Reunião inoportuna
Pedro J.
Bondaczuk
Os esforços do Grupo de Contadora, integrado por Colômbia,
México, Venezuela e Panamá, em sua recente reunião, realizada no fim de semana
passado, na capital panamenha, para que os países da América Central assinassem
uma ata de paz para a região, fracassaram, em virtude de um pequeno cochilo de
que elaborou a pauta do encontro. E o motivo dessa observação é lógico.
Tramita, no Congresso dos Estados Unidos, um pedido do
presidente Ronald Reagan de ajuda militar aos rebeldes nicaragüenses da ordem
de US$ 100 milhões. A solicitação foi recusada numa das casas legislativas, a
Câmara de Representantes, mas aprovada na outra, o Senado, onde os republicanos
contam com maioria. O projeto retornou, portanto, à origem, para novas
deliberações, que estão previstas para ocorrer mo próximo dia 14.
Ora, a Ata de Paz de Contadora prevê uma desmobilização
militar na América Central. Como, em sã consciência, o governo sandinista
poderia concordar com isso antes de saber se os “contras” terão ou não esse
dinheiro para combater o regime? Se concordasse, isto equivaleria a uma
capitulação.
A data para a assinatura desse acordo, reconheça-se, é de
importância fundamental no processo de paz centro-americano. Mas o assunto
deveria ficar definido, somente, após a votação do pedido de Reagan ao
Congresso norte-americano.
Os fatos demonstram, portanto, que a reunião da semana no
Panamá foi, no mínimo, inoportuna. Ao invés de trazer solução para o impasse de
há já alguns anos na América Central, gerou novo fator complicador, o que,
certamente, não era a intenção dos membros do Grupo de Contadora que, de uma
maneira ou de outra, vêm garantindo uma relativa tranqüilidade nessa turbulenta
região.
Caso o órgão não existisse, a Nicarágua, há muito tempo,
já teria sofrido uma intervenção militar estrangeira, que seria a terceira em
sua conturbada história e que poderia ser catastrófica para todo o hemisfério.
A recusa nicaragüense de aceitar o dia 6 de junho próximo
como data-limite para a assinatura da Ata de Paz, pode influenciar algum
parlamentar norte-americano afoito ou mal-informado e determinar a provação
desse aporte de recursos em ajuda militar que os anti-sandinistas solicitam.
O presidente Reagan, é evidente, está usando a recusa
nicaragüense em assinar o documento a favor da sua tese, ou seja, da
necessidade de armar ainda mais os “contras”. Anteontem, ele aludiu a questão,
num pronunciamento que fez na Sociedade de Editores de Jornais dos Estados
Unidos.
Ressaltou que a recente reunião do Panamá foi um fracasso.
E deu a entender que os vizinhos da Nicarágua deveriam se convencer que só há
uma solução para a crise nesse país: a derrubada dos sandinistas (o que não é
verdade).
Agora, por causa desse erro tático, o Grupo de Contadora
só pode mesmo é torcer para que o pedido de ajuda aos rebeldes nicaragüenses
seja recusado pelo Congresso norte-americano. Se for, aí sim terá condições de
pressionar o presidente Daniel Ortega para que se desvincule do bloco soviético
e elimine, assim, dessa crise, a conotação que lhe foi dada, de um confronto
Leste-Oeste, ou seja, de mais uma “batalha” da interminável guerra fria.
Quando o presidente sandinista foi eleito, observei, neste
mesmo espaço, que ele teria que agir como um equilibrista, e dos bons, se desejasse
completar o mandato. Na ocasião, seu governo ainda não era boicotado,
economicamente, pelos Estados Unidos. Ressaltei, então, que Daniel Ortega, ao
caminhar na corda-bamba, não poderia pender, ideologicamente, nem para a
esquerda e nem para a direita.
Seus passos teriam que ser seguros e retos. Se viesse a se
alinhar com Moscou veria, fatalmente, mais cedo ou mais tarde, milhares de
marines norte-americanos desembarcarem nas praias da Nicarágua. Se optasse por
rezar pela cartilha dos Estados Unidos, seria hostilizado por Cuba e por grupos
apoiados pelo governo de Fidel.
Parece, porém, que a opção do presidente nicaragüense foi
(imprudentemente) a de se alinhar à URSS. Ao invés de fugir, portanto, do
envolvimento no confronto Leste-Oeste, entrou de cabeça nele. Ortega ainda tem
a oportunidade de reverter sua rota suicida, embora sua margem de manobra
esteja se tornando a cada dia mais restrita.
O tempo se esgota e se o presidente nicaragüense não se
decidir depressa, pode acordar, num determinado dia, com o seu palácio cercado
por tropas estrangeiras. E aí... as conseqüências dessa provável intervenção
armada seriam duras demais para Ortega e, principalmente, para o povo
nicaragüense que o escolheu, livre e soberanamente, nas urnas, pelo voto.
Seriam tão contundentes a ponto de ser impossível, hoje, de prever o seu real
alcance e profundidade, em termos de perdas de vidas. A Nicarágua, certamente,
mergulharia no caos.
(Artigo publicado
na página 8, Internacional, do Correio Popular, em 11 de abril de 1986).
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