Doação de órgãos
Pedro J. Bondaczuk
A
nova lei de doação de órgãos para transplante --- que entrou em vigor no dia 1º
e que torna todos os brasileiros que não manifestaram em documento de
identidade vontade expressa em contrário, doadores presumidos --- vem causando
intensa polêmica entre a população e a própria classe médica. Isso ocorre, na
verdade, por pura desinformação.
Os
contrários à medida argumentam que o Estado não tem competência para legislar
sobre o que fazer com o corpo de uma pessoa. Os favoráveis, dizem que é muito
simples a atitude que os que não querem doar devem tomar. Argumentam (e com
razão) que basta que mandem colocar em seus documentos a condição de não doador
e pronto. Sua vontade será respeitada. Ninguém irá extrair seus órgãos em caso
de ocorrência de morte cerebral, única situação em que estes podem ser
extraídos e aproveitados para transplantes.
Os
médicos, com muito bom senso, estão dando às famílias a última palavra sobre o
assunto, a despeito da lei. Se os parentes autorizam, realizam a extração de
rins, fígado, coração, córnea, etc.. Claro, desde que sejam compatíveis e
aproveitáveis. Nem todos o são. Aliás, boa parte não é. E desde que a morte
cerebral seja comprovada, sem sombra de dúvidas, por três profissionais, não ligados
às instituições responsáveis por transplantes, um dos quais necessariamente um
neurologista. Caso contrário, não extraem os órgãos.
Não
há, portanto, o mínimo risco de erros ou de fraudes. Está se fazendo, pois,
muito barulho por pouca coisa. A maioria das pessoas que afirmam se opor à
doação presumida confessa ter receio de que, para ficar com seus órgãos, sua
vida seja abreviada em caso de internamento em hospital, principalmente em
decorrência de algum acidente. Teme que a morte cerebral seja atestada mesmo
quando não ocorrer de fato e quando houver ainda alguma possibilidade de
recuperação.
Trata-se
de um temor infantil e até injusto em relação à classe médica que, acima de
tudo, tem um código de ética a nortear a sua atuação profissional. O leigo em
medicina não consegue entender como alguém pode ser dado como morto se seu
coração continua pulsando. Ocorre que uma parada cerebral --- não confundir com
estado de coma, onde existe ainda alguma atividade e amplas chances de
recuperação da consciência ---‚ irreversível. Com as salvaguardas impostas pela
lei, a possibilidade de engano beira a zero.
O
ato de doação é, além de nobre, uma forma de manter uma parte de nós viva, ao
contrário do restante do organismo que irá se decompor. Devolve um semelhante à
vida produtiva e útil que, sem um transplante, não teria nenhuma chance de
sobreviver.
Além
disso, a extração de órgãos, após a morte cerebral, não traz riscos e nem ônus
para a família. Não há razões de qualquer espécie, a não ser a questão cultural,
portanto, para tanta resistência. Mas se alguém, por qualquer motivação
pessoal, não importa se egoística ou ilógica, não quiser praticar esse ato de
suprema generosidade, o caminho a seguir é extremamente simples: basta declarar
em um documento de identidade a condição de não doador.
(Texto
escrito em 6 de janeiro de 1998 e publicado como editorial na Folha do
Taquaral).
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