São
juras de um recém-convertido?
Pedro J. Bondaczuk
Os ditadores seriam figuras engraçadas, se não
fossem trágicas. Seriam risíveis se suas mãos não estivessem manchadas de
sangue dos seus adversários políticos e de todos os que ousam contestar o que eles
entendem como "direito divino" ao poder. O atual presidente chileno,
Augusto Pinochet, que governou seu país por 15 anos utilizando medidas de
exceção, cuja polícia secreta deu sumiço num número ainda indeterminado (mas
alto) de pessoas, que amordaçou a imprensa, que exilou cidadãos e praticou toda
a sorte de arbitrariedades, fez, ontem, no Rotary Club, em Santiago, uma
cândida declaração. Garantiu que a oposição não lhe faz justiça quando o chama
de "ditador".
O que será que ele entende, pois, por ditadura? Há
muita gente, inclusive experiente, com grande vivência no campo da análise
política, caindo na esparrela de achar que subitamente o dirigente chileno
sofreu uma extraordinária metamorfose. Que da noite para o dia, sem essa ou
mais aquela, passou a crer na excelência da democracia. Argumentam,
ingenuamente, que ele até suspendeu todos os instrumentos de repressão do
regime e permitiu o regresso dos exilados ao país.
Só que, "estranhamente", quem sabe por uma
"coincidência", ele fez tudo isso às vésperas do plebiscito de 5 de
outubro próximo, quando vai disputar, como candidato único, mais um mandato de
oito anos. A pergunta que os observadores mais argutos fazem se refere à
eventualidade da vitória do "não" no referendo do mês que vem. O que
Pinochet fará se isso acontecer? Vai respeitar a vontade do povo manifestada
nas urnas? Vai "virar a mesa" e propor uma reforma na Constituição,
que ele próprio elaborou (ou pelo menos participou de sua elaboração)? E essa
não é uma possibilidade tão remota o quanto se pensa. É verdade que o
presidente chileno obteve alguns êxitos econômicos, mérito que nem os mais
ferrenhos dos seus opositores lhe negam. Mas a que preço? Teria valido a pena o
sacrifício?
Quem assistiu o filme "Missing", do
diretor Costa Gavras, vai entender a natural repulsa que um regime que age como
esse agiu desperta nas pessoas que acreditam nos méritos da democracia. Não da
apregoada pelos marxistas, que esta não passa de embromação. E muito menos da
que Ferdinand Marcos, Baby Doc, Alfredo Stroessner e tantos outros vivem
apregoando que implantaram em seus países. O fato de Pinochet promover um
plebiscito não o guinda à posição de um democrata. O ex-mandatário filipino era
useiro e vezeiro nesse expediente, até que o povo das Filipinas resolveu lhe
dar um basta.
Bom seria se o presidente do Chile de fato se
convertesse à democracia. Mas ele precisará mais, muito mais do que a adoção de
duas ou três medidas de "abertura", tomadas às portas de uma eleição
que ele não admite perder para convencer a opinião pública.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 17 de setembro de 1988)
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