Monday, April 21, 2014

São juras de um recém-convertido?


Pedro J. Bondaczuk


Os ditadores seriam figuras engraçadas, se não fossem trágicas. Seriam risíveis se suas mãos não estivessem manchadas de sangue dos seus adversários políticos e de todos os que ousam contestar o que eles entendem como "direito divino" ao poder. O atual presidente chileno, Augusto Pinochet, que governou seu país por 15 anos utilizando medidas de exceção, cuja polícia secreta deu sumiço num número ainda indeterminado (mas alto) de pessoas, que amordaçou a imprensa, que exilou cidadãos e praticou toda a sorte de arbitrariedades, fez, ontem, no Rotary Club, em Santiago, uma cândida declaração. Garantiu que a oposição não lhe faz justiça quando o chama de "ditador".

O que será que ele entende, pois, por ditadura? Há muita gente, inclusive experiente, com grande vivência no campo da análise política, caindo na esparrela de achar que subitamente o dirigente chileno sofreu uma extraordinária metamorfose. Que da noite para o dia, sem essa ou mais aquela, passou a crer na excelência da democracia. Argumentam, ingenuamente, que ele até suspendeu todos os instrumentos de repressão do regime e permitiu o regresso dos exilados ao país.

Só que, "estranhamente", quem sabe por uma "coincidência", ele fez tudo isso às vésperas do plebiscito de 5 de outubro próximo, quando vai disputar, como candidato único, mais um mandato de oito anos. A pergunta que os observadores mais argutos fazem se refere à eventualidade da vitória do "não" no referendo do mês que vem. O que Pinochet fará se isso acontecer? Vai respeitar a vontade do povo manifestada nas urnas? Vai "virar a mesa" e propor uma reforma na Constituição, que ele próprio elaborou (ou pelo menos participou de sua elaboração)? E essa não é uma possibilidade tão remota o quanto se pensa. É verdade que o presidente chileno obteve alguns êxitos econômicos, mérito que nem os mais ferrenhos dos seus opositores lhe negam. Mas a que preço? Teria valido a pena o sacrifício?

Quem assistiu o filme "Missing", do diretor Costa Gavras, vai entender a natural repulsa que um regime que age como esse agiu desperta nas pessoas que acreditam nos méritos da democracia. Não da apregoada pelos marxistas, que esta não passa de embromação. E muito menos da que Ferdinand Marcos, Baby Doc, Alfredo Stroessner e tantos outros vivem apregoando que implantaram em seus países. O fato de Pinochet promover um plebiscito não o guinda à posição de um democrata. O ex-mandatário filipino era useiro e vezeiro nesse expediente, até que o povo das Filipinas resolveu lhe dar um basta.

Bom seria se o presidente do Chile de fato se convertesse à democracia. Mas ele precisará mais, muito mais do que a adoção de duas ou três medidas de "abertura", tomadas às portas de uma eleição que ele não admite perder para convencer a opinião pública.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de setembro de 1988)


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