Sonho e ação
Pedro
J. Bondaczuk
O filósofo
norte-americano Will Durant afirma, em determinado trecho do seu livro
“Filosofia da vida” – que não me canso de citar pelo tanto de verdade e
sabedoria que contém – que “o homem começa com sonhos e chega ao fim com
sonhos, e quando deixa de sonhar recai na animalidade primitiva”. Nós todos
sonhamos, e o tempo todo, ora no período de oito horas de repouso noturno, ora
acordados, mediante nossos desejos, alcançáveis ou não. A acreditar no filósofo
(e não há motivos para não crer) sonhar é algo necessário, indispensável,
inerente á nossa condição humana, por nos impedir de recair na “animalidade
primitiva”.
Entre nossos tantos
sonhos, lembrados ou esquecidos, um se destaca: o de um mundo ideal, sem dores,
sofrimentos de quaisquer espécies, injustiças, violência, desigualdades e
tantas outras coisas ruins que não raro envenenam nossa vida. Não há quem nunca
não tenha idealizado uma sociedade em que tudo fosse perfeito e belo, em que o
medo, o egoísmo e a maldade não existissem. As diferenças (além das ditadas
pela imaginação de cada um) estão na forma com que as pessoas lidam com esses
sonhos.
Muitos – infelizmente a
maioria – se limitam a sonhar, sem nada fazer para tornar o que sonharam
concreto. Alguns, no entanto, embora cientes da impossibilidade de concretizar
“tudo” o que sonham, ainda assim tentam. E não apenas uma vez ou outra,
fortuita ou ocasionalmente, mas a vida toda. É verdade que não conseguem êxito
completo em suas tentativas, nessa empreitada que é sobre-humana e excede as
forças do mais forte dos fortes. Todavia, com a mera tentativa, conseguem
tornar o mundo pelo menos um pouquinho melhor, o que não deixa (convenhamos) de
ser importante ganho. E não apenas individual, para os que tentam, mas, sobretudo,
coletivo, para toda a humanidade. É a estes que gosto de chamar (por de fato
serem) de “gigantes da espécie”. Sua dimensão avantajada está não propriamente
no físico, mas na capacidade de persistir face todo e qualquer obstáculo.
Quanto ao comportamento
da maioria, que sonha sim (e muito), mas que se limita apenas a sonhar, Aldous
Huxley lembra que essas pessoas bem que gostariam de também agir, mas não o
fazem ou por medo, ou por indolência, ou por ignorância, ou por timidez, quando
não por tudo isso simultaneamente. Escreve, em um de seus livros (não me
recordo qual): “A maioria dos homens e mulheres leva uma vida tão sofredora em
seus pontos baixos e tão monótona em suas eminências, tão pobre e limitada, que
os desejos de fuga, os anseios para superar-se, ainda que por uns breves
momentos, estão e têm estado sempre entre os principais apetites da alma”. Ou
seja, estas pessoas “têm fome”, mas, estranhamente, “se deixam morrer de
inanição”. Querem agir, mas não sabem como. Algumas até agem, mas apenas por
certo tempo. Deixam de fazer-lo diante do primeiro obstáculo que encontram no
caminho. Falta-lhes a virtude da persistência (entre tantas outras).
Basicamente, todos nós,
sem exceção, temos uma série de defeitos e de fragilidades comuns à nossa
espécie. A diferença está no fato de que alguns conseguem corrigir os primeiros
e superar os segundos (ou pelo menos tentam fazê-lo), enquanto outros tantos
mantêm as coisas como são e sempre foram, achando que sejam normais ou
incorrigíveis. Relutamos em cumprir a “primeira lei da natureza”, ou seja,
conforme constatou Voltaire, o ato de perdoar, nos outros, as mesmas fraquezas
e vulnerabilidades que temos. A maioria não age assim. É sumamente severa e
crítica com as falhas alheias, mas complacente com as próprias.
Convivemos o tempo todo
com o medo que, quando moderado, é benigno mecanismo de alerta com que a
natureza nos dotou, para nos avisar de perigos que podem colocar em risco nossa
integridade e nossas vidas, mas, quando exacerbado, se torna implacável agente
de destruição. Pudera! Estamos em um mundo essencialmente incompreensível,
envolto em infinitos mistérios, sem sabermos, de fato, quem somos, por que
estamos aqui, para onde iremos (se é que iremos para algum lugar) após a morte,
etc.etc.etc. São questões que, mesmo que inconscientemente, nos inquietam e
apavoram.
O escritor sul-africano
Stuart Cloete aborda essa questão no seu excelente romance “Balada africana”,
ao colocar estas reflexões na boca de um dos seus personagens: “Nós temos medo
da vida; temos medo da morte. Procuramos apenas conforto, coisa que nada mais é
do que uma almofada entre o homem e a realidade. Não temos crenças. Tanto Deus,
como o diabo, são agora considerados mitos. Com eles, lá se foi até a idéia do
bem e do mal. Vivendo em cidades de aço e concreto, comendo alimentos
industrializados, nós tentamos erguer-nos acima da natureza, e passamos a
considerar-nos, de certo modo, superiores às leis que governam a vida. Um homem
não é mais vivo, nem menos vivo, do que um gerânio no seu vaso, sobre o
peitoril da janela; ou do que um elefante, nas florestas da África”.
Diante de tudo isso,
até para racionalizar o medo e torná-lo um pouquinho mais remoto e menos
onipresente na vida, é que recorremos aos sonhos. Mas com as diferenças de
atitude, em relação a eles, que citei no início destas reflexões. Ou seja, uns
conservam-nos para sempre no mero terreno da fantasia e da imaginação. Já os
“gigantes da espécie” agem na tentativa, talvez vã, de construírem um mundo
melhor. E você, precioso leitor, como age nessa questão? Ou sequer age?
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