Maus exemplos frutificam
Pedro J.
Bondaczuk
O cisma provocado, ontem, pelo arcebispo dissidente
francês, Marcel Lefébvre, embora lamentável (todas as brigas em família são),
não chega a se constituir em nenhuma tragédia ou sequer num fato novo. Outras situações
semelhantes, ou até mesmo mais graves, verificaram-se no passado e,
provavelmente, voltarão a ocorrer no futuro. Isto, claro, se nenhuma hecatombe
vier a eliminar a vida da face da Terra (já que esta não é uma possibilidade
tão remota como muitos pensam).
O prelado em questão está no seu
direito ao querer fundar uma nova religião. Só que, para isso, não pode enganar
as pessoas dizendo pertencer a outra crença, àquela que abjurou. Todas as
instituições têm uma escala hierárquica e um conjunto de regras, quer sejam de
caráter religioso, quer secular. Quem se liga a elas (pelo menos se presume)
está aceitando, implícita ou tacitamente, os seus regulamentos.
O mesmo aconteceu um dia com
Lefébvre. Ao ingressar em um seminário, para se preparar para o sacerdócio,
tomou ciência da escala hierárquica da Igreja. Sabia que um bispo, por exemplo,
estava um degrau acima do padre, que um arcebispo tinha ascendência sobre o
bispo e assim por diante, até chegar ao topo da pirâmide, ao papa.
Aprendeu que os concílios podiam
legislar em questões de dogma e até que um grupo de católicos, por não
concordar com as determinações de um deles, no caso, o Vaticano I, havia se
desligado da Igreja de Roma, em 1870. Desses dissidentes, nunca mais se ouviu
falar. O mesmo deve ocorrer com o seu movimento tradicionalista. Pelo menos, é
o que se prevê.
Do ponto de vista do Papa, é
claro que ele lamenta o que ocorreu com Lefébvre e seus seguidores. E nem
poderia ser diferente. Mas, analisando friamente, conclui-se que o que
aconteceu foi determinado clérigo se julgar especialmente “iluminado”, acima do
bem e do mal, a ponto de fundar uma nova religião, por sua conta e risco.
Reitere-se, isto sempre
aconteceu, e vai continuar acontecendo em profusão, enquanto houver um homem
vivo sobre a face da Terra. Seitas nascem, praticamente, todos os dias, nos
mais diferentes lugares do mundo, como há, também, as que se extinguem,
praticamente sem deixar vestígios da sua existência, por falta de uma mensagem
coerente e atrativa e, principalmente, por ausência de fiéis.
Se isto vai, também, acontecer,
ou não, com o novo credo que o arcebispo francês acaba de oficializar, em
Econe, na Suíça, só o tempo vai mostrar. Seu ato, contudo, plantou, no interior
da sua própria instituição, uma semente que pode conduzir à sua destruição.
Da mesma forma que Lefébvre se
julgou no direito de desafiar um superior4 hierárquico agora, no futuro (se
remoto ou próximo é impossível de saber) alguém, do seu movimento, poderá fazer
o mesmo e se insurgir contra alguma determinação sua, ou de seus sucessores
(afinal, o clérigo está com 84 anos) e criar, por sua vez, a sua própria seita.
Nada é mais precioso e mais
duradouro, principalmente num líder, do que o exemplo. Um único deles vale mais
do que um bilhão de palavras. E se o que for deixado para os liderados for
baseado no erro, mais cedo ou mais tarde este será repetido por centenas,
milhares ou quiçá milhões de prosélitos, levando a seita à destruição.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 1º
de julho de 1988).
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