Voto
com ordem e emoção
Pedro J. Bondaczuk
Os chilenos passaram, ontem, um dia tenso, mas
repleto de emoção. Após muito tempo, esse país, que já foi apontado no passado
como um exemplo de sociedade democrática, pôde exercer o mais saudável dos
direitos que há numa democracia (embora o Chile ainda não seja uma), que é o de
votar. Filas imensas se formaram por todas as partes. Multidões estavam ávidas
para manifestar a sua vontade, que ontem foi expressada apenas por duas
palavrinhas, às quais o padre Antônio Vieira dedicou um magistral sermão no
século XVII: "sim" e "não".
O voto afirmativo significou uma autorização para
que o general Augusto Pinochet, que assumiu o poder mediante o sempre
condenável expediente do golpe militar, em setembro de 1973, estenda a sua
gestão por mais oito anos, até 1997.
Quem votou negativamente, repudiou o continuísmo.
Exigiu o direito de votar em quem quiser para dirigir os seus destinos em
eleições presidenciais diretas em 1989. Se o primeiro resultado prevalecer,
nada irá mudar. Talvez até retornem os instrumentos de exceção que vigoraram
nestes últimos 15 anos, como o estado de sítio, o de perigo de perturbação da
ordem pública e a férrea censura à imprensa.
Se o "não" (que Vieira classificou como
uma "dura palavra") for majoritário, as coisas "podem"
mudar. Não há nenhuma certeza de que mudem. Tudo vai depender de como o governo
vai absorver o resultado. E principalmente, se está disposto a respeitá-lo.
De qualquer forma, foi com emoção que os chilenos
exerceram seu direito de cidadania, há tanto tempo suprimido no país. Houve,
até, um senhor que morreu de ataque cardíaco no interior. Mas antes, mesmo
passando mal, fez questão de depositar seu voto na urna, como sendo a última
tarefa da sua vida.
A oposição, por seu turno, deu uma lição de
prudência e de ponderação. Fez vários apelos, não somente ontem, mas ao longo
de toda a campanha, para que os eleitores fugissem dos provocadores, de
esquerda e de direita, que poderiam dar pretexto para o plebiscito ser anulado.
E o pleito foi tranqüilo.
Resta, ainda, o temor do que poderia ter ocorrido na
noite de ontem, após o encerramento desta edição. Anteontem, uma parte extensa
do país ficou às escuras num suspeitíssimo blecaute. Mais suspeito ainda,
depois de ter sido revelado um complô da direita para anular o referendo.
Pinochet e seus seguidores precisam se conscientizar que eles não estão jogando
apenas o seu futuro pessoal nesta votação. Que o Chile não é um espólio
particular de nenhum deles.
O que está sendo decidido é o destino da nação, que
está muito acima dos homens, ideologias ou interesses particulares. Se ele
ganhar, que ganhe limpo. Se perder, que aceite com fleuma e com patriotismo o
veredicto dos seus conterrâneos.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 6 de outubro de 1988)
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