A precocidade positiva
Pedro
J. Bondaczuk
A precocidade – mas a
autêntica e não a induzida por pais ávidos por se realizarem nos filhos – não é
tão comum assim, embora milhões e milhões de pessoas achem que sim. É verdade
que são conhecidos muitos casos, notadamente no campo da música clássica. Em
outras artes, todavia, é bem mais rara. Principalmente na área da Literatura,
que requer, dos que a exercem, não apenas criatividade, embora esta seja
condição “sine qua non” dos escritores, mas entre tantas outras coisas, pleno
domínio da linguagem. Ou seja, conhecimento das regras da gramática e da grafia
das palavras. Para escrever razoavelmente bem, a pessoa precisa, antes e acima
de tudo, contar com vasto vocabulário, que se adquire, apenas, com muita
leitura, o que finda por faltar às crianças talentosas.
“Então não há
escritores precoces?”, perguntará o atento leitor, já praticamente respondendo
à própria indagação pelo tom de voz com que pergunta. Respondo: há! Porém são
raríssimos. E não me lembro de um único que tenha começado a escrever livros na
saída da infância para a adolescência e que tenha se tornado best-seller, mesmo
que dezenas de anos mais tarde, inclusive na velhice. Não quero dizer, com
isso, que essa façanha seja impossível. Até porque, não conheço “todos”
escritores e muito menos “todos” os sucessos editoriais.
O tema suscita
considerações e mais considerações, que não farei, pelo menos não agora. O
assunto me foi pautado pelo ilustre jornalista (professor de jornalismo, que
formou gerações de profissionais que brilharam e brilham na imprensa do
Nordeste), poeta com mais de uma dezena de livros publicados e colunista fixo,
há já seis anos, deste nosso espaço, Talis Andrade. Ele “descobriu” um desses raros
talentos literários precoces, que considera dos mais promissores e a mim só
cabe confiar no seu faro de garimpador de vocações. Afinal, sua brilhante
trajetória na área das letras (e aí incluo, claro, o jornalismo) o credencia a
cravar que a pessoa de que trata é verdadeiramente talentosa.
E quem é essa criatura,
que impressionou tanto meu ilustre amigo, experiente o suficiente para não se
deixar enganar pelo que os garimpeiros costumam chamar de “ouro de tolo”,
aquele mineral que tem várias características desse precioso metal, mas que não
passa de minério sem nenhum valor? Trata-se de uma menina que recém está
entrando na pré-adolescência, de verdes e promissores treze anos de idade. Seu
nome é Giovanna Souza, mas também atende por “Gio”, “Giov”, “Gigia” e “Gi”.
Como toda criança desta geração, sabe tudo o que se refira a computador e a
essa parafernália tecnológica que caracteriza nosso tempo.
Para que o leitor tenha
uma idéia do domínio da criançada dessas engenhocas que trazem tantas
facilidades à nossa vida, cito (como bom “avô babão”) o caso do meu neto mais
novo, o João Vítor, que me dá baile no que se refere à manipulação do
computador, do smartfone, do celular, Ipod, Ipad e de outras tantas ferramentas
que a meninada praticamente nasce sabendo como operar. Os meninos e meninas de
hoje mal aprendem a falar e já dominam coisas que levamos tempo enorme para nós
aprendermos como podem e devem ser usadas. Pois é, Giovanna é uma destas.
Talis explica que a
“geniazinha”, a despeito de já escrever textos que muito marmanjo inveja, por
não conseguir fazer igual, não perdeu o jeito de menina (travessa?) de sua
idade. Está no bom caminho. Nada é mais detestável do que crianças que querem
pular etapas e tentarem agir como adultas, sem, evidentemente, sê-las. Não
conseguem. Sem que percebam (e não percebem mesmo), transformam-se em
“caricaturas” das pessoas maduras que tentam ser sem que o sejam.
Mas Giovanna, que mora
no Recife, mas que nasceu em Curitiba, é uma adolescente normal. Gosta de
música da sua faixa etária, brinca de bonecas e de outras tantas brincadeiras
da criançada. Além do que, tem opiniões, digamos, “ingênuas”, apropriadas à
idade. Diz, por exemplo: “Amo Londres. Para mim é a cidade mais linda que
existe. Espero um dia conhecê-la”. A capital britânica, com seu tradicional
“fog”, e que passa a maior parte do ano nublada e chuvosa, pode ser tudo, menos
bonita. É importante metrópole mundial, tem tradição, conta com tudo o que de
bom e de avançado se espera de uma cidade moderna. Reúne o melhor da
modernidade com o charme da tradição, mas... Beleza, beleza mesmo, não tem. Vá
lá, tem algumas, mas não tantas. E essa opinião de Giovanna, a respeito de
Londres a desmerece ou diminui? Não, não, não! Antes a exalta (pelo menos aos
meus olhos).
Todavia, quando se
trata de livros.... a garotinha dá show, exorbita, excede! É leitora voraz e,
sobretudo, atenta. Não me admira, por isso, que não somente goste, mas saiba
escrever, e muito bem. Só consegue ser um bom escritor quem, simultaneamente,
for um aplicado leitor. Não conheço nenhum que fuja desse figurino. Duvido que
exista. A ambição de Giovanna, conforme confessa e dá mostras que de fato é
leitora compulsiva, é poder comprar o máximo de livros possível e lê-los todos.
A menina promete! E, mais uma vez, o faro do meu experiente amigo Talis não se
enganou.
Reproduzo, um pouco
mais, algumas características da escritora precoce, em suas próprias palavras:
“Escrevo sobre coisas aleatórias. Amo animais e tenho uma cadelinha chamada
Meg. Adoro cinema e todo aquele clima das estréias (que são muito cheias, então
não vou). Apesar de gostar de cinema, eu assisto meus filmes em casa, porque
moro relativamente longe do shopping. Quando estou estressada, escuto música
(rock metal). Amo chocolate. Se eu pudesse, comeria uma barra por dia!”. Como
se vê, trata-se (felizmente) de uma adolescente normal, equilibrada,
inteligente, viva e ativa.
Reproduzo, a título de
ilustração, pequeno texto de Giovanna, intitulado “O cérebro”;
“O cérebro. Ele que controla
todas as funções do nosso corpo, sem dúvida o órgão mais importante. Mas
geralmente a gente não dá a devida importância para ele. Por exemplo, quando
alguém magoa a gente, o que nós falamos? ‘Fulano partiu meu coração’. Ou então,
quando nós pedimos desculpas é mais ou menos assim: ‘Eu estou muito
arrependida, do fundo do meu coração’. Mas vamos pensar um pouco… essas
expressões estão erradas! Quem controla as emoções não é o coração, e sim o
cérebro. Mas coitado, é ofuscado pelo danado do coração. Mas por que? Será que
fica mais bonitinho falar ‘meu coração está partido’ do que falar ‘meu cérebro
está partido’? Pensando bem, se alguém partir o nosso cérebro a gente morre,
né? Fica mais chocante falar em partir o cérebro, logo é melhor mesmo usar as
expressões já existentes, para não causar espanto às pessoas desinformadas que
acham que o coração controla as emoções. Mas por favor, nem pensem em partir
meu cérebro, e peço isso do fundo dele”.
Depois de tudo o que fiquei sabendo a respeito de Giovanna e, principalmente
após ler pequena amostra de seu texto, estou com a mesmíssima intuição do
mestre Talis: a de que está aí um talento em bruto que, depois de burilado,
certamente será um diamante puríssimo, desses tão preciosos a ponto de valerem
fortunas incalculáveis. É esse tipo de precocidade (positivo, aliás, conforme
gosto de “superlativar” o que admiro, positivíssimo) que entendo deva ser
estimulado, apoiado e acompanhado, para o bem não somente da futura escritora,
mas, sobretudo, do futuro da nossa rica Literatura nacional.
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