Como
o Inferno de Dante
Pedro J. Bondaczuk
O Censo Penitenciário de 1994, que acaba de ser
divulgado, é um termômetro fiel da onda de violência que afeta o País. Revela,
entre outras coisas, que oitenta e oito pessoas em cada grupo de cem mil
habitantes do Brasil estão presas em algum dos quinhentos e onze
estabelecimentos penais existentes no território nacional.
São 129.169 detentos, a maioria em condições
sub-humanas, 42.954 dos quais encarcerados irregularmente. Enquanto há muita
gente atrás das grades indevidamente, esquecida pelo mundo por apresentar um
estado de miserabilidade tão grande a ponto de não poder pagar um advogado, há
bandidos perigosíssimos, que deveriam estar segregados do convívio social e
que, no entanto, por falta de vagas, estão à solta, pondo em risco nosso
patrimônio e nossa integridade física.
E não estamos nos referindo aos criminosos do
colarinho branco. Não aludimos, por exemplo, aos fraudadores do Sistema Único
de Saúde (SUS), que furtaram um mínimo de US$ 1,6 bilhão apenas este ano
(1994), em detrimento de hospitais e de instituições afins. Há, de acordo com o
referido Censo Penitenciário, 275 mil mandados de prisão expedidos, sem
condições de serem cumpridos. Este dado explica, pelo menos em parte, o clima
de insegurança reinante nas médias e grandes cidades do País. Como se vê, não é
apenas o Rio de Janeiro, a mercê dos narcotraficantes, que está a exigir
atenção especial neste aspecto.
Atualmente, são cometidos, em média, um milhão de
crimes por ano no Brasil. A maioria, 33%, refere-se a roubos, o que é reflexo
de uma crise que precisa ter um fim, para o bem de todos nós. O Censo
Penitenciário revelou, sobretudo, o quanto as pessoas pobres – que são 95% da população carcerária – estão abandonadas por quem deveria cuidar
delas.
O documento revela problemas humanos graves e
pungentes. De cada dez suicídios ocorridos no Brasil, um acontece em alguma
prisão. De cada 59 homicídios, um também se verifica no cárcere. Isto sem falar
de inúmeras doenças físicas e mentais que se registram atrás das grades.
Reza a doutrina penal que a privação da liberdade,
em decorrência de algum delito, deve ser um processo de reeducação do infrator,
para que possa voltar ao convívio social recuperado. Não se trata, pois, de
vingança contra aquele que delinqüiu. Ou pelo menos não deveria se tratar.
Mas o estado da absoluta maioria das penitenciárias,
prisões e cadeias públicas do País bem que mereceria ter a placa que havia na
entrada do "Inferno", criação da magistral pena de Dante Aligheri, em
sua "Divina Comédia" e que dizia: "Deixai aqui toda a esperança,
vós que adentrais por este portal".
Outra conclusão que se pode tirar do Censo refere-se
à falta que faz um investimento consistente e inteligente na educação. Quem não
tem a felicidade de se educar numa boa escola, acaba, quase sempre, segregado
da sociedade, numa prisão. Além de ser uma "solução" desumana, é
muito mais cara do que uma instrução de qualidade, democratizada e universal,
com professores bem remunerados e condições mínimas para um ensino moderno e
eficaz.
Uma vaga num estabelecimento prisional não sai por
menos de US$ 16 mil. E para quê? Para formar verdadeiros monstros, revoltados
com tudo e com todos, que passam a vida atrás das grades alimentando taras e
cultivando idéias de vingança.
Essas pessoas, quando saem do cativeiro, ou por
fugas, ou por cumprimento das penas, transformam-se em verdadeiras bombas
ambulantes, repletas de ódio, prestes a destruir o primeiro incauto que lhes
cruzar o caminho. De quem é a culpa? É um pouco de todos nós, que deixamos (por
ação ou por omissão) o País chegar à situação em que está.
(Artigo publicado na "Folha do Taquaral",
em 26 de novembro de 1994)
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