Síntese
de crônicas sobre amizade
Pedro J. Bondaczuk
O filósofo cínico Diógenes,
aquele que andava com uma lanterna na mão à procura de um homem justo, tinha
uma tese interessante. Achava que os inimigos são, também, muito importantes em
nossa vida. Fernando Pessoa também manifestou idêntica opinião, assim como
Oscar Wilde. Claro, que os três davam valor infinitamente maior às amizades.
Diógenes aconselhava: “Devemos ter amigos que nos ensinem o bem, e perversos e
cruéis inimigos, que nos impeçam de praticar o mal”. Prefiro apostar só nas
amizades. Meus amigos, com sua lealdade e constância, são suficientes
salvaguardas para me impedir de praticar o mal. Quanto aos inimigos...Tento,
claro, torná-los amigos. Nem sempre consigo, mas sempre vale a tentativa.
Afinal, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, observou, com propriedade,
o genial Fernando Pessoa.
Alguns amigos diletos, a quem
tanto estimo, e muitos leitores, que entraram em contato comigo pela primeira
vez, me solicitaram que reproduzisse uma das tantas crônicas que escrevi
abordando o tema “amizade”. Ponderei a propósito e decidi fazer algo diferente,
posto que na mesma linha. Em vez de reproduzir um texto específico sobre o
assunto, separei, meio que ao acaso, oito que têm esse enfoque. E, de cada um
deles, extraí o que de mais relevante entendi que tinha. O resultado dessa
fusão, que me surpreendeu pela coerência (pois os textos foram redigidos alguns
com até dez anos de distância uns dos outros),
é a crônica abaixo, que espero seja do agrado dos que fizeram a
solicitação, por se tratar, literalmente, de síntese do que já escrevi a
respeito. .
“Amizade que se preza, e que
ofereço, de coração, às pessoas que gosto (que felizmente são milhares) é
generosa, desinteressada e espontânea. Não tem malícia e muito menos segundas
intenções. Exige, somente, reciprocidade, e nada mais. Tem, como
característica, a lealdade. Dispensa todo e qualquer tipo de formalidade. Não é
preciso, sequer, fazer força para que nasça. Simplesmente acontece, sem motivo
ou explicação, e me acompanha a vida toda. É um presente de Deus, que retribuo
com reciprocidade. É confortador saber que em algum lugar, não importa onde, há
alguém que gosta de mim de graça, que compreende minhas imperfeições e não faz
a mínima conta delas e que está disposto a me socorrer, em caso de necessidade,
sem que eu precise solicitar seu generoso e espontâneo amparo. Sinto-me o mais
rico dos homens, por ser detentor desse tesouro sem preço.
Estamos expostos, a cada segundo,
a riscos concretos, de toda espécie, que sequer imaginamos. Por milhões de
razões, podemos nos ferir gravemente, perder nossos bens ou reputação e até
morrer, a qualquer instante. No entanto, nunca paramos para pensar nessa
possibilidade concreta, permanente e aterradora. Julgamo-nos poderosos e
invulneráveis, embora, óbvio, não sejamos. Essa, aliás, é a marca registrada
humana: a contradição. Ou seja, o fato de termos imenso potencial tanto para
obrar maravilhas, quanto para praticar atrocidades, dependendo do acaso e das
circunstâncias. Convivem, dentro de nós, e o tempo todo, simultaneamente, o
anjo e o demônio. Estamos submetidos quer a Eros, quer a Tanatos, ou seja,
tanto aos instintos de autopreservação quanto aos de destruição, própria e/ou
de terceiros. Daí ser relevante esse sentimento nobilíssimo, e cada vez mais
raro, o da amizade, mediante o qual uma pessoa se dedica a outra, espontânea e
desinteressadamente, no sentido de ajudá-la, protegê-la e orientá-la, sem nada
exigir em troca, a não ser reciprocidade e por uma razão que ninguém ainda
conseguiu explicar objetivamente, se é que haja explicações. Acredito que não
há.
O escritor Mário da Silva Brito
observou: "Olha, amizade é como picles: tem que ser curtida pelo tempo
para bem se impregnar dos temperos que lhe dão sabor". E não é?! Nada mais
verdadeiro do que tal constatação! É certo que as amizades recentes também são
prazerosas. Estão repletas de novidades e de descobertas. Trazem a agradável
surpresa das revelações. Na verdade, a amizade prescinde de regras, etiquetas e
salamaleques. Dispensa formalidades. Não requer explicações. Existe porque
existe e pronto. É intemporal (ou atemporal?). Nem é necessário que o amigo
esteja presente para que continue sendo considerado como tal. Muitas vezes o
distanciamento até aumenta a amizade. Quando ocorre o reencontro, é como se
nunca tivesse havido separação. Um conhece os gostos e desgostos do outro. E,
sobretudo, respeita-os. Trata-se de um sentimento em geral confundido com
coleguismo. Mas está muito longe de ser isso, ou apenas isso.
As amizades, como o amor – do
qual são uma das formas mais nobres – é um processo: contínuo, constante,
infindável. Requerem permanente atenção para que jamais esfriem, definhem e
venham a acabar, como uma vela que se consome. Não exigem de nós, convém
ressaltar, nenhum gesto grandiloqüente ou qualquer forma de sacrifício que não
estejamos dispostos a fazer espontaneamente. Basta estar sempre ao lado do (a)
nosso (a) amigo (a), prontos a prestar-lhe socorro, em caso de necessidade,
vibrando com seus sucessos, compreendendo suas falhas e nos solidarizando com
seus eventuais insucessos. O filósofo alemão Immanuel Kant faz pitoresca (e
sábia) comparação a propósito. Afirma: “A amizade é como o café. Uma vez frio
nunca mais volta ao sabor original, mesmo aquecido”. Não volta mesmo. Não
deixemos, pois, nossa amizade esfriar, para que jamais perca o seu gosto, já
que se torna inútil “requentar” um sentimento que esfriou.
A amizade ideal requer, além de
mútua e espontânea estima, de fidelidade, constância e desprendimento, um
tratamento recíproco de absoluto pé de igualdade. Por exemplo, se admiramos em
demasia uma pessoa, achando que ela nos é muito superior (intelectual e/ou
moralmente), mesmo que de fato seja, elegemos, na verdade, um ídolo, não
necessariamente um amigo. O oposto também é verdadeiro. Ou seja, se queremos
que o próximo nos trate com excessivo respeito ou, até, com veneração, sem a
indispensável e espontânea familiaridade, desejamos, de fato, um admirador, um
fã, não um amigo. O pressuposto básico da amizade, portanto, é a igualdade de
sentimentos e de tratamento. Só assim ela nasce, se arraiga, se fortalece e se
perpetua. Albert Camus tem um texto modelar a respeito: “Não caminhe na minha
frente; eu não posso segui-lo. Não caminhe atrás de mim; eu não posso
conduzi-lo. Apenas caminhe a meu lado e seja meu amigo”.
Da minha parte, só tenho motivos
de alegria e de gratidão por contar com você, que mesmo distante, residindo em
outra cidade e/ou outro Estado, está, há já algum tempo, em, sintonia comigo,
sempre presente em minha vida, todos os dias, me exortando, se preocupando com
a minha saúde e humor e me animando nos momentos de tristeza e desalento. O
poeta William Blake escreveu, com muita propriedade, em um dos seus inspirados
poemas: “A ave constrói o ninho; a aranha, a teia; o homem, a amizade”.
Trata-se de condição essencial, de espontâneo carinho e de mútua identificação,
envolvendo pessoas às vezes com formações, temperamentos, cultura e condições
materiais e sociais muito diferentes que, no entanto, se aproximam, se identificam
e se complementam com harmonia. Muito obrigado, amigos, pela generosidade da
sua amizade.
É sumamente gratificante, uma bênção divina, quando
podemos ter a certeza que, nos piores momentos da nossa vida, nos mais
pungentes episódios de sofrimento e de aflição, nunca estaremos sós. Teremos,
em algum lugar, não importa onde, um amigo generoso, leal e fiel, disposto a
nos amparar, compreender, orientar e mostrar a saída para os problemas que não
seríamos capazes de enfrentar sós. É nas crises que as amizades são testadas e
aprovadas. É, exatamente, nessas ocasiões que muitos parentes e aduladores, que
nos rodeiam quando somos bem-sucedidos, se afastam de nós, como se tivéssemos
doença contagiosa. Bem escreveu o poeta Rabindranath Tagore, ganhador de Prêmio
Nobel de Literatura, com a sensibilidade que
lhe era peculiar: “A verdadeira amizade é como a fosforescência: nota-se
melhor quando tudo ficou às escuras”. Muito obrigado, amigos, pelo carinho da
sua amizade!!!”
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