Significado
esquecido
Pedro J. Bondaczuk
A
data de 19 de novembro de cada ano passa, quase sempre, batida do grande
público, praticamente sem ser notada. No entanto, marca o dia destinado para
que os cidadãos reverenciem o símbolo máximo da Pátria: sua bandeira, tão
utilizada em competições esportivas e festas informais e relegada ao
esquecimento nos momentos em que deveria ser lembrada. Há quem considere essa
“reverência” uma bobagem, uma atitude arcaica e ultrapassada, algo inútil e
desnecessário. Eu não!!!
O
civismo entre nós, salvo, digamos, em Copas do Mundo, não é propriamente nosso
forte. Somos rápidos no gatilho em criticar, mas lerdos em demasia em
reconhecer méritos nos que nos antecederam. Volta e meia, perdemos de vista as
grandes conquistas dos antepassados, das gerações pretéritas, sem cujas obras
não teríamos sequer o que temos, posto que pouco se considerarmos nosso
potencial. Por exemplo, o simples fato do Brasil manter sua coesão territorial,
detendo a quarta maior área contínua do Planeta, é uma realização para ser
ressaltada. É rara, em termos mundiais. Pode ser considerada uma “epopéia”.
Com
tudo o que passamos ao longo dos últimos 513 anos da nossa história, desde a
descoberta destas terras, mesmo assim conseguimos escapar da sina do
divisionismo, que afetou (e afeta) outros tantos povos mundo afora. Hoje,
quando desejamos ressaltar o significado de pátria – e há tantas tribos, clãs e
etnias por aí lutando por uma – temos que recorrer a textos antigos, de tanto
que o pessimismo derrotista tem desgastado essa palavra. As pessoas parecer ter
vergonha de expressar essa atitude, quando deveriam se envergonhar de tantas
outras coisas, menos desta.
Joaquim
Manuel de Macedo, por exemplo, no livro "Rio do Quarto", escreveu o
seguinte a respeito: "Depois dos
pais, que recebem o nosso primeiro grito, o solo pátrio recebe os nossos
primeiros passos; é um duplo receber, que é duplo dar. As idéias grandes e
generosas dilatam o horizonte da pátria; a religião, a língua, os costumes, as
leis, o governo, as aspirações fazem de uma grande nação uma grande família, e
de um país imenso a pátria de cada membro dessa família". É isso o que
a bandeira simboliza.
Mas
dos tantos textos que já li, ressaltando o sentido de uma pátria, o que mais se
identifica com o que penso e sinto em relação ao Brasil é o poema "O Poeta
Come Amendoim", de Mário de Andrade, que diz:
"Brasil amado não porque seja minha
Pátria,
Pátria é acaso de migrações e do
pão-nosso-onde-Deus der.
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu
braço aventuroso,
o gosto dos meus descansos,
o balanço das minhas cantigas, amores e
danças.
Brasil que eu sou porque é minha
expressão muito engraçada,
porque é o meu sentimento pachorrento,
porque é o meu jeito de ganhar dinheiro,
de comer e de dormir..."
A
bandeira verde, amarela, azul e branca, com seu dístico e suas estrelas, que
nesta próxima semana vai completar 114 anos de existência, representa isto e
muito mais. Simboliza nosso lar, nossos pais, nossos filhos, nossos ideais
permanentes, nossa esperança imortal. Enfim, significa nossa Pátria, que é
única, tal como cada um de nós somos. Esse símbolo máximo da nossa
nacionalidade atual é o terceiro instituído desde nossa independência. Seu
“design” é um primor. Nossa bandeira nacional (mesmo sem considerar sua
simbologia) é uma refinada obra de arte, tanto pela harmonia de cores, quanto
pelas formas geométricas (retângulo, losango e círculo), que sugere, sobretudo,
ordem, um dos ideais dos que a conceberam, sem o qual, o outro (o progresso) se
torna inviável, se não impossível.
Ademais,
a bandeira brasileira é uma das raríssimas do mundo a conter inscrição, e das
mais felizes. Trata-se de forma abreviada do lema político positivista, cujo
original, de autoria de Auguste Comte, vertido para o português, é “o Amor por
princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim”. Para inscrevê-lo, da forma
como foi concebido, ficaria extenso em demasia. Seria, pois, inviável. Todavia os criadores do nosso pavilhão nacional
conseguiram encurtá-lo, com extrema habilidade, sem que a expressão perdesse a
essência do seu significado.
Concordo
plenamente com a afirmação do escritor Euclides da Cunha quando declarou: “O
lema da nossa bandeira é uma síntese admirável do que há de mais elevado em
política”. Pena que nossos homens públicos, aos quais delegamos, mediante o
voto, a prerrogativa de nos representar, não levem em conta esse ideal de
tamanha transcendência e sabedoria. A primeira bandeira brasileira foi
instituída, mediante decreto assinado pelo imperador Dom Pedro I, em 18 de
setembro de 1822, onze dias após a proclamação da independência. Já a segunda
data de 19 de novembro de 1889. A única diferença dela para a terceira é o
número de estrelas, atualmente de 28, representando os 27 Estados brasileiros e
o Distrito Federal.
Há
uma série de normas e formalidades determinando seu uso, quer em cerimônias
públicas, quer nas particulares, previstas em lei. Ela é, oficialmente, um dos
quatro símbolos do País – os outros três são as armas, o hino e o selo nacionais
– estabelecidos pelo artigo 13, § 1° da Constituição brasileira. Muitos
escritores (a maioria de um passado já um tanto remoto) já escreveram sobre
nosso belo e harmonioso pavilhão, mas um dos melhores textos que li a
propósito, foi escrito por Olavo Bilac. Ele inicia sua homenagem da seguinte
forma:
“Bendita seja, Bandeira do Brasil!
Bendita seja, pela tua beleza! És alegre e triunfal. Quando te estendes e
estalas à viração, espalhas, sobre nós um canto e um perfume: porque a viração,
que te agita, passou pelas nossas florestas, roçou as toalhas das nossas
cataratas, rolou no fundo dos nossos grotões, beijou os píncaros das nossas
montanhas, e de lá trouxe o bulício e a frescura que entrega ao teu seio
carinhoso”.
O
poeta acrescentou, mais adiante: “És
formosa e clara, graciosa e sugestiva. O teu verde, cor da esperança, é a
perpétua mocidade de nossa terra e a perpétua meiguice das ondas mansas que se
espreguiçam sobre as nossas praias. O teu ouro, é o sol que nos alimenta e
excita, pai das nossas searas e dos nossos sonhos, nume da fartura e do
amor,fonte inesgotável de alento e de beleza. O teu azul é o céu que nos
abençoa, inundando de soalheiras ofuscantes, de luares mágicos e de enxames de
estrelas. E o teu Cruzeiro do Sul é a nossa história, as nossas tradições; viu
a terra desconhecida e a terra descoberta, o nascer do povo indeciso, a
inquieta alvorada da Pátria, o sofrimento das horas difíceis e o delírio dos
dias de vitória; para ele, para o seu fulgor divino ascenderam, numa escalada
ansiosa, quatro séculos de beijos e de preces; e, pelos séculos em fora irão
para ele a veneração comovida e o culto feiticista da multidões de Brasileiros
que hão de viver e lutar!”
E
encerrou, em grande estilo: “(...)
Bendita sejas pelo teu influxo e pelo teu carinho, que inflamarão todas as
almas, condensarão numa só força todas as forças dispersas no território
imenso, abafarão as invejas e as rivalidades no seio da família brasileira, e
darão coragem aos fracos, tolerância aos fortes, firmeza aos crentes, e
estímulo aos desanimados! Benditas sejas! E para todo o sempre, expande-te, e
desfralda-te, palpita e resplandece, como uma grande asa, sobre a definitiva
Pátria, que queremos criar forte e livre; pacífica, mas armada; modesta, mas
digna; dadivosa para os estranhos, mas antes de tudo maternal para os filhos,
misericordiosa, suave, lírica, mas escudada de energia e de prudência, de
instrução e de civismo, de disciplina e de coesão, de exército destro e de
marinha aparelhada, para assegurar e defender a nossa honra, a nossa
inteligência, o nosso trabalho, a nossa justiça e a nossa paz! Bendita sejas
para todo sempre, Bandeira do Brasil!” Perfeito! Não há mais o que
acrescentar.
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