Quem não emprestou é que vai pagar a
conta
Pedro J. Bondaczuk
O estudo, divulgado ontem pelas Nações Unidas, sobre
o crescente empobrecimento da América Latina nesta década, é mais um dos tantos
relatórios sobre o assunto. Aliás nós, que vivemos na região, nem precisaríamos
desse novo subsídio para sabermos de tal realidade. Sentimos isso, diariamente,
na nossa própria carne. Na redução progressiva do nosso padrão de vida.
Se fôssemos ociosos, se detestássemos o trabalho
(como muita gente já tentou afirmar, em várias ocasiões, injustamente), haveria
uma razão concreta para essa nossa decadência. Mas o injusto de tudo isso é que
nunca os latino-americanos trabalharam tanto quanto nesse período e jamais
viveram pior. Há, portanto, "algo de podre", de muito podre, nesse
reino.
É claro que na raiz de tudo está esta indecência,
esta imoralidade, este golpe do vigário incrível chamado dívida externa. No
caso da América Latina, os débitos foram contraídos numa situação muito
peculiar. Os empréstimos foram tomados, praticamente à revelia das respectivas
sociedades nacionais, quando a maior parte dos Estados latino-americanos
amargava ferozes ditaduras. Quando a imprensa estava amordaçada e somente podia
exercer atividades laudatórias aos poderosos de plantão. Quando contestar
alguma coisa, por mais sensata que fosse a contestação, equivalia a se arriscar
a ir parar na prisão, quando não sofrer torturas e até perder a vida.
Os credores sabem que os negócios foram feitos dessa
forma. Têm ciência de que muita coisa cobrada não é legítima. Ainda assim,
insistem em arrochos, em planos que redundem em maior carga de miserabilidade
para os que não tomaram o dinheiro emprestado, não concordaram com os
empréstimos, não se beneficiaram com eles, mas que são sempre os convocados
para pagar a fatura.
Gente sensata, dos mais variados matizes ideológicos
e graus de liderança, tem alertado para a armadilha da dívida: desde o Papa, ao
secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar. Tais líderes condenam a
perversidade que se está perpetrando contra parcela considerável da humanidade,
que é forçada a trabalhar cada vez mais para ganhar cada vez menos. Que não
consegue nunca acumular excedentes de seus esforços pessoais. Que mal arranca o
suficiente para a sobrevivência, em condições precaríssimas. Que não vislumbra
futuro para si própria e nem para a sua descendência.
Se a Europa, que se envolveu de "moto
próprio" numa guerra devastadora como foi a Segunda Guerra Mundial, pôde
ser beneficiada com um Plano Marshall, qual a razão de tamanha insensibilidade
em relação à América Latina? Não seríamos gente, por acaso? Não teríamos
direito a uma vida pelo menos mais confortável do que o sufoco pelo qual
estamos passando há tanto tempo? Ou estaríamos sendo considerados uma
subespécie, destinada apenas a satisfazer os apetites consumistas do chamado
Primeiro Mundo?
(Artigo publicado na página 16, Internacional, do
Correio Popular, em 12 de setembro de 1989).
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