Saturday, April 19, 2014

Quem não emprestou é que vai pagar a conta


Pedro J. Bondaczuk


O estudo, divulgado ontem pelas Nações Unidas, sobre o crescente empobrecimento da América Latina nesta década, é mais um dos tantos relatórios sobre o assunto. Aliás nós, que vivemos na região, nem precisaríamos desse novo subsídio para sabermos de tal realidade. Sentimos isso, diariamente, na nossa própria carne. Na redução progressiva do nosso padrão de vida.

Se fôssemos ociosos, se detestássemos o trabalho (como muita gente já tentou afirmar, em várias ocasiões, injustamente), haveria uma razão concreta para essa nossa decadência. Mas o injusto de tudo isso é que nunca os latino-americanos trabalharam tanto quanto nesse período e jamais viveram pior. Há, portanto, "algo de podre", de muito podre, nesse reino.

É claro que na raiz de tudo está esta indecência, esta imoralidade, este golpe do vigário incrível chamado dívida externa. No caso da América Latina, os débitos foram contraídos numa situação muito peculiar. Os empréstimos foram tomados, praticamente à revelia das respectivas sociedades nacionais, quando a maior parte dos Estados latino-americanos amargava ferozes ditaduras. Quando a imprensa estava amordaçada e somente podia exercer atividades laudatórias aos poderosos de plantão. Quando contestar alguma coisa, por mais sensata que fosse a contestação, equivalia a se arriscar a ir parar na prisão, quando não sofrer torturas e até perder a vida.

Os credores sabem que os negócios foram feitos dessa forma. Têm ciência de que muita coisa cobrada não é legítima. Ainda assim, insistem em arrochos, em planos que redundem em maior carga de miserabilidade para os que não tomaram o dinheiro emprestado, não concordaram com os empréstimos, não se beneficiaram com eles, mas que são sempre os convocados para pagar a fatura.

Gente sensata, dos mais variados matizes ideológicos e graus de liderança, tem alertado para a armadilha da dívida: desde o Papa, ao secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar. Tais líderes condenam a perversidade que se está perpetrando contra parcela considerável da humanidade, que é forçada a trabalhar cada vez mais para ganhar cada vez menos. Que não consegue nunca acumular excedentes de seus esforços pessoais. Que mal arranca o suficiente para a sobrevivência, em condições precaríssimas. Que não vislumbra futuro para si própria e nem para a sua descendência.

Se a Europa, que se envolveu de "moto próprio" numa guerra devastadora como foi a Segunda Guerra Mundial, pôde ser beneficiada com um Plano Marshall, qual a razão de tamanha insensibilidade em relação à América Latina? Não seríamos gente, por acaso? Não teríamos direito a uma vida pelo menos mais confortável do que o sufoco pelo qual estamos passando há tanto tempo? Ou estaríamos sendo considerados uma subespécie, destinada apenas a satisfazer os apetites consumistas do chamado Primeiro Mundo?

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 12 de setembro de 1989).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk      

No comments: