Cultivando
as raízes
Pedro J. Bondaczuk
O
intenso apego que tenho pelo meu país, pela sua cultura e por sua gente fez com
que eu perdesse algumas oportunidades de ir estudar no Exterior. Não suportaria
uma temporada prolongada longe dos amigos, do futebol, da nossa rica e peculiar
literatura e de tudo o que gosto.
Confesso
que não saberia viver como imigrante, mesmo que legalizado, nos Estados Unidos,
França, Portugal ou em qualquer outra parte, embora saiba que a experiência e
os conhecimentos que poderia obter seriam inestimáveis. Em outra terra
qualquer, por melhor que fosse meu padrão de vida – o que é contestável – eu me
sentiria sempre um intruso, um sapo de fora, um "estranho no ninho".
Por isso, toda a vez que me surge alguma chance de viajar para o Exterior,
procuro negociar para que esta viagem seja trocada por outra, para qualquer
parte deste País: Nordeste, Sul, Norte, etc., não importa. E não me arrependo
das oportunidades que perdi para estudar no Primeiro Mundo.
Pablo
Neruda, em seu livro autobiográfico "Confesso que vivi", opinou:
"Acho que o homem deve viver em sua pátria e creio que o desarraigamento
dos seres humanos é uma frustração que de uma maneira ou outra entorpece a
claridade da alma. Eu não posso viver senão em minha própria terra. Não posso
viver sem pôr os pés, as mãos e o ouvido nela, sem sentir a circulação de suas
águas e de suas sombras, sem sentir como as minhas raízes buscam em seu barro
pegajoso as substâncias maternas". Eu também me sinto assim. Apesar das minhas
feições eslavas, sou brasileiro, brasileiríssimo na minha essência, nos meus
gostos, costumes e comportamentos. Não sobreviveria longe daqui.
Entre
outras coisas, admiro, estudo e procuro consumir o nosso rico folclore, a
chamada "cultura popular". Nas várias viagens que fiz, aos recantos
mais distantes deste País, o que mais me impressionou não foram exatamente as
paisagens, sem dúvida maravilhosas e que encantam os turistas do mundo todo
pelo seu exotismo. Gosto de viajar para conhecer gente.
Tenho
feito amizades preciosas, com pessoas simples, sem instrução, semi-analfabetas
e sem posses, algumas travando desesperada luta pela sobrevivência, mas com um
coração enorme. E com imensa alegria de viver. Como são fascinantes! Que calor
humano transmitem em sua rústica simplicidade! Tenho assistido a manifestações
folclóricas centenárias, transmitidas e conservadas intactas através de
gerações, como as congadas, as reisadas, os boi-bumbás etc.
A
rigor, sequer é necessário sair de Campinas para ter contato com essa
riquíssima cultura popular. Quando morava, há alguns anos, em uma república de
rapazes no distrito de Barão Geraldo, a "Saudosa Maloca" – à qual já
me referi em várias crônicas – vez por outra promovia em nossa casa sessões de
catira.
A organização ficava
a cargo de um vizinho, Abrahão, mineiro com quem tive enorme amizade pela sua
admiração pela minha terra natal, o Rio Grande do Sul. Tratava-se de um
caminhoneiro, que me abastecia com o bom chimarrão sempre que ía para o meu
Estado. Era, entre outras coisas, um catireiro de primeiríssima.
Participavam
dessas rodas, além dele, do seu filho Olair e de suas filhas Lia, Alice e
Geraldine, um senhor idoso do local, de quem conheço somente o primeiro nome
(João), e dois violeiros, que até hoje não sei como se chamavam. Se me
disseram, não consegui memorizar. Catiras, para quem não sabe, é uma dança do
folclore brasileiro cuja origem é híbrida. Ou seja, tem influências indígenas,
africanas e européias. Seu ritmo musical é marcado por batidas dos pés e por palmas
dos dançarinos. É conhecida, em muitas regiões, como “cateretê”.
Trata-se
de manifestação folclórica ainda muito cultivada no interior de São Paulo,
embora, infelizmente, se torne cada vez mais rara, por falta de adesão das
novas gerações, por falta de conhecimento a seu respeito. Uma pena. Fiquei
sabendo que em outras partes do País, como os Estados de Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e norte do Paraná, a catira ainda é muito
comum e bastante difundida.Só não a aprecia quem não a conheço. Eu conheço e
aprecio demais.
Meus
companheiros de república sempre inventavam algum "compromisso" para
não assistir às sessões de catira que eu promovia na “Saudosa Maloca”. Na
verdade, tinham era preconceito contra essa música de raiz que sequer
conheciam. Procuravam passar a impressão de uma "modernidade" que nem
ao menos tinham. Eram tão “caipiras” (se não mais) quanto eu, que pelo menos
nunca escondi essa minha “caipirice”.
O
Zé Formiga vivia cantarolando sucessos do Roberto Carlos. O Jarbas tinha discos
e mais discos românticos, principalmente de Altemar Dutra. O Catarina apreciava
apenas a Jovem Guarda. O Zito, como bom baiano, era adepto do samba-de-roda e o
Gerson Carioca o era do sambão mesmo. Eu era, pois, motivo de gozações por este
meu gosto.
E
daí? Não vejo incompatibilidade alguma entre a música clássica, o jazz, o
tradicional "pop" norte-americano de George e Ira Gershwin e Cole
Porter – as minhas grandes preferências – e o som de raiz, rural,
brasileiríssimo do qual também sempre gostei.
Os
maiores compositores nacionais bebem nessa fonte. Alguns estrangeiros também,
alguns dos quais recorrendo, inclusive, ao plágio. Por que também não posso? O
engraçado é que na república eu não era o único "caipira", como era
chamado. Todos éramos bons interioranos: do Rio Grande do Sul, do Rio de
Janeiro, de Minas Gerais, de Santa Catarina e da Bahia. Meus colegas não sabem
o que perderam...E eu, não só não renego, como cultivo, com o maior carinho e o
máximo desvelo, minhas raízes. Gosto de ser brasileiro! Nasci assim e morrerei
dessa forma um dia.
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