Saturday, April 05, 2014

Nicarágua vai às urnas


Pedro J. Bondaczuk


A Nicarágua vai às urnas, hoje, para tentar legitimar uma revolução vitoriosa há cinco anos, quando da deposição do caudilho Anastásio Somoza Debaylé e que atualmente se vê contestada nos níveis interno e externo, pela ideologia que adotou.

Estimativas preliminares prevêem um comparecimento maciço, da ordem de 80% dos 1,8 milhão de eleitores inscritos, às urnas, para a escolha de um presidente, um vice e 90 deputados constituíntes, que terão a seu cargo a tarefa de dotar a República de uma Constituição que concilie uma infinidade de interesses antagônicos.

Seis partidos, cinco de esquerda e um de centro, estarão na disputa. O antigo movimento guerrilheiro, Frente Sandinista de Libertação Nacional, conta com o franco favoritismo, em virtude da desistência de diversas facções políticas, representantes sobretudo da burguesia abastada e da incipiente classe média.

Estas justificam a ausência com uma série de acusações ao regime, entre as quais, a mais grave é a de que os detentores do poder arquitetam uma monstruosa farsa eleitoral, um arremedo de pleito, com o objetivo único de legitimar-se no poder e melhorar sua desgastada imagem internacional.

Concorrem à Presidência, além do comandante Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, Alan Zambrano Salmerón, do Partido Comunista; Domingo Antonio Sanchez Salgado, do Partido Socialista; Clementino Guido, do Partido Conservador Democrata; Isidro Tellez Toruno, do Movimento Ação Popular e Maurício D’Ávila, do Partido Social Cristão.

O empresário liberal Arturo Cruz retirou sua candidatura sob o pretexto de que não podia desenvolver uma campanha livre e que nas circunstâncias atuais, com o país em virtual estado de guerra civil e sem um prévio entendimento nacional, as eleições não iriam refletir as preferências populares. Com ele, postulantes de outros partidos saíram da disputa, sob idêntica alegação.

Os sandinistas retrucam dizendo que não procedem as acusações. Afirmam que esses partidos em momento algum quiseram o pleito. E garantem que eles se retiraram da luta (muitos não chegaram nem mesmo a inscrever suas chapas) porque sentiram que não teriam qualquer chance de vitória. E não porque fossem de alguma forma coagidos no sentido de que não apresentassem suas mensagens, mas porque aquilo que têm a oferecer não sensibiliza as aspirações da população.

Para os sandinistas, esses partidos desejam apenas tumultuar o processo eleitoral, na esperança de que ocorra, como em duas outras oportunidades anteriores, uma salvadora intervenção militar norte-americana, para o “restabelecimento da ordem interna” e com isso possam receber de mão beijada essa autêntica sinecura, que é o poder conquistado sem fazer força. A exemplo, inclusive, do que os EUA fizeram em 1912 e 1926, quando impuseram aos nicaragüenses o impopular e indesejado presidente Antonio Diaz.

O retrospecto das interferências armadas norte-americanas na Nicarágua não é nada abonador para a mais sólida democracia do Planeta. Em 1912, a pretexto de proteger a vida de dois concidadãos, notórios celerados, que por causa de suas estrepolias foram executados pelas autoridades nicaragüenses, os fuzileiros de Tio Sam entraram naquele pobre país e lá permaneceram (com um breve intervalo de seis meses, em 1926) por praticamente vinte anos. Nesse tempo, até mesmo a economia da Nicarágua chegou a ser controlada por banqueiros dos EUA.

E nem se poderia afirmar, na ocasião, que a indevida interferência na vida nacional de um país soberano se devia à tentativa de conter o “perigo comunista”. O marxismo, então, não representava ameaça sequer à atual União Soviética, que em 1912 era governada por czares, ainda se chamava Rússia e se constituía num dos Estados mais atrasados e famintos do mundo. Recorde-se que a Revolução Bolchevique viria a acontecer apenas cinco anos depois, em 1917.

Antes, muito tempo antes, em 1856, um cidadão norte-americano, o aventureiro William Walker, havia protagonizado um caso provavelmente inédito no mundo moderno. Sendo estrangeiro, obviamente, na Nicarágua, liderou um golpe de Estado naquele país e assumiu a Presidência, chegando a exercer o cargo por dois anos.

Atualmente, embora contando com ponderável parcela de oposição junto à opinião pública interna e internacional, o governo Reagan vem apoiando, financiando e até mesmo combatendo em guerra de guerrilha o regime nicaragüense, através das operações encobertas da CIA.

O pretexto para essa atitude é a alegada ajuda sandinista aos guerrilheiros esquerdistas de El Salvador. Segundo os norte-americanos, a Nicarágua é a autêntica ponte para que os armamentos soviéticos, distribuídos por Cuba, cheguem às mãos dos rebeldes salvadorenhos através da rota do Golfo de Fonseca, no Oceano Pacífico.

Para os sandinistas, portanto, a lisura deste pleito é fundamental. E por isso, eles convidaram centenas de personalidades internacionais, inclusive o reitor da Universidade Metodista de Piracicaba, Elias Boaventura, para observarem o transcurso do seu processo eleitoral.

Mas, seja qual for o resultado, o vencedor terá poucas chances de governar, pois os norte-americanos, que tiveram seus interesses contrariados com a deposição de Somoza em 1979, certamente partirão para a retaliação, para o uso do “big stick”, que é ainda a forma de diálogo que eles entendem como a ideal para as “banana’s republic” da América Latina. Pretextos? Estes nunca haverão de faltar!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de novembro de 1984).


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