A nobre (e polêmica)
Literatura
Pedro
J. Bondaczuk
A Literatura é uma
atividade intelectual fascinante, qualquer que seja o aspecto em que venha a
ser encarada. Entre tantos debates que suscita – e creio que esta é uma das
suas principais finalidades – destaca-se o que busca definir sua importância e
sua abrangência. Ela é importante para nossa vida? Em que medida? Sua
importância é total? Parcial? Nenhuma? Serve apenas como forma de lazer, como
tantas outras? Sua função é a de instruir? É a de meramente divertir? Tem ambas
finalidades? Não tem nenhuma? Trata-se de
profissão? É mero hobby? E vai por aí afora. Como se vê, a Literatura
suscita perguntas e mais perguntas que têm que ser respondidas após muita
análise e ponderação. E, ainda assim, raramente (ou jamais?) haverá consenso em
torno das respostas.
Trago o tema (pela
milésima vez) à baila, desta vez em resposta a um gentil, inteligente e muito
bem vindo e-mail do meu amigo, escritor (e colaborador deste espaço), Edir
Araujo. Deveria ter respondido a mensagem – como mandam, aliás, os ditames da
cortesia – da mesma forma que a recebi. Ou seja, pessoalmente. Contudo, suas
observações (e, sobretudo, o questionamento que fez) são tão pertinentes (posto
que polêmicos), que lhe peço licença para partilhar suas dúvidas e certezas com
todos os leitores.
Edir, para os que não
se lembram, é autor de dois excelentes livros que, felizmente, vêm tendo ótima
procura por parte dos leitores: “A passagem dos cometas” e “Gritos e gemidos”.
Fiquei sabendo que está trabalhando, a todo o vapor, em um terceiro, que aguardo
com grande ansiedade, pela íntima convicção de que será tão bom e tão
interessante quanto os dois que já publicou. E por que tenho essa certeza?
Porque ele tem as três características que considero fundamentais em um
escritor: paixão, idealismo e conhecimento de causa. Além, claro, de inegável
talento.
Edir escreve em seu
e-mail: “Sei que aprecia citações tanto quanto eu. Então ouso instigá-lo a
declinar sobre esta: ‘A Literatura é uma profissão em que se torna
indispensável dar provas constantes de que se tem talento para convencer
pessoas que não têm nenhum’ (Jules Renard)”. A seguir, observa e questiona:
“Acho a declaração um pouco tendenciosa. Primeiro, porque a Literatura não é
uma profissão. Ou é? E, segundo, porque ele (Renard) subestima as pessoas,
dando um tom superior a quem faz Literatura”.
Em princípio, concordo
com a opinião de Edir. Sobretudo quando identifica certo ar de soberba da parte
do autor dessa declaração, que deixa implícito que, quem não escreve livros,
não o faz por ausência de talento. Nem sempre isso acontece. Conheço muita
gente sumamente criativa e talentosa, que escreve (e muitíssimo bem) para uma
infinidade de jornais, revistas e espaços nobilíssimos da internet e que, no
entanto, não tem obra alguma publicada. É preciso levar em conta que
Pierre-Jules Renard, escritor naturalista francês de fins do século XIX e
início do século XX, foi considerado em seu tempo (e ainda o é hoje) um
“moralista amargo”, pessimista ao extremo.
O que falta aos
redatores criativos que escrevem exclusivamente para jornais, revistas e
espaços da internet, não é, pois, aptidão. Talvez falte-lhes interesse em
freqüentar o mercado editorial (em boa parte dos casos) ou oportunidades (na
maior parte das vezes) para tal, ou são dotados de tamanha generosidade e de
tanto respeito por ideias, que consideram sacrilégio fazer delas mera
mercadoria que se compra ou vende, como se fosse algum objeto qualquer. Tenho
contato assíduo com uma infinidade de pessoas que pensam assim. Todas sumamente
talentosas.
O pecado de Jules
Renard, no caso (como era sua característica), foi, pois, o da generalização.
Há, de fato, muitos e muitos indivíduos sem nenhum talento para escrever e que
optam pelo outro lado, nobilíssimo por sinal e acima de tudo indispensável, da
atividade literária: a de leitor. Infelizes dos que não podem exercer esse
papel, ou por não terem gosto ou hábito da leitura, ou, pior, que não possam
ler, por serem analfabetas. Sem essa figura essencial, juiz supremo de todos os
escritores (única capaz de determinar seu sucesso ou fracasso), a Literatura
sequer existiria. E vice-versa, claro.
Se não houver quem
escreva, não haverá livros para serem lidos. Um agente depende, pois,
umbilicalmente, do outro. Quanto à necessidade de nós, escritores, darmos
provas permanentes do nosso talento para as letras, isto é para lá de óbvio.
Mesmo contando com o poder de agradar e de convencer leitores, nunca é certo
que os livros que viermos a publicar chegarão ás mãos dos seus destinatários.
Imaginem se não tivermos essa habilidade!!! Se não a tivermos é mais do que
certo de que não conseguiremos contar com um único e reles leitor. Não seremos,
por conseguinte, escritores. Não de fato.
Quanto a Literatura ser
ou não profissão, depende de cada um que a exerça. Para mim (e, certamente para
o amigo Edir), não é. Não, pelo menos, só isso. É muito mais!!! É certo que há
uma infinidade de escritores mundo afora que a considera como única fonte para
garantir seu sustento. Raros têm sucesso. Coitados deles!!! Salvo um punhado de
exceções, poucos, pouquíssimos, conseguem sobreviver “apenas” de Literatura.
Quem já tentou isso, sabe muito bem do que estou tratando.
Considero-a atividade
mais nobre do que mera fonte de recursos pecuniários para assegurar meu
sustento e dos que dependam de mim. Trata-se, no meu entendimento, sobretudo,
de missão de vida, a ser encarada com idealismo, paixão e responsabilidade.
Embora possa parecer estranho a muitos, qualquer pessoa pode, ou seja, tem
potencial para ser escritora mesmo sem escrever um único livro (e muito menos
publicá-lo). Como? Se tiver talento para a atividade, ele estará sempre lá, no
fundo da sua mente, mesmo que adormecido, à espera de ser algum dia
eventualmente acionado, sem que ninguém, jamais, lhe tire. Bem, por hoje fico
por aqui. Oportunamente, voltarei ao tema.
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