Sunday, November 10, 2013

Trabalho como privilégio


Pedro J. Bondaczuk


O trabalho é encarado pela maioria das pessoas como necessidade – física e principalmente econômica – para dar sentido à vida e custear a subsistência. Outros entendem-no como mera obrigação, um papel que o indivíduo tem que exercer na sociedade em que vive. Terceiros classificam-no como "castigo", baseados na sentença divina emanada quando da expulsão de Adão e Eva do Éden, conforme relato bíblico no livro de "Gênesis": "Com o suor de teu rosto comerás o pão até que voltes à terra, donde foste tirado". Alguns poucos consideram-no uma oportunidade para mostrar quanto valem e a que vieram ao mundo. Há, também, os que o encaram como satisfação, quando têm o privilégio de fazer somente o que gostam.

Todas essas pessoas têm, no entanto, uma preocupação comum: a manutenção do seu trabalho (gostem ou não dele), face à onda de desemprego que varre o Planeta em decorrência de vários fatores que vão desde a escravidão de milhões – por mais estranho que isso possa soar – ao avanço da tecnologia, que suprime anualmente (e para sempre) milhares e milhares de empregos em todo o mundo.

A Organização Mundial do Trabalho, em estimativa de 1994, avaliou em 840 milhões o número de desempregados ou subempregados (aqueles que têm "bicos" passageiros) em âmbito mundial. Ou seja, um terço da população economicamente ativa da Terra. Enquanto tanta gente quer (e precisa) trabalhar, há, no outro extremo, mais de 200 milhões de pessoas que trabalham forçadas, reduzidas à escravidão. A avaliação é de Dominique Torres, autora do livro "Esclaves" (Escravos), lançado no início do ano na França pela Editora Phébus, dentro da coleção "Libert‚ sur Parole" (Liberdade sob Palavra).

A pesquisadora denuncia que cerca de 50% desses escravos modernos são crianças. Outros 25% são mulheres e não somente as forçadas a se prostituir, mas também as empregadas em serviços domésticos e em vários tipos de indústria, em tarefas penosas e insalubres. O livro, verdadeira história de terror (infelizmente verídica), traz não só números, mas aborda relatos de casos verdadeiros, comprovados pela autora nos países que visitou quando fez a pesquisa. Os piores episódios, conforme destaca, ocorrem nos ricos países produtores de petróleo (Arábia Saudita, Kuwait e outros emirados) além de Paquistão e Marrocos.

A América Latina não está livre do flagelo e Dominique cita nominalmente, com os respectivos exemplos, Brasil, Guatemala e Colômbia. O Primeiro Mundo, às voltas com crescente desemprego, também explora pessoas indefesas e desesperadas. Traficantes de escravos e industriais sem escrúpulos dos EUA e Estados da Comunidade Européia "fazem os imigrantes ilegais entrar nesses países, encerram-nos em recintos onde, sob ameaças, os fazem trabalhar por 15 ou 18 horas". Revoltante e deprimente!

Enquanto isso, o mundo caminha para a era do fim dos empregos. Ou, se não tanto, para uma drástica redução deles. Essa nova realidade, em pleno andamento, traz aos administradores de vários níveis, da totalidade dos países (não importa se ricos ou pobres), o que promete ser o mais grave dos desafios dos primeiros anos do século XXI: como arranjar ocupação para mais de um bilhão de indivíduos, de formas a que eles possam se sustentar e manter a economia funcionando?

O economista norte-americano Jeremy Rifkin aborda com detalhes a questão no livro (recém-lançado no Brasil pela editora "Makron Books") "O fim dos empregos". Constata: "Após anos de previsões otimistas e alarmes falsos, as novas tecnologias de informática e de comunicações estão finalmente causando seu impacto, há tanto tempo prognosticado, no mercado de trabalho e na economia, lançando a comunidade mundial nas garras de uma terceira grande revolução industrial. Milhões de trabalhadores já foram definitivamente eliminados do processo econômico; funções e categorias de trabalho inteiras já foram reduzidas, reestruturadas ou desapareceram".

Número crescente de pessoas recorre a atividades informais para sobreviver. O crime organiza-se e já  movimenta, com a exploração do tráfico de drogas, da prostituição, dos seqüestros, da extorsão e de tantas outras ações delituosas, um total de recursos superior ao Produto Interno Bruto de países como o Brasil, que tem o 9º maior PIB do mundo.

Técnicos dos Estados Unidos, América Latina e Europa, reunidos no início do ano no Panamá, revelaram que apenas os cartéis de narcotraficantes "lavam", anualmente, mais de US$ 500 bilhões. Milhões de famílias, afetadas pelo desemprego, caem nas garras do crime organizado, do qual se servem como recurso desesperado de sobrevivência.

Para a geração rápida de empregos, faz-se necessário que se estimule crescentemente aquilo que os economistas chamam de "insatisfação organizada". Ou seja, a criação de novas necessidades (não importa se supérfluas, ditadas por modas de momento). A cada modismo, que venha acompanhado de produtos (roupas, calçados, equipamentos, etc.) milhares de empregos serão criados ou preservados.

Fica, como advertência final aos responsáveis pela elaboração das políticas de governo, a afirmação de Jeremy Rifkind: "Às portas da nova aldeia global da alta tecnologia está um número cada vez maior de seres humanos carentes e desesperados, muitos dos quais voltando-se para uma vida de crime e criando uma nova e vasta subcultura da criminalidade. A nova cultura da ilegalidade começa a colocar uma ameaça séria à capacidade de os governos manterem a ordem e oferecerem segurança aos seus cidadãos".

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em setembro de 1995)


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