Nicarágua vai às urnas
Pedro J. Bondaczuk
A Nicarágua vai às urnas,
hoje, para tentar legitimar uma revolução vitoriosa há cinco anos, quando da
deposição do caudilho Anastásio Somoza Debaylé e que atualmente se vê
contestada nos níveis interno e externo, pela ideologia que adotou.
Estimativas
preliminares prevêem um comparecimento maciço, da ordem de 80% dos 1,8 milhão
de eleitores inscritos, às urnas, para a escolha de um presidente, um vice e 90
deputados constituíntes, que terão a seu cargo a tarefa de dotar a República de
uma Constituição que concilie uma infinidade de interesses antagônicos.
Seis
partidos, cinco de esquerda e um de centro, estarão na disputa. O antigo
movimento guerrilheiro, Frente Sandinista de Libertação Nacional, conta com o franco
favoritismo, em virtude da desistência de diversas facções políticas,
representantes sobretudo da burguesia abastada e da incipiente classe média.
Estas
justificam a ausência com uma série de acusações ao regime, entre as quais, a
mais grave é a de que os detentores do poder arquitetam uma monstruosa farsa
eleitoral, um arremedo de pleito, com o objetivo único de legitimar-se no poder
e melhorar sua desgastada imagem internacional.
Concorrem
à Presidência, além do comandante Daniel Ortega, da Frente Sandinista de
Libertação Nacional, Alan Zambrano Salmerón, do Partido Comunista; Domingo
Antonio Sanchez Salgado, do Partido Socialista; Clementino Guido, do Partido
Conservador Democrata; Isidro Tellez Toruno, do Movimento Ação Popular e
Maurício D’Ávila, do Partido Social Cristão.
O
empresário liberal Arturo Cruz retirou sua candidatura sob o pretexto de que
não podia desenvolver uma campanha livre e que nas circunstâncias atuais, com o
país em virtual estado de guerra civil e sem um prévio entendimento nacional,
as eleições não iriam refletir as preferências populares. Com ele, postulantes
de outros partidos saíram da disputa, sob idêntica alegação.
Os
sandinistas retrucam dizendo que não procedem as acusações. Afirmam que esses
partidos em momento algum quiseram o pleito. E garantem que eles se retiraram
da luta (muitos não chegaram nem mesmo a inscrever suas chapas) porque sentiram
que não teriam qualquer chance de vitória. E não porque fossem de alguma forma
coagidos no sentido de que não apresentassem suas mensagens, mas porque aquilo
que têm a oferecer não sensibiliza as aspirações da população.
Para
os sandinistas, esses partidos desejam apenas tumultuar o processo eleitoral,
na esperança de que ocorra, como em duas outras oportunidades anteriores, uma
salvadora intervenção militar norte-americana, para o “restabelecimento da
ordem interna” e com isso possam receber de mão beijada essa autêntica
sinecura, que é o poder conquistado sem fazer força. A exemplo, inclusive, do
que os EUA fizeram em 1912 e 1926, quando impuseram aos nicaragüenses o
impopular e indesejado presidente Antonio Diaz.
O
retrospecto das interferências armadas norte-americanas na Nicarágua não é nada
abonador para a mais sólida democracia do Planeta. Em 1912, a pretexto de proteger
a vida de dois concidadãos, notórios celerados, que por causa de suas
estrepolias foram executados pelas autoridades nicaragüenses, os fuzileiros de
Tio Sam entraram naquele pobre país e lá permaneceram (com um breve intervalo
de seis meses, em 1926) por praticamente vinte anos. Nesse tempo, até mesmo a
economia da Nicarágua chegou a ser controlada por banqueiros dos EUA.
E
nem se poderia afirmar, na ocasião, que a indevida interferência na vida
nacional de um país soberano se devia à tentativa de conter o “perigo
comunista”. O marxismo, então, não representava ameaça sequer à atual União
Soviética, que em 1912 era governada por czares, ainda se chamava Rússia e se
constituía num dos Estados mais atrasados e famintos do mundo. Recorde-se que a
Revolução Bolchevique viria a acontecer apenas cinco anos depois, em 1917.
Antes,
muito tempo antes, em 1856, um cidadão norte-americano, o aventureiro William
Walker, havia protagonizado um caso provavelmente inédito no mundo moderno.
Sendo estrangeiro, obviamente, na Nicarágua, liderou um golpe de Estado naquele
país e assumiu a Presidência, chegando a exercer o cargo por dois anos.
Atualmente,
embora contando com ponderável parcela de oposição junto à opinião pública
interna e internacional, o governo Reagan vem apoiando, financiando e até mesmo
combatendo em guerra de guerrilha o regime nicaragüense, através das operações
encobertas da CIA.
O
pretexto para essa atitude é a alegada ajuda sandinista aos guerrilheiros
esquerdistas de El Salvador. Segundo os norte-americanos, a Nicarágua é a
autêntica ponte para que os armamentos soviéticos, distribuídos por Cuba,
cheguem às mãos dos rebeldes salvadorenhos através da rota do Golfo de Fonseca,
no Oceano Pacífico.
Para
os sandinistas, portanto, a lisura deste pleito é fundamental. E por isso, eles
convidaram centenas de personalidades internacionais, inclusive o reitor da
Universidade Metodista de Piracicaba, Elias Boaventura, para observarem o
transcurso do seu processo eleitoral.
Mas,
seja qual for o resultado, o vencedor terá poucas chances de governar, pois os
norte-americanos, que tiveram seus interesses contrariados com a deposição de
Somoza em 1979, certamente partirão para a retaliação, para o uso do “big
stick”, que é ainda a forma de diálogo que eles entendem como a ideal para as
“banana’s republic” da América Latina. Pretextos? Estes nunca haverão de
faltar!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de novembro de 1984).
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