Futebol
e autoestima
Pedro J. Bondaczuk
O
futebol está na ordem do dia (nem sei se deixou de estar nos pelo menos últimos
cem anos), com as conquistas do Corinthians, no ano passado – que ganhou os
títulos continental e mundial – e agora do Atlético Mineiro, que levou para
Belo Horizonte a Copa Libertadores da América deste ano. E não apenas por isso.
É hoje assunto recorrente na mídia, sobretudo, pelo fato do Brasil estar
incumbido de promover a Copa do Mundo de 2014. É uma oportunidade para a nossa
seleção exorcizar, de vez, o chato e traumatizante “Maracanazzo” de 1950. Se
vai conseguir, ou não, são outros quinhentos. Mas... está no páreo. O futebol,
há muito, deixou de ser mera forma de entretenimento, como tantas outras. Ganhou
tamanha relevância, que hoje já é objeto de estudos da parte de etólogos (os
que estudam o comportamento), antropólogos, sociólogos e até de sisudos
filósofos. E de escritores, é claro, como não poderia deixar de ser.
As
Copas do Mundo já vencidas pelo Brasil (e foram cinco) conseguiram o que
políticos de várias tendências, campanhas diversas movidas pelos mais variados
veículos de comunicação e pregações de pessoas idealistas que ainda confiam nos
destinos do País nunca conseguiram: unir os brasileiros em torno de um objetivo
comum. Isto é errado? Pode ser se servir para mascarar os problemas que ainda
nos assolam e atormentam. Mas achar que isso voltará a ocorrer agora, em 2014,
em caso de nova conquista brasileira, é duvidar da inteligência do povo. Além
disso, a realidade é tão incômoda e onipresente que, por mais que se queira
camuflar, será impossível nos alienarmos das nossas tantas e tantas mazelas.
Se
houver risco nesse sentido, bastará dar um passeio pelas ruas das grandes
cidades para se retornar à brutal realidade. Bastará que se atente, por
exemplo, para a constante insegurança face a crimes de toda a sorte e aos
riscos a que estamos diariamente sujeitos, quer no que se refere ao nosso
patrimônio, quer, e sobretudo, à nossa integridade física e à nossa vida, já
que, ao sairmos de casa, nunca temos certeza de que retornaremos incólumes a
ela e não dentro de um caixão.
Se
isso ainda não for suficiente para impedir a alienação dos nossos problemas,
bastará darmos uma passadinha em algum hospital público qualquer e constatar
como a saúde da população é tratada (maltratada, claro). Ou verificar a
qualidade do nosso ensino. Ou atentar ao noticiário da imprensa, dando conta
dos casos e mais casos de corrupção em todas as instâncias. Não, decididamente,
não há o risco de que outra eventual conquista do nosso futebol mascare nossas
carências e contradições.
Há,
contudo, outro aspecto a considerar, e este altamente positivo. Um eventual
sucesso na Copa, de porte muito maior do que o recente (e surpreendente) título
da Copa das Confederações – e estas
considerações estão sendo escritas em 2013, a pouco mais de 315 dias para o
início da competição – pode devolver ao brasileiro um pouco da autoestima que
ele ora recupera, ora torna a perder, ao sabor dos sucessos e dos fracassos nas
mais diversas atividades. Tem condições de reverter o derrotismo, esse complexo
de inferioridade que nos acompanhou ao longo de praticamente toda a nossa
história e que nada constrói ou jamais construiu. Quem faz esse tipo de
pregação, o de que somos uns rematados incompetentes, sim, é pernicioso ao
País.
A
pretexto de evitarmos a alienação, abstraindo-nos de nossos problemas e
carências – como se isso fosse possível, reitero – estamos nos deixando,
inocentemente, alienar e num sentido muito mais perverso. Aceitamos (até
inconscientemente) a perniciosa mensagem, às vezes sutil (e outras tantas
ostensiva), de que estamos fadados ao irremediável fracasso em absolutamente
tudo o que fizermos. De que nossos políticos são “todos” corruptos, nossos
empresários são “todos” gananciosos e que o melhor a fazer é aplicar a tática
do "cada um por si". Claro que este não é e jamais será o melhor
caminho.
O
brasileiro não é melhor nem pior do que qualquer outro povo. Talvez seja um
pouco imaturo, mas estamos ainda no processo de formação da nacionalidade. Em
termos nacionais, somos um País relativamente jovem, com 513 anos de
descobrimento e 191 anos de independência. Vivemos, pois, a fase, sempre
traumática, da auto-afirmação. Somos uma sociedade nacional “adolescente” E a despeito das crises, dos tropeços e das
mazelas, se atentarmos para os fatos com isenção e sem derrotismos, veremos que
ainda assim progredimos, e muito, na maioria dos setores que envolvem a vida
dos países. .
Falta
progredir, todavia, no sentido da conscientização. Do exercício pleno do
direito de cidadania, que não consiste, apenas, em transferir nossos problemas
para o governo ou para quem quer que seja, mas em resolver as questões que nos
afetam e contribuir para a solução das que atingem nossos semelhantes. Se o
Brasil vai ser campeão ou não em 2014, é outra história. Não dá para cravar nem
o sim e nem o não. Fica por conta do imponderável. Afinal, futebol não é uma
ciência exata, como muitos cronistas esportivos dão a entender, mas um
"jogo", e com apenas três resultados possíveis: vitória, empate ou
derrota. A Copa é uma competição de "tiro curto", onde nem sempre o
melhor vence. Portanto, tanto podemos ficar pelo caminho, quanto conquistar o
sonhado hexa.
Mas
contrariando prognósticos de pessimistas, de histéricos e daquela "turma
do contra", que parece ficar contente com qualquer insucesso do Brasil,
seja no esporte, seja na economia, seja na política (revelando forte componente
masoquista, por sinal), aos tropeções ou não, mesmo dando sustos incríveis na
torcida, os comandados de Felipão provaram, na Copa das Confederações, que o
jogador brasileiro não desaprendeu de jogar. Quem, por exemplo, em janeiro
deste ano, acreditava que o Brasil venceria, e de forma categórica, a badalada
Espanha, caso ambos se confrontassem? E nem é preciso lembrar o que aconteceu
num Maracanã lotado: um inquestionável placar de 3 a 0, que não deixou a menor
margem de dúvidas quanto à capacidade do brasileiro quando se trata de futebol.
Mesmo
se a Seleção não conquistar o hexa –
tomara que isso não ocorra – o Brasil seguirá como um dos sete únicos
campeões do mundo, entre os mais de 200 filiados à Fifa. Mesmo que Itália ou
Alemanha conquistem o título, o máximo que farão será igualarem o número de
conquistas que já temos. Somos, portanto, competentes em algo. Embora esse algo
se restrinja a mero esporte coletivo, que só traz vantagens concretas, ou seja,
materiais, a um restritíssimo grupo de jogadores e aos dirigentes, estes sim dignos
não apenas de restrições, mas de urgentes providências saneadoras na entidade
que comandam. Mas que a conquista da Copa faz um bem danado ao nosso ego, ah,
isso faz, e muito!!!
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