Sunday, April 06, 2014

Desdolarização da economia



Pedro J. Bondaczuk


O recém-empossado presidente peruano, Alan Garcia Perez, na primeira providência tomada dois dias após a sua ascensão ao poder, determinou, ontem, o fechamento de todos os bancos do país, por 48 horas, para tentar conter uma intensa evasão de divisas gerada pelo anúncio de seu plano econômico, que visa à desdolarizar a economia do Peru.

Mas, se no plano interno, essa é a medida de maior impacto, no externo, a fórmula apresentada por ele para os países endividados tratarem com os credores vem tirando o sono de muita gente. Dos banqueiros e governos que têm dinheiro a receber, claro.

Desde quando o Tribunal Eleitoral peruano declarou o jovem político aprista como o vencedor das eleições presidenciais, Alan Garcia vem prometendo endurecer com o FMI, falar grosso com os banqueiros e estancar a deterioração econômica do seu país. A princípio, suas declarações foram encaradas como mera empolgação de principiante. Nos dois meses anteriores à posse, contudo, o novo presidente continuou reafirmando sua firme oposição à tutela do Fundo Monetário Internacional que, no seu entender, reduz as combalidas economias dos infelizes devedores a farrapos.

Os defensores da organização multilateral, fazendo o jogo dos banqueiros (que não deixam de ter parcela de culpa ao emprestarem dinheiro a quem não tinham certeza que poderiam pagar) costumam, geralmente, apresentar como provas da eficiência da política, dita saneadora, do FMI, os exemplos da França e de Portugal.

Não nos consta, porém, que esses países tenham recorrido aos préstimos da entidade. Ou que estejam asfixiados por dívidas de proporções mastodônticas, como as da América Latina. Nem que tenham urgência de criar milhares de empregos, quase a cada dia, para absorverem crescentes levas de jovens que atingem a idade de trabalhar.

A França, por exemplo, está entre as quatro potências econômicas mundiais. Sua legislação social é das mais avançadas do mundo e o seguro-desemprego permite que o país aplique políticas recessivas, sempre que a inflação ameace aumentar, sem maiores conseqüências sociais.

O mesmo não se pode dizer dos países da América Latina. Eles encontram-se, ainda, no estágio pré-industrial (quando as sociedades mais avançadas já estão pelo menos três etapas à frente, vivendo as delícias da era do consumismo).

Até antes do massivo endividamento da década passada, crescer, para essa região, significava uma meta. Hoje, com a dona cegonha trabalhando ativamente, numa taxa de incremento populacional média que anda ao redor de 3%, se tornou questão de vida e morte.

Que presidente, em sã consciência, obterá o respaldo da população do seu país se vier a público com propostas de recessão indefinida, sob o pretexto de sanear a economia nacional? E, o que é pior, para pagar dívidas contraídas sem o consentimento do povo? Nem as ditaduras resistiram a tentativas dessa espécie.

Aliás, a maior parte dessa “megadívida” foi gerada no período de 1974 a 1980, quando os dois choques provocados pelas crises do petróleo criaram incríveis excedentes de divisas em países que não sabiam o que fazer com tantos dólares. Foi quando alguém teve a “brilhante” idéia de impingi-los, em condições leoninas (em favor do credor, é claro) às ditaduras da América Latina.

O curioso é que, à exceção do México, os tomadores desses empréstimos foram todos regimes impostos à força, a maior parte deles com deprimentes retrospectos de desrespeito aos direitos humanos. O que faz nascer uma suspeita no observador: a de que, para os ávidos banqueiros, a democracia não é lá muito atrativa, especialmente em países do Terceiro Mundo.

A proposta de Alan Garcia, de pagamento da dívida do Peru apenas até um montante de 10% de suas exportações, pode não ser atrativa para os credores, mas é uma solução bastante realista, mais do que muitos estejam dispostos a admitir. Torna prejudicial, para os países industrializados, as múltiplas práticas protecionistas que eles adotam atualmente.

Afinal, quanto menores forem as vendas externas dos endividados, menos dinheiro eles também receberão a cada ano. Por isso, não será muito prudente sobretaxar produtos originários do Terceiro Mundo apenas para se proteger algumas indústrias decadentes internas, como é feito hoje em dia.

Esse assunto, anotem, ainda vai gerar muito comentário. E a proposta de Alan Garcia pode abrir caminho para práticas idênticas por parte do Brasil, da Argentina e do México. Aliás, é exatamente isso que está tirando o sono dos banqueiros.
    
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 31 de julho de 1985)


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