O outro lado do Real
Pedro J. Bondaczuik
O
programa de estabilização econômica, implantado pelo presidente Fernando
Henrique Cardoso quando ainda era o ministro da Fazenda no governo Itamar
Franco, conhecido como "Plano Real", completou, neste mês, o terceiro
aniversário. É inegável que a medida foi um sucesso no sentido de derrubar uma
inflação que chegou a 84% mensais para algo em torno de 7% ao ano.
Para
os padrões do Primeiro Mundo, a taxa ainda é muito alta, mas não para os brasileiros. A propaganda institucional do
Planalto pela televisão enfatiza que o maior feito do programa foi o de colocar
mais comida na mesa do trabalhador. Foi o de permitir à população de baixa
renda poder comer carne todos os dias, por exemplo.
A
afirmação, no entanto, é apenas parcialmente verdadeira. Se é verdade que a
inflação --- que é o mais perverso dos impostos, por transferir renda dos
pobres para os ricos --- deixou de corroer os salários, não é menos real que,
por falta de medidas complementares, a taxa de desemprego cresceu a um nível
intolerável. Só na Grande São Paulo, mais de um milhão de pais de família não
contam com qualquer remuneração para o sustento dos seus.
Se
antes esse trabalhador não podia pôr mais comida na mesa (e punha cada vez
menos dada a corrosão salarial de 2% ao dia), hoje não pode pôr nenhuma, por
falta de qualquer remuneração. Claro que isso não invalida o sucesso do Real,
mas torna-o apenas parcial, na medida em que a política econômica em vigor
beneficia apenas os que conseguiram manter seus cargos, sabe-se lá à custa de
quantas concessões.
Sempre
que o tema desemprego vem à baila, o argumento mais do que certo apresentado
pelos governistas é o de que este é um fenômeno mundial, em uma economia
crescentemente globalizada. É verdade. Contudo, o País tem um potencial imenso
para crescer, à espera de coragem dos seus líderes políticos em levantar a
bandeira do crescimento.
Ademais,
os europeus e os Estado Unidos contam com eficientes mecanismos de proteção
social que amparam os desempregados e impedem que seu padrão de vida despenque
para a miserabilidade. Isso não ocorre com o Brasil.
O
sucesso do Real, em domar a inflação, deve, sim, ser comemorado. E a meta
inflacionária deve ser baixada cada vez mais, para no máximo 2% ao ano,
digamos. Isto não quer dizer, contudo, que se deva contentar só com o que já se
conseguiu. Afinal, o mundo é dos insatisfeitos, dos que buscam ultrapassar seus
limites e querem sempre evoluir, melhorar, aperfeiçoar.
O
saudoso presidente eleito (que não teve sequer tempo para tomar posse),
Tancredo Neves, disse, certa ocasião, em um discurso: "Enquanto houver
nesse país um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a
prosperidade será falsa". Este é o desafio para Fernando Henrique em seu
novo mandato (se o conseguir) ou de seu eventual sucessor.
(Texto
escrito em 2 de julho de 1997 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).
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