Medo e ignorância
Pedro
J. Bondaczuk
O preconceito e seus
principais derivativos – ou seja, a segregação, a discriminação e, por fim, a
violência em seus variados tipos de manifestação – tem uma série de causas e
não apenas uma única, como alguns entendem. Podem ser apontadas muitas, até sem
muita reflexão. Na minha visão pessoal, todavia, a principal é uma educação
deficiente, inadequada, quando não a ausência dela. As pessoas são
condicionadas, desde tenra infância, a serem preconceituosas, mesmo que não
seja de forma deliberada por parte de quem as educa. Ninguém nasce dessa
maneira. Torna-se assim.
Para o ativista
norte-americano dos direitos civis, Martin Luther King – assassinado em 4 de
abril de 1968 na cidade de Memphis, Estado do Tennessee, crime este atribuído a
James Earl Ray, que o confessou, mas que anos depois repudiou a confissão,
alegando ter sido induzido a confessar o que alegou nunca ter feito – a base, a
raiz, a origem do preconceito está no medo. É o temor pelo desconhecido, pelo
que é diferente e que, portanto, é encarado como potencialmente ameaçador. Não
nego que seja uma das causas. Mas, insisto, não é a única e talvez nem a
principal. Mas o medo está presente, sem dúvida.
O preconceituoso evita
contato com quem é, ou pensa, ou age de forma diferente da sua, por temer uma
série de coisas, que não vem ao caso identificar. Não raro, por exemplo, teme
perder privilégios (econômicos e/ou sociais),
como um emprego que considere satisfatório e seja bem remunerado, ou um
cargo ou outra coisa qualquer. Sente-se inseguro, portanto, diante do que
desconhece que, de alguma maneira, supõe, pode ter recursos com que ele não
conte. Em suma, o preconceituoso, principalmente o que segrega e discrimina,
não confia na própria capacidade. Morre de medo da competição.
Martin Luther King
observou a propósito, num dos tantos discursos que proferiu nas manifestações
públicas que liderou: “A segregação
racial é alicerçada em medos irracionais como a perda de privilégios
econômicos, a posição social alterada, os casamentos interraciais e o
ajustamento a situações novas”. Óbvio que concordo com as colocações do
pastor batista e consagrado ativista, adepto da não-violência, na mesma linha
de atuação do ensaísta Henry David Thoreau e do “pai” da independência da
Índia, Mohandas Karamanchand Gandhi. Luther King era, acima de tudo, pacifista.
Tanto que foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz de 1964.
Ele admitiu, e em
várias ocasiões, que tinha muitos medos. É natural e lógico que os tivesse.
Afinal, trata-se de instintiva reação humana. E motivos para temores,
convenhamos, não lhe faltavam. Mas jamais Luther King entregou-se aos seus
medos. Pelo contrário, aprendeu a racionalizá-los, a controlá-los e, por fim, a
dominá-los. Caso não o tivesse feito, com certeza, conforme a lógica indica,
sequer prosseguiria em sua cruzada pelos direitos civis, ciente de que tinha
opositores poderosíssimos e que estava jurado de morte. Tanto estava, que
findou por ser assassinado. Luther King estava ciente de tudo disso. E claro
que temia por sua integridade e por sua vida, já que não era suicida em
potencial. Tinha noção da importância da sua liderança.
Como o ativista fez
para dominar seus fundados temores? Ele deixou isso claro neste trecho de um
dos seus mais memoráveis sermões: “A
determinação de não se deixar vencer por qualquer objeto, por mais terrível,
nos capacita a resistir a qualquer medo.
A coragem enfrenta o medo e, desse modo, o domina; a covardia reprime o
medo e, desse modo, é dominada por ele. Os corajosos nunca perdem o entusiasmo
pela vida, ainda que a sua situação não tenha motivos de entusiasmo; os
covardes, esmagados pelas incertezas da vida, perdem a vontade de viver.
Devemos construir constantemente diques de coragem para conter o caudal do
medo”. Sábias palavras! E que ganham muito mais relevância e valor quando
se sabe que foram seguidas de ações coerentes e construtivas por quem as
proferiu.
Tenho em mãos
expressivo e pertinente poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado
“Congresso Internacional do Medo”, que ilustra a caráter tese de Luther King. O
poeta diz:
“Provisoriamente,
não cantaremos o amor,
que
se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos
o medo, que esteriliza os abraços,
não
cataremos o ódio, porque esse não existe,
existe
apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o
medo grande dos sertões, dos mares e dos desertos,
o
medo dos soldados, o medo das mãos, o medo das igrejas,
cantaremos
o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos
o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois
morreremos de medo,
e
sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”.
A segregação resulta, além do medo, da nossa mania de
julgar tudo e todos, mesmo que não tenhamos a menor base, o mínimo fundamento,
o mais remoto conhecimento sobre quem ou o que julgamos. Trata-se de
comportamento recorrente e generalizado. “Achamos”
que determinada pessoa ou situação sejam de uma certa maneira e, geralmente,
não são desse modo que pensamos. A escritora norte-americana Clarence Hall
escreveu a propósito: “O hábito de julgar os outros tende a revelar sobre cada
um de nós a desagradável falta de caráter que é a impressão de sermos
perfeitos. Até mesmo a nossa atitude parece dizer: eu devo ser bom; basta ver
todo o mal que encontro nos outros”. Esta é uma declaração que dispensa
comentários. Ou você tem alguma restrição a fazer?..
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