Wednesday, November 27, 2013

Cultivando as raízes

Pedro J. Bondaczuk

O intenso apego que tenho pelo meu país, pela sua cultura e por sua gente fez com que eu perdesse algumas oportunidades de ir estudar no Exterior. Não suportaria uma temporada prolongada longe dos amigos, do futebol, da nossa rica e peculiar literatura e de tudo o que gosto.

Confesso que não saberia viver como imigrante, mesmo que legalizado, nos Estados Unidos, França, Portugal ou em qualquer outra parte, embora saiba que a experiência e os conhecimentos que poderia obter seriam inestimáveis. Em outra terra qualquer, por melhor que fosse meu padrão de vida – o que é contestável – eu me sentiria sempre um intruso, um sapo de fora, um "estranho no ninho". Por isso, toda a vez que me surge alguma chance de viajar para o Exterior, procuro negociar para que esta viagem seja trocada por outra, para qualquer parte deste País: Nordeste, Sul, Norte, etc., não importa. E não me arrependo das oportunidades que perdi para estudar no Primeiro Mundo.

Pablo Neruda, em seu livro autobiográfico "Confesso que vivi", opinou: "Acho que o homem deve viver em sua pátria e creio que o desarraigamento dos seres humanos é uma frustração que de uma maneira ou outra entorpece a claridade da alma. Eu não posso viver senão em minha própria terra. Não posso viver sem pôr os pés, as mãos e o ouvido nela, sem sentir a circulação de suas águas e de suas sombras, sem sentir como as minhas raízes buscam em seu barro pegajoso as substâncias maternas". Eu também me sinto assim. Apesar das minhas feições eslavas, sou brasileiro, brasileiríssimo na minha essência, nos meus gostos, costumes e comportamentos. Não sobreviveria longe daqui.

Entre outras coisas, admiro, estudo e procuro consumir o nosso rico folclore, a chamada "cultura popular". Nas várias viagens que fiz, aos recantos mais distantes deste País, o que mais me impressionou não foram exatamente as paisagens, sem dúvida maravilhosas e que encantam os turistas do mundo todo pelo seu exotismo. Gosto de viajar para conhecer gente.

Tenho feito amizades preciosas, com pessoas simples, sem instrução, semi-analfabetas e sem posses, algumas travando desesperada luta pela sobrevivência, mas com um coração enorme. E com imensa alegria de viver. Como são fascinantes! Que calor humano transmitem em sua rústica simplicidade! Tenho assistido a manifestações folclóricas centenárias, transmitidas e conservadas intactas através de gerações, como as congadas, as reisadas, os boi-bumbás etc.

A rigor, sequer é necessário sair de Campinas para ter contato com essa riquíssima cultura popular. Quando morava, há alguns anos, em uma república de rapazes no distrito de Barão Geraldo, a "Saudosa Maloca" – à qual já me referi em várias crônicas – vez por outra promovia em nossa casa sessões de catira.

A organização ficava a cargo de um vizinho, Abrahão, mineiro com quem tive enorme amizade pela sua admiração pela minha terra natal, o Rio Grande do Sul. Tratava-se de um caminhoneiro, que me abastecia com o bom chimarrão sempre que ía para o meu Estado. Era, entre outras coisas, um catireiro de primeiríssima.

Participavam dessas rodas, além dele, do seu filho Olair e de suas filhas Lia, Alice e Geraldine, um senhor idoso do local, de quem conheço somente o primeiro nome (João), e dois violeiros, que até hoje não sei como se chamavam. Se me disseram, não consegui memorizar. Catiras, para quem não sabe, é uma dança do folclore brasileiro cuja origem é híbrida. Ou seja, tem influências indígenas, africanas e européias. Seu ritmo musical é marcado por batidas dos pés e por palmas dos dançarinos. É conhecida, em muitas regiões, como “cateretê”.

Trata-se de manifestação folclórica ainda muito cultivada no interior de São Paulo, embora, infelizmente, se torne cada vez mais rara, por falta de adesão das novas gerações, por falta de conhecimento a seu respeito. Uma pena. Fiquei sabendo que em outras partes do País, como os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e norte do Paraná, a catira ainda é muito comum e bastante difundida.Só não a aprecia quem não a conheço. Eu conheço e aprecio demais.

Meus companheiros de república sempre inventavam algum "compromisso" para não assistir às sessões de catira que eu promovia na “Saudosa Maloca”. Na verdade, tinham era preconceito contra essa música de raiz que sequer conheciam. Procuravam passar a impressão de uma "modernidade" que nem ao menos tinham. Eram tão “caipiras” (se não mais) quanto eu, que pelo menos nunca escondi essa minha “caipirice”.

O Zé Formiga vivia cantarolando sucessos do Roberto Carlos. O Jarbas tinha discos e mais discos românticos, principalmente de Altemar Dutra. O Catarina apreciava apenas a Jovem Guarda. O Zito, como bom baiano, era adepto do samba-de-roda e o Gerson Carioca o era do sambão mesmo. Eu era, pois, motivo de gozações por este meu gosto.

E daí? Não vejo incompatibilidade alguma entre a música clássica, o jazz, o tradicional "pop" norte-americano de George e Ira Gershwin e Cole Porter – as minhas grandes preferências – e o som de raiz, rural, brasileiríssimo do qual também sempre gostei.

Os maiores compositores nacionais bebem nessa fonte. Alguns estrangeiros também, alguns dos quais recorrendo, inclusive, ao plágio. Por que também não posso? O engraçado é que na república eu não era o único "caipira", como era chamado. Todos éramos bons interioranos: do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de Santa Catarina e da Bahia. Meus colegas não sabem o que perderam...E eu, não só não renego, como cultivo, com o maior carinho e o máximo desvelo, minhas raízes. Gosto de ser brasileiro! Nasci assim e morrerei dessa forma um dia.


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