Saturday, April 12, 2014

O outro lado do Real


Pedro J. Bondaczuik


O programa de estabilização econômica, implantado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso quando ainda era o ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, conhecido como "Plano Real", completou, neste mês, o terceiro aniversário. É inegável que a medida foi um sucesso no sentido de derrubar uma inflação que chegou a 84% mensais para algo em torno de 7% ao ano.

Para os padrões do Primeiro Mundo, a taxa ainda é muito alta, mas não para os  brasileiros. A propaganda institucional do Planalto pela televisão enfatiza que o maior feito do programa foi o de colocar mais comida na mesa do trabalhador. Foi o de permitir à população de baixa renda poder comer carne todos os dias, por exemplo.

A afirmação, no entanto, é apenas parcialmente verdadeira. Se é verdade que a inflação --- que é o mais perverso dos impostos, por transferir renda dos pobres para os ricos --- deixou de corroer os salários, não é menos real que, por falta de medidas complementares, a taxa de desemprego cresceu a um nível intolerável. Só na Grande São Paulo, mais de um milhão de pais de família não contam com qualquer remuneração para o sustento dos seus.

Se antes esse trabalhador não podia pôr mais comida na mesa (e punha cada vez menos dada a corrosão salarial de 2% ao dia), hoje não pode pôr nenhuma, por falta de qualquer remuneração. Claro que isso não invalida o sucesso do Real, mas torna-o apenas parcial, na medida em que a política econômica em vigor beneficia apenas os que conseguiram manter seus cargos, sabe-se lá à custa de quantas concessões.

Sempre que o tema desemprego vem à baila, o argumento mais do que certo apresentado pelos governistas é o de que este é um fenômeno mundial, em uma economia crescentemente globalizada. É verdade. Contudo, o País tem um potencial imenso para crescer, à espera de coragem dos seus líderes políticos em levantar a bandeira do crescimento.

Ademais, os europeus e os Estado Unidos contam com eficientes mecanismos de proteção social que amparam os desempregados e impedem que seu padrão de vida despenque para a miserabilidade. Isso não ocorre com o Brasil.

O sucesso do Real, em domar a inflação, deve, sim, ser comemorado. E a meta inflacionária deve ser baixada cada vez mais, para no máximo 2% ao ano, digamos. Isto não quer dizer, contudo, que se deva contentar só com o que já se conseguiu. Afinal, o mundo é dos insatisfeitos, dos que buscam ultrapassar seus limites e querem sempre evoluir, melhorar, aperfeiçoar.

O saudoso presidente eleito (que não teve sequer tempo para tomar posse), Tancredo Neves, disse, certa ocasião, em um discurso: "Enquanto houver nesse país um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a prosperidade será falsa". Este é o desafio para Fernando Henrique em seu novo mandato (se o conseguir) ou de seu eventual sucessor.

(Texto escrito em 2 de julho de 1997 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).
  

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