Alcoolismo e desespero
Pedro J. Bondaczuk
O alcoolismo é, hoje, um
dos maiores problemas internos que as autoridades soviéticas enfrentam.
Diariamente, em todo o país, milhões de operários faltam ao serviço em
decorrência do vício. As estatísticas de acidentes de trabalho demonstram que
boa parte das ocorrências que mutilam (e até matam) trabalhadores está ligada
ao álcool.
A
questão ganhou tamanhas proporções, que em maio, o atual dirigente, Mikhail
Gorbachev, adotou providências bastante enérgicas para coibir os excessos.
Implantou uma espécie de “mini lei seca” na União Soviética, fechando fábricas
clandestinas de vodca, aumentando o rigor nas punições por essas infrações e
lançando intensa campanha publicitária nos órgãos de imprensa, todos do Estado
(como, aliás, tudo naquele país) para evitar essa perda intolerável de horas
trabalhadas, e portanto, privar-se da geração de mais riquezas para o sistema.
Muita
gente pode atribuir esse amor excessivo ao álcool à falta de perspectiva de um
futuro do russo comum. É possível, embora esse não seja o único fator. Não é de
hoje que o povo daquele país tem esse problema, que vem de muito longe.
Provavelmente o clima extremamente rigoroso contribua, pelo menos na maior
parte, para que haja tantos viciados.
Praticamente
não existe um único conto ou romance célebres (e os escritores russos, mormente
os do passado, têm grande tradição de genialidade literária) em que não apareça
pelo menos um personagem ébrio. O pai dos famosos irmãos Karamazov é um exemplo
típico, celebrizado pela pena magistral do romancista Fedor Dostoiwski. Mesmo
Tolstoi, em “Guerra e Paz”, retrata um Pierre dado a excessos de bebida e isso
se repetiu, invariavelmente, com Gogol, Pushkin, Máximo Gorki e inúmeros outros
escritores.
Portanto,
o problema não é deste regime e muito menos exclusivamente soviético. Nos
Estados Unidos, todos sabem, o consumo do álcool é também dos mais expressivos.
Ao ponto de ter sido baixada, duas semanas atrás, uma controvertida lei
municipal em Nova York, punindo severamente, com penas de prisão, comerciantes
que vendam bebidas alcoólicas a jovens de até 21 anos de idade.
Busca-se,
com a medida, reduzir o número de acidentes de trânsito com vítimas fatais, a
maior parte delas envolvendo adolescentes alcoolizados. Mas será que proibições
desse tipo resolvem? Os norte-americanos têm experiência para dizer que não.
Ao
contrário, o proibido acaba se tornando até mais estimulante e tentador. Nunca
se bebeu tanto nos Estados Unidos, por exemplo, do que durante a vigência da
Lei Seca, em fins dos anos 20. Foi quando a Máfia se locupletou, suprindo os
antigos fabricantes oficiais, subitamente postos na ilegalidade.
O
que se deveria fazer era uma intensa campanha de conscientização contra os
excessos. O vício de beber é quase tão velho quanto o próprio homem. Não
adiantou nada, por exemplo, Dracon ter mandado arrancar as vinhas de Atenas, ao
tempo em que era o homem forte daquela cidade-Estado, cerca do ano 400 AC,
buscando extirpar o mal pela raiz.
Melhor
seria auscultar a sociedade para descobrir o que está acontecendo. O
alcoolismo, quando atinge as atuais proporções registradas na União Soviética
ou nos Estados Unidos, é sintoma de alguma grave doença social. Ela não seria,
acaso, a insegurança quanto ao futuro, gerada pelo “equilíbrio do medo” em
armas nucleares?
Coincidência
ou não, dois dos países onde esse problema é mais grave são exatamente as
superpotências, que no caso de uma guerra, ou até de um infeliz acidente,
estarão irremediavelmente condenados a desaparecer do mapa. Improvável ou não
tal conflito atômico, a simples possibilidade material dele acontecer, ou seja,
a existência das armas que o podem deflagrar, já é algo aterrador.
E
não há lei nenhuma capaz de apagar do comportamento humano o pânico, mesmo que
reprimido (o que ainda é pior) e apenas manifestado por vários meios de fuga da
realidade. Como esperar feitos miraculosos de uma geração criada em semelhantes
circunstâncias?
(Artigo
publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 10 de dezembro de
1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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