Compositor com samba
nas veias
Pedro
J. Bondaczuk
A memória dos
brasileiros, em relação às pessoas que se destacaram nas mais diversas
atividades – nas letras, na música, nas demais artes, nos esportes etc. –
continua, lamentavelmente, curta. Basta uma década, se não menos, para que
personalidades que foram ídolos no que faziam, em seu tempo, sejam
completamente esquecidas, como se não tivessem feito nada que prestasse. Para
ser justo, isso acontece não apenas no Brasil, mas em toda e qualquer parte do
mundo. Contudo, o que ocorre lá fora pouco ou nada me interessa. Interessa,
sim, o que ocorre onde vivo, que é aqui, neste amado e complicado “país
tropical”.
Querem um exemplo?
Quantos de vocês sabem alguma coisa a propósito de Wilson Batista, cujo
centenário de nascimento ocorreu em 3 de julho deste 2013? O que ele fez, quem
ele foi, onde nasceu e como viveu? Quantos sabem? Encontrei terríveis
dificuldades para achar referências a seu respeito. Pesquisei, pesquisei e
pesquisei, mas encontrei pouquíssimas informações. Estive a ponto de desistir
de escrever a seu respeito, principalmente após recorrer ao meu já famoso bloco
de anotações, onde registro detalhes e fatos pitorescos das várias biografias
que leio e me frustrar. Também não encontrei nada a propósito desse artista,
que tinha “samba nas veias”. Foi quando tive a súbita inspiração de consultar
meus arquivos do tempo em que atuei como radialista.
No meio de uma
infinidade de notas amareladas, algumas quase que já apagadas, achei uma
específica, copiada do encarte de um CD de Wilson Batista, do acervo da Funarte
(Coleção Musical Itaú Cultural/Samba e Choro). Dessa forma, conseguirei, mesmo
que superficialmente, fazer justiça à memória de um dos grandes compositores da
Música Popular Brasileira, desconhecido da imensa maioria das novas gerações e
lembrado, posto que vagamente, por um ou outro dos seus contemporâneos. Até
então eu dispunha, somente, da data e local do seu nascimento: 3 de julho de
1913, na cidade fluminense de Campos. Tempos atrás fiz um programa a propósito
de um célebre duelo musical que ele travou com Noel Rosa (este sim justamente
lembrado e reverenciado pelos amantes da MPB).
Esse confronto
artístico foi bastante pitoresco e se tornou, por muito tempo, até folclórico.
As novas gerações não o conhecem, embora volta e meia apresentadores de rádio o
tragam à baila. Tudo começou quando Wilson Batista lançou o samba “Lenço no
pescoço”, em que punha em dúvida a “malandragem” (e aqui o termo não tem
caráter pejorativo, mas se refere à picardia de certo tipo de carioca) dos
moradores de Vila Isabel, bairro tão exaltado por Noel Rosa, e contestava que
essa localidade fosse uma espécie de berço do samba.
Sentindo-se
“desafiado”, o boêmio e célebre compositor isabelense retrucou, com seu imortal
“Feitio de oração”. Estava instalada a disputa. Wilson Batista voltou à carga,
contestando, em sua letra, a letra composta por Noel. Este, por sua vez, compôs
outro samba, respondendo e desafiando o oponente. Em resumo: houve por volta de
dez composições, de parte a parte, com um contestando as afirmações do outro e
vice-versa. Foi um confronto em que não houve vencedores. Terminou
rigorosamente empatado. Aliás, minto. Houve vencedora, sim, e esta foi a MPB,
que dessa forma pôde acrescentar ao seu acervo essas pérolas de picardia, ritmo
e de poesia.
Wilson Batista de
Oliveira (ao contrário de Noel Rosa que era médico, mas que trocou a Medicina
pela boemia e, mais especificamente, pelo samba) era oriundo de família
humilde. O pai era guarda municipal em Campos, no litoral fluminense. Ainda
adolescente, tentou a profissão de marceneiro, tendo cursado aulas dessa
especialidade no Liceu de Artes e Ofícios. Não levava jeito para a coisa e
desistiu. Aos 15 anos mudou-se, com a família, para o Rio de Janeiro.
Precisando ajudar no sustento da casa, foi trabalhar como acendedor de lampiões
de gás. Naquela época, em 1928, a eletricidade ainda era raridade e as ruas da
Cidade Maravilhosa eram (parcamente) iluminadas por esse arcaico meio. Não
demorou muito no emprego. Seu sonho era ser compositor e já havia composto alguns
sambas quando integrava o Bando Corbeille de Flores, tocando triângulo.
Logo, começou a se
enturmar no Rio, freqüentando rodas
boêmias da Lapa (local que me traz tantas lembranças!) e da Praça Tiradentes,
pontos de encontro de malandros, artistas, atores e atrizes e vai por aí afora.
Chegou a tentar trabalhar em teatros da região, primeiro como eletricista e
depois como contra-regra. Não deu certo em nenhuma das duas funções. Continuou
compondo, mas não encontrava ninguém disposto a interpretar suas composições.
Até que, em 1929, “perdeu a virgindade” artística, ocasião em que a grande
vedete do teatro de revista, Araci Cortes, cantou, no palco, seu samba “Na
Estada da Vida”. Foi a consagração. Daí para as gravações e o estrelato foi um
pulo.
Wilson Batista teve, ao
longo da vitoriosa carreira – cujo auge ocorreu nos anos 40 – notáveis
parceiros. Destacaram-se, entre eles, astros como Ataulfo Alves, Nássara,
Marino Pinto, Haroldo Lobo, Roberto Martins, Antonio Almeida, Orestes Barbosa e
outros tantos “cobras” da MPB, um verdadeiro Butantã de sambistas. Um dos
principais intérpretes de suas composições – cujo centenário de nascimento
também transcorre neste 2013 e a cujo respeito escrevi há uns três meses – foi
Ciro Monteiro. Vários outros cantores, todavia, emprestaram suas vozes aos
grandes sucessos de Wilson Batista.
Entre sua vasta obra
musical, destaco “Por favor, vai embora”, “Oh, seu Oscar” (sucesso do Carnaval
de 1940, em parceria com Ataulfo Alves), “Acertei no milhar”, “O bonde de São
Januário”, “Emília”, “Preconceito”, “A mulher que eu gosto”, “Meus vinte anos”,
“Louco”, “Pedreiro Valdemar”, “Balzaquiana”, “Mundo de zinco”, “Mãe solteira”
e, claro, “Lenço no pescoço”, que ensejou a famosa disputa com Noel Rosa, que o
tornou, se não tão célebre quanto o “poeta da Vila”, pelo menos lembrado pelos
raros contemporâneos ainda vivos e por historiadores da MPB. Wilson Batista não
merece ser esquecido. Tenho convicção (ou pelo menos a esperança) que nunca
será.
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