Sunday, April 20, 2014

Entre o céu e o inferno


Pedro J. Bondaczuk


O peronista Carlos Saul Menem, que depois de amanhã assume os destinos de 32 milhões de argentinos, em meio à maior crise já enfrentada por esse país em toda a sua história, terá pela frente um desafio e uma oportunidade.

O primeiro caso é óbvio. Não é uma tarefa nada agradável (e muito menos fácil) a de conter um processo hiperinflacionário com taxas mensais em torno de 110%. Tal afirmação, de tão evidente, chega a ser acaciana (palavra surgida do personagem de Eça de Queiroz, do livro “O Primo Basílio”, Conselheiro Acácio, que só dizia obviedades e passava por gênio entre os ingênuos que o rodeavam). Há quem preveja, até, que a inflação anual desse país pode chegar aos astronômicos 440.000% em 1989, como que agourando o fracasso do futuro presidente.

Menem vai assumir em meio a um clima de indisfarçável inquietação. Saques a estabelecimentos que vendem alimentos estão ameaçando se disseminar de novo. A população está apavorada e temerosa pelo dia seguinte. Boatos de demissões em massa circulavam insistentemente, ontem, pelo país, aumentando o justificado pânico de milhares e milhares de pais de família.

Comerciantes, na incerteza do que terão pela frente, remarcam furiosamente os preços das suas mercadorias, numa manifestação indisfarçável de terror diante das incertezas do amanhã. Como se vê, trata-se de um magnífico desafio para esse descendente de sírios, que acima de tudo demonstra Ter bom senso ao não se ater aos quadros do seu partido na escolha da sua equipe de governo.

No entanto, o fato do presidente eleito pegar a Argentina nestas circunstâncias tão negativas, pode ser uma rara oportunidade de consagração. Se Menem conseguir, em primeiro lugar, a confiança de todos os setores da sociedade; se puder, de uma forma ou de outra, colocar em marcha o que durante a sua campanha denominou de “revolução produtiva”, que para funcionar precisa dar ocupação para cada cidadão válido, com condições de trabalhar; se tiver como conciliar facções inconciliáveis dentro das Forças Armadas e, principalmente, se obtiver o apoio geral na luta contra a hiperinflação e vencer esse terrível monstro das economias desorganizadas, terminará seus seis anos de mandato, em 1995, como um herói nacional.

Ganhará estátuas em praças públicas, terá cidades com o seu nome e tudo o mais a que líderes carismáticos bem-sucedidos têm direito. “E se fracassar?”, perguntará o leitor. Se não tiver sucesso, pode preparar as malas para um prolongado exílio, como o de seu grande inspirador e mentor, Juan Domingo Peron. Será tudo ou nada para Carlos Menem, sem meios-termos.


(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 6 de julho de 1989)

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