Sunday, April 13, 2014

Alcoolismo e desespero


Pedro J. Bondaczuk


O alcoolismo é, hoje, um dos maiores problemas internos que as autoridades soviéticas enfrentam. Diariamente, em todo o país, milhões de operários faltam ao serviço em decorrência do vício. As estatísticas de acidentes de trabalho demonstram que boa parte das ocorrências que mutilam (e até matam) trabalhadores está ligada ao álcool.

A questão ganhou tamanhas proporções, que em maio, o atual dirigente, Mikhail Gorbachev, adotou providências bastante enérgicas para coibir os excessos. Implantou uma espécie de “mini lei seca” na União Soviética, fechando fábricas clandestinas de vodca, aumentando o rigor nas punições por essas infrações e lançando intensa campanha publicitária nos órgãos de imprensa, todos do Estado (como, aliás, tudo naquele país) para evitar essa perda intolerável de horas trabalhadas, e portanto, privar-se da geração de mais riquezas para o sistema.

Muita gente pode atribuir esse amor excessivo ao álcool à falta de perspectiva de um futuro do russo comum. É possível, embora esse não seja o único fator. Não é de hoje que o povo daquele país tem esse problema, que vem de muito longe. Provavelmente o clima extremamente rigoroso contribua, pelo menos na maior parte, para que haja tantos viciados.

Praticamente não existe um único conto ou romance célebres (e os escritores russos, mormente os do passado, têm grande tradição de genialidade literária) em que não apareça pelo menos um personagem ébrio. O pai dos famosos irmãos Karamazov é um exemplo típico, celebrizado pela pena magistral do romancista Fedor Dostoiwski. Mesmo Tolstoi, em “Guerra e Paz”, retrata um Pierre dado a excessos de bebida e isso se repetiu, invariavelmente, com Gogol, Pushkin, Máximo Gorki e inúmeros outros escritores.

Portanto, o problema não é deste regime e muito menos exclusivamente soviético. Nos Estados Unidos, todos sabem, o consumo do álcool é também dos mais expressivos. Ao ponto de ter sido baixada, duas semanas atrás, uma controvertida lei municipal em Nova York, punindo severamente, com penas de prisão, comerciantes que vendam bebidas alcoólicas a jovens de até 21 anos de idade.

Busca-se, com a medida, reduzir o número de acidentes de trânsito com vítimas fatais, a maior parte delas envolvendo adolescentes alcoolizados. Mas será que proibições desse tipo resolvem? Os norte-americanos têm experiência para dizer que não.

Ao contrário, o proibido acaba se tornando até mais estimulante e tentador. Nunca se bebeu tanto nos Estados Unidos, por exemplo, do que durante a vigência da Lei Seca, em fins dos anos 20. Foi quando a Máfia se locupletou, suprindo os antigos fabricantes oficiais, subitamente postos na ilegalidade.

O que se deveria fazer era uma intensa campanha de conscientização contra os excessos. O vício de beber é quase tão velho quanto o próprio homem. Não adiantou nada, por exemplo, Dracon ter mandado arrancar as vinhas de Atenas, ao tempo em que era o homem forte daquela cidade-Estado, cerca do ano 400 AC, buscando extirpar o mal pela raiz.

Melhor seria auscultar a sociedade para descobrir o que está acontecendo. O alcoolismo, quando atinge as atuais proporções registradas na União Soviética ou nos Estados Unidos, é sintoma de alguma grave doença social. Ela não seria, acaso, a insegurança quanto ao futuro, gerada pelo “equilíbrio do medo” em armas nucleares?

Coincidência ou não, dois dos países onde esse problema é mais grave são exatamente as superpotências, que no caso de uma guerra, ou até de um infeliz acidente, estarão irremediavelmente condenados a desaparecer do mapa. Improvável ou não tal conflito atômico, a simples possibilidade material dele acontecer, ou seja, a existência das armas que o podem deflagrar, já é algo aterrador.

E não há lei nenhuma capaz de apagar do comportamento humano o pânico, mesmo que reprimido (o que ainda é pior) e apenas manifestado por vários meios de fuga da realidade. Como esperar feitos miraculosos de uma geração criada em semelhantes circunstâncias?

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 10 de dezembro de 1985).


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