Monday, April 21, 2014

Infância da imortalidade

Pedro J. Bondaczuk

O tema que mais detesto abordar, mas que, paradoxalmente, é um dos quais mais vezes trouxe à baila, em meus textos, é o que se refere à morte. Sou um apaixonado pela vida, a despeito de tudo de ruim que somos forçados a encarar. Previno-me contra isso e busco valorizar o que de bom ela proporciona, como amor, amizade, bondade, solidariedade, beleza e vai por aí afora. Quem me conhece, ao menos minimamente, sabe que sou positivo, otimista, na maior parte do tempo bem-humorado e que, nos limites das possibilidades humanas, me considero feliz.

Tenho, óbvio, como todas as pessoas, meus momentos de tristezas, de angústias, de medo, de dúvidas, de saudades e até de ira. Afinal de contas, sou humano e assumo minha humanidade. Pudera! Não há outro jeito! Todavia, essas coisas ruins a que estamos sujeitos, essas reações negativas que temos a cada momento, são passageiras. Busco não acalentar ressentimentos, revanchismos e nem idéias de vingança. Não por me considerar ou ser virtuoso, o que estou longe de ser, mas por razões práticas e por considerar tudo isso perda de tempo. E este é o mais precioso capital que nós, animais frágeis, efêmeros e imperfeitos, temos.

Nos últimos dias, as mortes de três personalidades públicas – distintas quanto às profissões que exerciam, mas tendo em comum o fato de serem ultraconhecidas, por terem ao seu dispor poderosos veículos de comunicação – o ator José Wilker, o escritor Gabriel Garcia Marquez e o comunicador e empreendedor da área esportiva Luciano do Valle, induziram-me a abordar o tema, que tanto me incomoda e sobre o qual já tanto escrevi, em diversos textos. Como tantas e tantas pessoas, fiquei entristecido e comovido com esses eventos infaustos. De certa forma, todos os três influenciaram, de modos diferentes, a minha vida.

A morte é a condição mais democrática que há, porquanto não poupa ninguém: nem mendigos e nem reis, nem loucos e nem gênios, nem assassinos e nem santos. E, ainda assim, mesmo sabendo disso e tendo ciência de que um dia também morreremos, quando determinadas pessoas morrem, nos surpreendemos. Em nosso imaginário, temo-las como imortais. Claro que não são. Ninguém é. Trata-se, talvez, da única certeza que, se não temos, deveríamos ter. José Wilker, Gabriel Garcia Marquez e Luciano do Valle encerraram suas vidas como Confúcio, do alto da sua sabedoria, preconizou como sendo a maneira ideal: “Quando nascemos, todos riem e apenas nós choramos. Vivamos de forma tal que, ao morrermos, todos chorem e apenas nós venhamos a sorrir”. Não foi o que aconteceu com esses três?

Um gênio das letras, que morreu há muitos anos, em 1832, o alemão Johann Wolfgang Goethe, refletindo sobre a vida, constatou as nossas maiores dificuldades nesta jornada incerta, perigosa, aparentemente sem lógica e, no entanto fascinante. Escreveu: “De um modo geral, o homem tem que andar às apalpadelas; não sabe de onde veio, nem para onde vai, conhece pouco do mundo e menos ainda de si mesmo”. A despeito dessa instabilidade e de tão precário conhecimento, alguns fazem de suas vidas obras de arte. Ao encerrarem sua jornada sobre a Terra, podem dizer, convictos: “Vou descansar. Cumpri meu dever”. Poucos podem afirmar isso com convicção. Os três empreendedores, aos quais me refiro, poderiam.

Há quem entenda que se José Wilker, Gabriel Garcia Marquez e Luciano do Valle permanecessem vivos por mais algum tempo fariam mais do que fizeram. Quem pode saber? Quem tem condições de garantir? Óbvio que ninguém. Pode ser que fizessem e pode ser que terminassem suas vidas, como tantos e tantos empreendedores terminam: no ostracismo, esquecidos, abandonados e ressentidos sem que ninguém se lembre do que fizeram e por isso não os valorizem. Eles, pelo menos, morreram quando ainda estavam sob o foco da mídia. Doravante, apenas suas obras “falarão” por eles. Passou seu momento de agir. Goethe escreveu que “a vida é a infância da imortalidade”. Provavelmente, este será o destino das três personalidades cujas mortes todos choramos. Quando não julgamos prematuras.


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