Raízes falsas do
preconceito racial
Pedro
J. Bondaczuk
A morte do
ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, ocorrida em 5 de dezembro de 2013,
aos 95 anos de idade, embora esperada dada sua avançada idade e seu estado de
saúde frágil e delicado, causou comoção em todo o mundo. Ensejou, entre tantas
outras coisas, trazer à baila um tema recorrente, sobre algo que desde sempre
existiu e que precisa ser erradicado por ser permanente foco de tensões e
violência. Trata-se do preconceito, sobretudo o racial, e sobre suas perversas
conseqüências, óbvio, interpretadas por muitos como sinônimas, mas que são
derivativos dessa “doença do espírito”: a discriminação e a segregação.
Sei que este é um
assunto dos mais batidos. Eu mesmo já tratei dele centenas de vezes. Todavia
entendo que deva estar permanentemente em evidência, não só nos meios de
comunicação, aproveitando as facilidades que a moderna tecnologia enseja, mas,
e principalmente, nas escolas, nas igrejas, nos lares e em todos os locais em
que ocorra o processo denominado de “Educação”. A informação, precisa, correta
e isenta, é a mais eficaz “vacina” contra esse mal que ainda está longe de ser
erradicado.
O falecido historiador
inglês Arnold Toynbee, entrevistado para o programa “Globo Repórter”, exibido
pela Rede Globo em 1° de janeiro de 1974, fez uma constatação que na época
pareceu sumamente pessimista, mas que era (e ainda é) a mais pura expressão da
realidade. Disse: “As conquistas tecnológicas e o desenvolvimento material do
homem foram imensos. Mas da maneira em que eu vejo, , e isto é muito
controvertido, nós não obtivemos qualquer conquista espiritual ou moral. O homem
pode passar sem tecnologia, mas não pode passar sem sociabilidade, porque é um
animal social ou não é nada. Ele deixa de ser humano. E é por isso, acho eu,
que nós estamos nesta grave crise, pelo que eu chamo de esforço moral. Por
força das conquistas tecnológicas que trazem poder para o bem ou para o mal. E
pela nossa regressão moral, causa de todos os nossos problemas atuais”.
Claro que concordo com
as colocações de Toynbee. Um dos tantos comportamentos nocivos que o homem
ainda não erradicou – aliás, parece estar anos-luz de distância de erradicar,
entra geração, sai geração – é o preconceito. Ou seja, é o costume de formar
juízo, sem nenhuma base em informações concretas ou dados reais, sobre alguém
ou algo, baseado só em “diferenças” que são apenas superficiais. O
preconceituoso (e é difícil identificar quem não é) tende a considerar o
“diferente” como “inferior”, chegando ao
extremo de tratá-lo como “não humano”. Isso é, grosso modo, em essência, o tal
do “preconceito”, ou seja, do conceito preconcebido, reitero, sem base alguma
na realidade e nem nos fatos. O diferencial mais das vezes utilizado para
preconceber juízo sobre determinada pessoa ou povo, considerando-o inferior e,
portanto, passivo da privação de direitos, inclusive os fundamentais, é o
racial, caracterizado quase que exclusivamente pela cor da pele. E às vezes,
nem isso, mas por suposta “pureza étnica” que, se existir, é raríssima.
Não sou eu que afirmo
isso. São os maiores especialistas no estudo do homem. Aliás, é uma conclusão a
que qualquer um de nós pode chegar facilmente, raciocinando com lógica. Pensem:
após tantos milênios da presença humana no Planeta (e ninguém é capaz de dizer
com exatidão quantos são, pois se desconhece quanto tempo nossa espécie
permaneceu privada da linguagem falada e principalmente escrita e, sobretudo,
de calendários) haveria a mais remota possibilidade de haver pessoas e,
sobretudo, povos “racialmente puros” com todas essas idas e vindas da História?
Duvido! E o que dizem os especialistas no assunto, ou seja, os geneticistas?
Qual o veredito desses doutos cientistas?
Em 1964, 22 dos maiores
especialistas das várias disciplinas que estudam o homem reuniram-se em Moscou
para analisar a questão da possibilidade de haver a tal “pureza racial” e se
há, biológica e espiritualmente, a mais remota possibilidade de existir
superioridade de uma (no caso, a branca) em relação às outras. Entre essas
personalidades do mundo científico, encontrava-se o brasileiro Francisco
Salzano. Foram realizadas conferências,
palestras, debates e todos os tipos de trocas de idéias, formais e/ou
informais. E ao final de vários dias de trabalhos, foi elaborado um documento
oficial para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco), patrocinadora do evento, sobre os aspectos biológicos da
questão racial.
O meticuloso relatório,
em resumo, concluiu o seguinte:
1°)
Todos os homens pertencem a uma única e mesma espécie, a “Homo Sapiens” e
provêm de uma origem comum. Quando e como os grupos humanos se diversificaram é
uma questão controversa;
2°)
As diferenças de constituição hereditária e a ação do meio ambiente sobre o
potencial genético determinam as diferenças biológicas entre os seres humanos.
A maior parte dessas diferenças se deve à intervenção dsesses dois fatores;
3°)
Cada povo representa uma grande diversificação genética. Não existe raça pura,
no sentido de povo geneticamente homogêneo;
4°)
Certos caracteres físicos têm um valor biológico universal e fundamental para a
sobrevivência do homem. As diferenças sobre as quais se baseiam as
classificações raciais não se referem a esses caracteres. Assim, não se pode
falar, biologicamente, de superioridade ou inferioridade de uma raça em relação
a outra;
5°)
Nunca foi provado que a mestiçagem é um inconveniente biológico;
6°)
Os fatores culturais que rompem as barreiras sociais e geográficos aumentam os
círculos de casamentos e agem, assim, sobre a estrutura genética dos povos;
7°)
Nenhum grupo nacional, religioso, geográfico,
lingüístico ou cultural constitui uma raça. O conceito de raça refere-se
apenas a fatores biológicos;
8°)
Os povos parecem dispor hoje de iguais potencialidades biológicas para atingir
qualquer nível de civilização. As diferenças entre as realizações de diversos
povos talvez sejam explicadas inteiramente por sua história cultural.
Quanto às
potencialidades hereditárias, no que se refere à inteligência global e às
capacidades de desenvolvimento cultural, estas não permitem justificar o
conceito de raças “superiores” e “inferiores”. A “pureza racial” é, pois,
balela. O que há são diferenças externas no que se refere à cor da pele, dos
olhos e dos cabelos e no formato do rosto. Nada disso caracteriza, todavia,
“raça”. E para mim (e para esse grupo de cientistas) existe apenas uma única: a
humana. O mais... é fruto de explícita ignorância ou coisa pior. Voltarei,
certamente, ao assunto, infelizmente polêmico, mas que não deveria ser.
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