Consequências hediondas
do preconceito
Pedro
J. Bondaczuk
O preconceito, ou seja,
o juízo preconcebido sobre algo ou alguém, sem que seja fruto do pleno
conhecimento de causa, não é somente o racial, embora este seja o mais comum e
o que mais desgraças e violências trouxe à humanidade no curso da sangrenta e
nada louvável História da nossa espécie. Ele também se manifesta em relação,
por exemplo, ao gênero, à religião, à
opção sexual etc.etc.etc. e até a deficiências físicas e/ou mentais, como se
quem é seu portador tenha culpa de ser marcado pela natureza ou pelas
circunstâncias. O preconceituoso, claro, nega enfaticamente que pense ou que se
comporte dessa maneira.
Em tempos ainda
recentes, por exemplo, pessoas que tinham qualquer espécie de problema
orgânico, desde que minimamente visível – um pé torto, ou orelhas avantajadas,
ou obesidade (o que é a cada dia mais comum), ou outras características
quaisquer consideradas “anormais” – eram discriminadas. Na verdade, ainda são,
e em diversos círculos, mesmo que de forma menos ostensiva. O que é o tal do
“bullyng” se não uma demonstração ostensiva de preconceito?! E é praticado por
adolescentes, o que demonstra que esta “doença do espírito” é passada,
infelizmente, de geração a geração
Não era raro ocorrer (e
temo que, com todo o nível de informação e de conscientização existente, ainda
não o seja), em conversas entre “comadres”, (via de regra caracterizadas pelo
que se denomina, popularmente, de “fofocas”, eivadas de maledicências mil sobre
a vida alheia), diálogos mais ou menos como este:
“-Fulana,
coitada, passa um cortado com o filho aleijado. É uma desgraça! Que futuro esse
garoto pode ter? Nenhum!
-Ah,
mas isso é castigo de Deus. Antes de casar, ela era uma galinha daquelas!”. E
vai por aí afora...
Espera lá, castigo?!!!
E ainda por cima, divino?!!! E voltado a inocente?!!! Ora, ora, ora. É
puríssimo preconceito, fruto de suprema ignorância. E não estou inventando
nada. Já testemunhei diálogo mais ou menos como este que descrevi, e até muito
piores. Conheço um caso, bem mais grave do que o da fofoca das comadres,
ocorrido com um amigo que, por causa da paralisia infantil, tem dificuldades de
locomoção e caminha com o auxílio de muletas. Trata-se de pessoa sumamente
preparada, culta e determinada. Considero-o, sem favor algum, um “gênio”, o que
se conclui facilmente convivendo com ele.
Pois bem, esse amigo
perdeu o emprego, num dos tantos planos econômicos que comprometeram a economia
do País, a pretexto de serem “salvadores”. O fato ocorreu há quase quarenta
anos. Na ocasião, não havia ainda a tal cota para deficientes nas empresas.
Este meu amigo, por indicação de outros, soube que determinada indústria (que
eu deveria identificar, mas não vou) precisava de um funcionário para seu setor
de compras. Incontinenti, inscreveu-se para um teste, de olho na vaga. Na hora
da entrevista, foi chamado à seção pessoal. “Pronto, estou empregado”,
raciocinou. Contudo... teve que ouvir esta barbaridade: “Seu teste foi
perfeito, você preenche todos os requisitos para a função, mas... Infelizmente,
não iremos contratá-lo. Você quebraria a ‘estética’ do escritório”. Juro que
esse absurdo ocorreu de fato, paciente e provavelmente abismado leitor, por
incrível que pareça. Hoje não creio que isso pudesse acontecer, embora não
coloque minha mão no fogo.
Mas para muitos,
inclusive para parentes (e alguns deles muito próximos), o deficiente ainda é
encarado como inútil, como estorvo, como peso morto para a família e a
sociedade. Essas mentes tacanhas são incapazes de compreender que pessoas
nessas condições, desde que convenientemente educadas, amparadas e, sobretudo,
desde que tenham as devidas oportunidades de mostrar o quanto sabem e podem,
tendem a levar (e levam) vidas absolutamente normais. Trabalham, produzem,
praticam esportes (participam, inclusive, de olimpíadas), constituem família,
geram filhos, criam-nos etc.etc.etc. Ademais, os tacanhos e preconceituosos não
se dão conta que podem, um dia, por um acaso qualquer, assumir a mesma condição
que consideram de inutilidade. Podem sofrer, por exemplo, algum acidente,
sobretudo automobilístico (o que é, desgraçadamente, bastante comum) que lhes
dificulte, ou lhes tolha por completo os movimentos. Ou podem ter alguma doença
que produza idênticos resultados. Ou podem perder, quando menos esperarem, a
visão ou a audição. E da noite para o dia, sem aviso prévio (estas coisas não
se avisam: são imprevisíveis) podem ostentar a condição de deficientes que
tanto discriminavam. Mas sua ignorância não lhes permite ter essa espécie de
raciocínio.
Em relação a doentes
mentais, então, as coisas – se ainda não
são ideais, ou mesmo racionais – já foram piores, infinitamente piores. Os
chamados “loucos” eram encarados como “endemoniados”, possuídos não apenas por
um, mas por vários “demônios” (e isso até há pouquíssimo tempo) e tinham muita
sorte quando conseguiam ser “apenas” confinados a manicômios, literais “casas
dos horrores” (e a maioria ainda o é), onde eram (e muitos ainda são)
torturados, a pretexto de serem tratados, mediante eletrochoques e outras
atrocidades e, em casos, extremos, submetidos a lobotomias. Ainda hoje, quem é
diagnosticado com alguma doença mental, mesmo que curável, tem morte social
literalmente decretada. Ninguém mais os leva a sério a partir de então, mesmo
quando, ou se, recebem alta. Salvo raríssimas exceções, não conseguem emprego
em lugar algum, nem em funções que não requeiram raciocínio.
Em um passado, não
muito remoto, porém, muitos, muitíssimos (quase a totalidade) eram simplesmente
linchados e mortos a pauladas por turbas fanatizadas e ensandecidas, elas sim
loucas perigosas, como se fossem feras que devessem ser eliminadas, a pretexto
da “expulsão de demônios”. Exagero meu? O leitor sabe muito bem que não. É a
seres que agem assim que se classifica como membros da espécie “Homo
Sapiens”?!!!. Acho mais adequada, porém, outra classificação, a do notável
sociólogo francês Edgar Morin: “Homo Demens”. E não é?!
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