan de ajuda militar aos rebeldes nicaragüenses da ordem de US$ 100 milhões. A solicitação foi recusada numa das casas legislativas, a Câmara de Representantes, mas aprovada na outra, o Senado, onde os republicanos contam com maioria. O projeto retornou, portanto, à origem, para novas deliberações, que estão previstas para ocorrer mo próximo dia 14.

Ora, a Ata de Paz de Contadora prevê uma desmobilização militar na América Central. Como, em sã consciência, o governo sandinista poderia concordar com isso antes de saber se os “contras” terão ou não esse dinheiro para combater o regime? Se concordasse, isto equivaleria a uma capitulação.

A data para a assinatura desse acordo, reconheça-se, é de importância fundamental no processo de paz centro-americano. Mas o assunto deveria ficar definido, somente, após a votação do pedido de Reagan ao Congresso norte-americano.

Os fatos demonstram, portanto, que a reunião da semana no Panamá foi, no mínimo, inoportuna. Ao invés de trazer solução para o impasse de há já alguns anos na América Central, gerou novo fator complicador, o que, certamente, não era a intenção dos membros do Grupo de Contadora que, de uma maneira ou de outra, vêm garantindo uma relativa tranqüilidade nessa turbulenta região.

Caso o órgão não existisse, a Nicarágua, há muito tempo, já teria sofrido uma intervenção militar estrangeira, que seria a terceira em sua conturbada história e que poderia ser catastrófica para todo o hemisfério.

A recusa nicaragüense de aceitar o dia 6 de junho próximo como data-limite para a assinatura da Ata de Paz, pode influenciar algum parlamentar norte-americano afoito ou mal-informado e determinar a provação desse aporte de recursos em ajuda militar que os anti-sandinistas solicitam.

O presidente Reagan, é evidente, está usando a recusa nicaragüense em assinar o documento a favor da sua tese, ou seja, da necessidade de armar ainda mais os “contras”. Anteontem, ele aludiu a questão, num pronunciamento que fez na Sociedade de Editores de Jornais dos Estados Unidos.

Ressaltou que a recente reunião do Panamá foi um fracasso. E deu a entender que os vizinhos da Nicarágua deveriam se convencer que só há uma solução para a crise nesse país: a derrubada dos sandinistas (o que não é verdade).

Agora, por causa desse erro tático, o Grupo de Contadora só pode mesmo é torcer para que o pedido de ajuda aos rebeldes nicaragüenses seja recusado pelo Congresso norte-americano. Se for, aí sim terá condições de pressionar o presidente Daniel Ortega para que se desvincule do bloco soviético e elimine, assim, dessa crise, a conotação que lhe foi dada, de um confronto Leste-Oeste, ou seja, de mais uma “batalha” da interminável guerra fria.

Quando o presidente sandinista foi eleito, observei, neste mesmo espaço, que ele teria que agir como um equilibrista, e dos bons, se desejasse completar o mandato. Na ocasião, seu governo ainda não era boicotado, economicamente, pelos Estados Unidos. Ressaltei, então, que Daniel Ortega, ao caminhar na corda-bamba, não poderia pender, ideologicamente, nem para a esquerda e nem para a direita.

Seus passos teriam que ser seguros e retos. Se viesse a se alinhar com Moscou veria, fatalmente, mais cedo ou mais tarde, milhares de marines norte-americanos desembarcarem nas praias da Nicarágua. Se optasse por rezar pela cartilha dos Estados Unidos, seria hostilizado por Cuba e por grupos apoiados pelo governo de Fidel.

Parece, porém, que a opção do presidente nicaragüense foi (imprudentemente) a de se alinhar à URSS. Ao invés de fugir, portanto, do envolvimento no confronto Leste-Oeste, entrou de cabeça nele. Ortega ainda tem a oportunidade de reverter sua rota suicida, embora sua margem de manobra esteja se tornando a cada dia mais restrita.

O tempo se esgota e se o presidente nicaragüense não se decidir depressa, pode acordar, num determinado dia, com o seu palácio cercado por tropas estrangeiras. E aí... as conseqüências dessa provável intervenção armada seriam duras demais para Ortega e, principalmente, para o povo nicaragüense que o escolheu, livre e soberanamente, nas urnas, pelo voto. Seriam tão contundentes a ponto de ser impossível, hoje, de prever o seu real alcance e profundidade, em termos de perdas de vidas. A Nicarágua, certamente, mergulharia no caos.           

(Artigo publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 11 de abril de 1986).

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