Desdolarização
da economia
Pedro J. Bondaczuk
O recém-empossado presidente peruano, Alan Garcia
Perez, na primeira providência tomada dois dias após a sua ascensão ao poder,
determinou, ontem, o fechamento de todos os bancos do país, por 48 horas, para
tentar conter uma intensa evasão de divisas gerada pelo anúncio de seu plano
econômico, que visa à desdolarizar a economia do Peru.
Mas, se no plano interno, essa é a medida de maior
impacto, no externo, a fórmula apresentada por ele para os países endividados
tratarem com os credores vem tirando o sono de muita gente. Dos banqueiros e
governos que têm dinheiro a receber, claro.
Desde quando o Tribunal Eleitoral peruano declarou o
jovem político aprista como o vencedor das eleições presidenciais, Alan Garcia
vem prometendo endurecer com o FMI, falar grosso com os banqueiros e estancar a
deterioração econômica do seu país. A princípio, suas declarações foram
encaradas como mera empolgação de principiante. Nos dois meses anteriores à
posse, contudo, o novo presidente continuou reafirmando sua firme oposição à
tutela do Fundo Monetário Internacional que, no seu entender, reduz as
combalidas economias dos infelizes devedores a farrapos.
Os defensores da organização multilateral, fazendo o
jogo dos banqueiros (que não deixam de ter parcela de culpa ao emprestarem
dinheiro a quem não tinham certeza que poderiam pagar) costumam, geralmente,
apresentar como provas da eficiência da política, dita saneadora, do FMI, os
exemplos da França e de Portugal.
Não nos consta, porém, que esses países tenham
recorrido aos préstimos da entidade. Ou que estejam asfixiados por dívidas de
proporções mastodônticas, como as da América Latina. Nem que tenham urgência de
criar milhares de empregos, quase a cada dia, para absorverem crescentes levas
de jovens que atingem a idade de trabalhar.
A França, por exemplo, está entre as quatro
potências econômicas mundiais. Sua legislação social é das mais avançadas do
mundo e o seguro-desemprego permite que o país aplique políticas recessivas, sempre
que a inflação ameace aumentar, sem maiores conseqüências sociais.
O mesmo não se pode dizer dos países da América
Latina. Eles encontram-se, ainda, no estágio pré-industrial (quando as
sociedades mais avançadas já estão pelo menos três etapas à frente, vivendo as
delícias da era do consumismo).
Até antes do massivo endividamento da década
passada, crescer, para essa região, significava uma meta. Hoje, com a dona
cegonha trabalhando ativamente, numa taxa de incremento populacional média que
anda ao redor de 3%, se tornou questão de vida e morte.
Que presidente, em sã consciência, obterá o respaldo
da população do seu país se vier a público com propostas de recessão
indefinida, sob o pretexto de sanear a economia nacional? E, o que é pior, para
pagar dívidas contraídas sem o consentimento do povo? Nem as ditaduras
resistiram a tentativas dessa espécie.
Aliás, a maior parte dessa “megadívida” foi gerada
no período de 1974 a 1980, quando os dois choques provocados pelas crises do
petróleo criaram incríveis excedentes de divisas em países que não sabiam o que
fazer com tantos dólares. Foi quando alguém teve a “brilhante” idéia de
impingi-los, em condições leoninas (em favor do credor, é claro) às ditaduras
da América Latina.
O curioso é que, à exceção do México, os tomadores
desses empréstimos foram todos regimes impostos à força, a maior parte deles
com deprimentes retrospectos de desrespeito aos direitos humanos. O que faz
nascer uma suspeita no observador: a de que, para os ávidos banqueiros, a
democracia não é lá muito atrativa, especialmente em países do Terceiro Mundo.
A proposta de Alan Garcia, de pagamento da dívida do
Peru apenas até um montante de 10% de suas exportações, pode não ser atrativa
para os credores, mas é uma solução bastante realista, mais do que muitos
estejam dispostos a admitir. Torna prejudicial, para os países
industrializados, as múltiplas práticas protecionistas que eles adotam
atualmente.
Afinal, quanto menores forem as vendas externas dos
endividados, menos dinheiro eles também receberão a cada ano. Por isso, não
será muito prudente sobretaxar produtos originários do Terceiro Mundo apenas
para se proteger algumas indústrias decadentes internas, como é feito hoje em
dia.
Esse assunto, anotem, ainda vai gerar muito
comentário. E a proposta de Alan Garcia pode abrir caminho para práticas
idênticas por parte do Brasil, da Argentina e do México. Aliás, é exatamente
isso que está tirando o sono dos banqueiros.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 31 de julho de 1985)
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