Wednesday, April 02, 2014

De mentiras e mentirosos

Pedro J. Bondaczuk

A mentira, o leitor há de convir comigo, dispensa dia especial que a celebre. É onipresente. Está em nosso cotidiano e é tão comum, que sequer lhe damos atenção, a menos que se trate de algo que nos traga algum tipo de prejuízo: à reputação, aos relacionamentos, à imagem ou, o que nem é muito raro, ao bolso. Convivemos com mentirinhas e mentironas, ditas por amigos, por desafetos, por parentes, por colegas de trabalho, por estranhos e... por políticos (provavelmente mais freqüentes). Se todos que mentem tivessem, por castigo, o crescimento de seus narizes, desconfio que a Terra seria um planeta de narigudos. E olhem que sequer estou me referindo à ficção que, até por definição, é deslavada mentira, já que se trata do ato de inventar histórias. Ou seja, de narrar, dando-lhe a máxima verossimilhança, o que nunca aconteceu.

O jornalismo tem como premissa básica, fundamental, rigorosa, como regra de ouro, como uma espécie de “cláusula pétrea”, compromisso com a verdade. Portanto, não apenas execra, como teoricamente bane da atividade a mentira (e o eventual jornalista mentiroso). É certo que nem sempre essa postura é respeitada. Não, pelo menos, por todos. E não pelo tempo todo. Aqui e ali, uma vez ou outra, algum órgão de imprensa dá sua escorregadela, raramente percebida pelos leitores. Afinal, jornais são feitos por pessoas e dessas não há nenhuma garantia que sejam “todas” ou “sempre” verdadeiras. Quem disser, ou sequer insinuar, o contrário, mesmo que não admita, estará mentindo.

Mas, o que o leitor diria se eu lhe informasse que existiu, no Brasil, um jornal que no próprio nome violava a regra de ouro do jornalismo, a de ter compromisso absoluto com a verdade? Seu próprio nome já explicitava sua característica e explicitava sua linha editorial. Chamava-se “A Mentira”. Tinha periodicidade quinzenal, nem sempre respeitada, já que circulava somente quando seus editores tinham dinheiro para pagar a impressão. Teve vida curta, como seriam as pernas do comportamento que lhe dava o nome. Claro que não era sério e sua proposta nem era esta. Tratava-se de jornal humorístico, ao qual nem o mais tolo dos tolos poderia dar crédito. Destinava-se a fazer rir.

Como no mundo há ingênuos para tudo, havia, entre seus escassos leitores, vários que acreditavam nas “notícias” – escandalosas petas, posto que redigidas de forma tal a convencerem principalmente os incautos – que estampava, além de mentir sem remorso nos editoriais e em suas colunas de opinião. O sujeito crédulo, no meu modo de entender, é o verdadeiro culpado, o responsável de fato pela existência do malandro. Se não existisse o “trouxa”, este também não existiria. Ou, no mínimo, esses pilantras, dispostos o tempo todo a tapear alguém para levar vantagem, seriam raridades. Não são!

Entendo que se pode mentir de duas formas principais: por ação e por omissão. A primeira maneira de fazê-lo é óbvia e a mais comum, embora, salvo exceções, a menos perigosa. Ou seja, dizendo inverdades. Alguns mentirosos são tão hábeis nesse mister, que são capazes de convencer o mais cético dos céticos. Há, claro, algumas mentiras que se desmascaram por si sós. São tão “cabeludas” e estapafúrdias, que o mais ingênuo dos ingênuos as identifica de imediato. Mas há algumas tão elaboradas que, não raro, assumem, e por anos, foros da mais rigorosa verdade.

A outra maneira de mentir é por omissão. Esse tipo é sumamente perigoso por instalar dúvida no espírito do interlocutor (ou interlocutores). É o caso em que o mentiroso conhece a verdade sobre alguém ou algo, mas a omite. Deixa o caso no ar. Nessas circunstâncias, formam-se, via de regra, duas correntes antagônicas: uma defendendo que o que se diz ou se pensa a propósito de algo ou de alguém é verdadeiro. A outra, por seu turno, acha que seja a mais deslavada das mentiras. Se o verdadeiro “mentiroso” revelasse a verdade que conhece (mas que omite), não haveria a dúvida. Tudo se esclareceria. Mas...

Sei que o leitor está curioso por mais detalhes a propósito do insólito jornal que citei. Também estou. Passei horas pesquisando no Google, em busca de maiores informações a respeito (como onde era sua sede, em que época foi fundado, quando encerrou as atividades, quem era seu proprietário etc.etc.etc.), em vão. Não encontrei nada, rigorosamente nada. Fico, portanto, na dúvida: existiu, mesmo, um periódico com estas características? Pode ser que sim, pode ser que não. Não que eu esteja desconfiando da respeitabilidade de quem me deu a informação. Desconfio, isso sim, da ocasião em que ela me foi passada: exatamente, num primeiro de abril, o Dia Universal da Mentira.


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