Considerações
sobre a inocência
Pedro J. Bondaczuk
A inocência é um dos temas que
mais me fascinam e sobre o qual não me canso de escrever, embora não tenha,
ainda, opinião definitiva formada a propósito. Aqui não me refiro, observe-se,
ao significado usual, o mais comum, dessa palavra, ou seja, à ausência de culpa
em algum ato que tenhamos praticado que possa ser caracterizado como infração
às leis, ou à moral ou aos bons costumes ou à honestidade etc.etc.etc. em
nossos relacionamentos pessoais e/ou sociais. Quando trato deste assunto, estou
pensando em outra coisa. Penso, sobretudo, em determinada atitude, que é a que
procuro adotar em relação a amigos, inimigos e estranhos, não importa.
Ser inocente, para mim, enfatizo,
não é ser ingênuo como muitos desavisados podem pensar e de fato pensam.
Inocência e ingenuidade são não só duas palavras distintas e não sinônimas.
São, principalmente, “atitudes” diversas. Ser inocente, na minha concepção, é
jamais agir com malícia e segundas intenções, mesmo que, inadvertidamente,
venhamos a desagradar e até a ofender terceiros. Em vez de eventual deficiência, portanto, ela
se constitui na mais clara manifestação de sabedoria e bom senso. Para o poeta
realista espanhol do século XIX, Ramón Campoamor y Campoosório, ela é algo
ainda mais precioso. “A inocência é a saúde da alma; a do corpo é a alegria”.
O poeta, ensaísta e
filólogo italiano Giácomo Leopardi pensava, a esse propósito, mais ou menos o
que penso. Ele escreveu, a respeito: “Entendo por inocente não aquele que é
incapaz de pecar, mas o que peca sem remorsos”. Destaco que esse ilustre
escritor viveu no século XVIII. Nada no mundo, para mim, pode ser
mais gratificante do que o fato de ser considerado “precioso” (se possível
indispensável) por alguém, mas exclusivamente por meus méritos pessoais
(supondo ou presumindo que os tenha). Esta é, na minha visão, a verdadeira
grandeza pela qual vale a pena lutar. Para tanto, porém, é necessário que
conservemos a inocência das crianças.
O psicólogo, psicoterapeuta e
psicanalista português Eduardo Sá escreveu a respeito: “Ser inocente é ter um
olhar longo e aberto... É estar, ombro a ombro, com todo o universo e ser
grande, ter brilho e voz (e vida) só porque se é precioso para alguém... Talvez
por isso, só os sábios sejam inocentes”. É... talvez... Há, porém, quem negue
que no mundo violento, injusto e contraditório em que vivemos, haja, ou algum
dia tenha havido, pessoas com essa característica. É o caso do escritor e
jornalista sueco, Dagerman Stig, que escreveu: “Não há inocentes; só aqueles
que ainda não nasceram ou os que já estão mortos podem aspirar à inocência”. Bem, no seu caso, é preciso dar um desconto. Afinal, o jornalista, por
lidar com tanta informação sobre maldade, vício, corrupção, violência, sofrimento
e tudo o que de ruim se possa imaginar que integra a natureza deste animal que
pensa, tende a ser ou a se tornar cético com o tempo. Não sei se é o caso de
Dagerman. Presumo que sim.
Todavia seu conterrâneo, o
dramaturgo Johan August Strindberg, pensava diferente. Para ele, “somos
inocentes, mas responsáveis. Inocentes perante aquele que já não existe,
responsáveis perante nós próprios e os nossos semelhantes” Só não concordo com
a generalização. Nem todos têm a característica da inocência. Há
pessoas que parecem já ter nascido maliciosas. Aliás, atrevo-me a dizer que a
imensa maioria não é nem um pouco inocente. Antes fosse. O mundo, com certeza,
seria bem melhor do que é.
Estou mais propenso a concordar
com o dramaturgo e escritor austríaco, Hugo Laurenz August Hofmann Edler Hofmannsthal, que
escreveu, na sua obra mais célebre, “O livro dos amigos”: “Em cada pessoa mora
uma inocência própria”. Ou seja, a pureza, intensidade e
assiduidade dessa característica varia de indivíduo para indivíduo, de acordo
com sua personalidade, formação e, principalmente, conforme suas circunstâncias
pessoais.
Entre todas as opções que citei –
e poderia citar dezenas de outras – a que mais se aproxima do que penso a
respeito é a do psicanalista português Eduardo Sá. A de que “talvez só os
sábios sejam inocentes” Afinal, são
seres preciosos para o mundo, mas pelo que “são”, sem máscaras, enganos ou
exageros, e não pelo que eventualmente “têm”. Até porque sempre entendi, desde
que me conheço por gente, que essa noção de propriedade, dogma intocável do ser
humano, é tão absurda que beira o surreal. Queiram ou não, admitam ou
contestem, a realidade nua e crua é que não somos proprietários de
absolutamente nada. Temos, apenas, (e isso quando temos) posse transitória das
coisas> Mas só enquanto estivermos vivos. Não me consta que depois de
mortos, as bugigangas a que demos tanto valor, sacrificando, não raro, amores e
amizades, nos sirvam para alguma coisa. Não servem! Enfim...
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