Trabalho
como privilégio
Pedro J. Bondaczuk
O trabalho é encarado pela maioria das pessoas como
necessidade – física e principalmente econômica – para dar sentido à vida e
custear a subsistência. Outros entendem-no como mera obrigação, um papel que o
indivíduo tem que exercer na sociedade em que vive. Terceiros classificam-no
como "castigo", baseados na sentença divina emanada quando da
expulsão de Adão e Eva do Éden, conforme relato bíblico no livro de
"Gênesis": "Com o suor de teu rosto comerás o pão até que voltes
à terra, donde foste tirado". Alguns poucos consideram-no uma oportunidade
para mostrar quanto valem e a que vieram ao mundo. Há, também, os que o encaram
como satisfação, quando têm o privilégio de fazer somente o que gostam.
Todas essas pessoas têm, no entanto, uma preocupação
comum: a manutenção do seu trabalho (gostem ou não dele), face à onda de
desemprego que varre o Planeta em decorrência de vários fatores que vão desde a
escravidão de milhões – por mais estranho que isso possa soar – ao avanço da
tecnologia, que suprime anualmente (e para sempre) milhares e milhares de
empregos em todo o mundo.
A Organização Mundial do Trabalho, em estimativa de
1994, avaliou em 840 milhões o número de desempregados ou subempregados
(aqueles que têm "bicos" passageiros) em âmbito mundial. Ou seja, um
terço da população economicamente ativa da Terra. Enquanto tanta gente quer (e
precisa) trabalhar, há, no outro extremo, mais de 200 milhões de pessoas que
trabalham forçadas, reduzidas à escravidão. A avaliação é de Dominique Torres,
autora do livro "Esclaves" (Escravos), lançado no início do ano na
França pela Editora Phébus, dentro da coleção "Libert‚ sur Parole"
(Liberdade sob Palavra).
A pesquisadora denuncia que cerca de 50% desses
escravos modernos são crianças. Outros 25% são mulheres e não somente as
forçadas a se prostituir, mas também as empregadas em serviços domésticos e em
vários tipos de indústria, em tarefas penosas e insalubres. O livro, verdadeira
história de terror (infelizmente verídica), traz não só números, mas aborda
relatos de casos verdadeiros, comprovados pela autora nos países que visitou
quando fez a pesquisa. Os piores episódios, conforme destaca, ocorrem nos ricos
países produtores de petróleo (Arábia Saudita, Kuwait e outros emirados) além
de Paquistão e Marrocos.
A América Latina não está livre do flagelo e
Dominique cita nominalmente, com os respectivos exemplos, Brasil, Guatemala e
Colômbia. O Primeiro Mundo, às voltas com crescente desemprego, também explora
pessoas indefesas e desesperadas. Traficantes de escravos e industriais sem
escrúpulos dos EUA e Estados da Comunidade Européia "fazem os imigrantes
ilegais entrar nesses países, encerram-nos em recintos onde, sob ameaças, os
fazem trabalhar por 15 ou 18 horas". Revoltante e deprimente!
Enquanto isso, o mundo caminha para a era do fim dos
empregos. Ou, se não tanto, para uma drástica redução deles. Essa nova
realidade, em pleno andamento, traz aos administradores de vários níveis, da
totalidade dos países (não importa se ricos ou pobres), o que promete ser o
mais grave dos desafios dos primeiros anos do século XXI: como arranjar
ocupação para mais de um bilhão de indivíduos, de formas a que eles possam se
sustentar e manter a economia funcionando?
O economista norte-americano Jeremy Rifkin aborda com
detalhes a questão no livro (recém-lançado no Brasil pela editora "Makron
Books") "O fim dos empregos". Constata: "Após anos de
previsões otimistas e alarmes falsos, as novas tecnologias de informática e de
comunicações estão finalmente causando seu impacto, há tanto tempo
prognosticado, no mercado de trabalho e na economia, lançando a comunidade
mundial nas garras de uma terceira grande revolução industrial. Milhões de
trabalhadores já foram definitivamente eliminados do processo econômico;
funções e categorias de trabalho inteiras já foram reduzidas, reestruturadas ou
desapareceram".
Número crescente de pessoas recorre a atividades
informais para sobreviver. O crime organiza-se e já movimenta, com a
exploração do tráfico de drogas, da prostituição, dos seqüestros, da extorsão e
de tantas outras ações delituosas, um total de recursos superior ao Produto
Interno Bruto de países como o Brasil, que tem o 9º maior PIB do mundo.
Técnicos dos Estados Unidos, América Latina e
Europa, reunidos no início do ano no Panamá, revelaram que apenas os cartéis de
narcotraficantes "lavam", anualmente, mais de US$ 500 bilhões.
Milhões de famílias, afetadas pelo desemprego, caem nas garras do crime
organizado, do qual se servem como recurso desesperado de sobrevivência.
Para a geração rápida de empregos, faz-se necessário
que se estimule crescentemente aquilo que os economistas chamam de
"insatisfação organizada". Ou seja, a criação de novas necessidades
(não importa se supérfluas, ditadas por modas de momento). A cada modismo, que
venha acompanhado de produtos (roupas, calçados, equipamentos, etc.) milhares
de empregos serão criados ou preservados.
Fica, como advertência final aos responsáveis pela
elaboração das políticas de governo, a afirmação de Jeremy Rifkind: "Às
portas da nova aldeia global da alta tecnologia está um número cada vez maior
de seres humanos carentes e desesperados, muitos dos quais voltando-se para uma
vida de crime e criando uma nova e vasta subcultura da criminalidade. A nova
cultura da ilegalidade começa a colocar uma ameaça séria à capacidade de os
governos manterem a ordem e oferecerem segurança aos seus cidadãos".
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em setembro de 1995)
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