Friday, April 25, 2014

Maus exemplos frutificam


Pedro J. Bondaczuk


O cisma provocado, ontem, pelo arcebispo dissidente francês, Marcel Lefébvre, embora lamentável (todas as brigas em família são), não chega a se constituir em nenhuma tragédia ou sequer num fato novo. Outras situações semelhantes, ou até mesmo mais graves, verificaram-se no passado e, provavelmente, voltarão a ocorrer no futuro. Isto, claro, se nenhuma hecatombe vier a eliminar a vida da face da Terra (já que esta não é uma possibilidade tão remota como muitos pensam).

O prelado em questão está no seu direito ao querer fundar uma nova religião. Só que, para isso, não pode enganar as pessoas dizendo pertencer a outra crença, àquela que abjurou. Todas as instituições têm uma escala hierárquica e um conjunto de regras, quer sejam de caráter religioso, quer secular. Quem se liga a elas (pelo menos se presume) está aceitando, implícita ou tacitamente, os seus regulamentos.

O mesmo aconteceu um dia com Lefébvre. Ao ingressar em um seminário, para se preparar para o sacerdócio, tomou ciência da escala hierárquica da Igreja. Sabia que um bispo, por exemplo, estava um degrau acima do padre, que um arcebispo tinha ascendência sobre o bispo e assim por diante, até chegar ao topo da pirâmide, ao papa.

Aprendeu que os concílios podiam legislar em questões de dogma e até que um grupo de católicos, por não concordar com as determinações de um deles, no caso, o Vaticano I, havia se desligado da Igreja de Roma, em 1870. Desses dissidentes, nunca mais se ouviu falar. O mesmo deve ocorrer com o seu movimento tradicionalista. Pelo menos, é o que se prevê.

Do ponto de vista do Papa, é claro que ele lamenta o que ocorreu com Lefébvre e seus seguidores. E nem poderia ser diferente. Mas, analisando friamente, conclui-se que o que aconteceu foi determinado clérigo se julgar especialmente “iluminado”, acima do bem e do mal, a ponto de fundar uma nova religião, por sua conta e risco.

Reitere-se, isto sempre aconteceu, e vai continuar acontecendo em profusão, enquanto houver um homem vivo sobre a face da Terra. Seitas nascem, praticamente, todos os dias, nos mais diferentes lugares do mundo, como há, também, as que se extinguem, praticamente sem deixar vestígios da sua existência, por falta de uma mensagem coerente e atrativa e, principalmente, por ausência de fiéis.

Se isto vai, também, acontecer, ou não, com o novo credo que o arcebispo francês acaba de oficializar, em Econe, na Suíça, só o tempo vai mostrar. Seu ato, contudo, plantou, no interior da sua própria instituição, uma semente que pode conduzir à sua destruição.

Da mesma forma que Lefébvre se julgou no direito de desafiar um superior4 hierárquico agora, no futuro (se remoto ou próximo é impossível de saber) alguém, do seu movimento, poderá fazer o mesmo e se insurgir contra alguma determinação sua, ou de seus sucessores (afinal, o clérigo está com 84 anos) e criar, por sua vez, a sua própria seita.

Nada é mais precioso e mais duradouro, principalmente num líder, do que o exemplo. Um único deles vale mais do que um bilhão de palavras. E se o que for deixado para os liderados for baseado no erro, mais cedo ou mais tarde este será repetido por centenas, milhares ou quiçá milhões de prosélitos, levando a seita à destruição.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 1º de julho de 1988).


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