Saturday, November 30, 2013

Vitória da persistência

Pedro J. Bondaczuk

O folclore de qualquer povo, ou seja, o conjunto de suas festas, comidas típicas, artesanato característico e outras tantas manifestações artísticas e culturais, assim como a vida, é dinâmico. Em alguns casos, mantém-se intacto, geração após geração, sem sofrer a mínima mudança ou adaptação. Em outros, modifica-se, adapta-se aos novos tempos, moderniza-se, embora nem sempre essas alterações sejam para melhor. E há circunstâncias em que até chega a desaparecer, sem deixar vestígios, por falta de interesse das pessoas de conservarem as tradições instituídas e consolidadas pelos ancestrais. Depende de cada povo.

O folguedo “Boi bumbá”, no Estado de Rondônia, “importado” de outras regiões do País, levado para lá pelos migrantes do Norte e do Nordeste, perdeu suas características originais. Mas ao contrário do que aconteceu com outras tantas manifestações folclóricas que foram descaracterizadas e que, sem suas raízes, desapareceram, adquiriu “cor local”, fortaleceu-se com isso e sobreviveu. E não somente isso, mas desenvolveu-se e se consolidou. Hoje, esse folguedo, em Rondônia, pouco lembra seu modelo original. Tornou-se uma vertente nova, porém vigorosa, desse auto do ciclo natalino.

Essa manifestação folclórica tinha tudo para desaparecer de vez naquela parte do País. Durante muitos anos, o folclore, naquele Estado, foi relegado, pelas autoridades, dos seus diversos governos, ao absoluto ostracismo. Passou anos e anos sem receber verbas e nem incentivos de quaisquer espécie, por ser considerado coisa supérflua e sem nenhuma relevância. Pior, o “Boi bumbá” chegou a ser criminalizado e proibido, por ser tido e havido como mero pretexto para confusões e badernas.

Durante boa parte do regime militar de 1964, os principais cargos administrativos do então território federal foram ocupados por políticos que não tinham absolutamente nada a ver com a região. Muitos conheceram Rondônia apenas quando nomeados para suas funções. Por desconhecerem a cultura rondoniense, não poderiam dar (e não lhe deram) o devido valor. Além de não valorizarem, ainda perseguiram os praticantes das manifestações folclóricas típicas locais, entre as quais o “Boi bumbá”, considerado por muito tempo como “festa de bêbados e vagabundos”. Ah, a ignorância, quantos males não causa mundo afora!!! Essa persistente perseguição quase fez o folguedo desaparecer sem deixar vestígios.

Para o escritor Matias Mendes, a retração que o “Boi bumbá” enfrentou, em decorrência de tão feroz oposição, teve um aspecto que, no final das contas, se mostrou sumamente positivo. Ocorre que muitos detalhes que caracterizavam esse folguedo, entre os quais suas típicas toadas e coreografias, foram sendo esquecidos e se perderam no tempo. Quando os grupos que o praticavam retomaram a prática, interrompida por muitos anos tiveram que recorrer a improvisações e adaptações, para substituir o que havia sido esquecido.

O resultado dessas mudanças forçadas foi que o “Boi bumbá”, em Rondônia, adquiriu características próprias, rigorosamente distintas das de outras regiões do País. Hoje, pode-se dizer, sem erro, que esse folguedo já é uma festa folclórica exclusivamente rondoniense, da forma que é apresentada. Guardou pouquíssima coisa de sua matriz original. Embora o enredo tenha se conservado, a maneira de ser narrado, além das cantigas, danças e evoluções, são tipicamente locais. Foi assim que o “Boi bumbá” sobreviveu em Rondônia. Consolidou-se. Adquiriu feições locais. Hoje está mais vivo do que nunca e, reitero, com características rigorosamente próprias. Foi a vitória da persistência.

Uma das mudanças que deram certo foi a de acabar com a limitação de participantes. Não há mais nenhum limite para isso. Participam quantos e quais grupos quiserem, com número ilimitado de membros. Um dos mais populares do Estado, por exemplo, o “Estrela de Rondônia”, conta com 42 figurantes. Mas essa quantidade pode aumentar ou diminuir, de acordo com a vontade ou a necessidade dos seus dirigentes.

Há limitações, somente, para os principais personagens de um “Boi bumbá”, que são os mesmos que caracterizam esse folguedo em qualquer outra parte do País. E estes são, obrigatoriamente: Pai Francisco (Preto Velho), Catirina (mulher do Preto Velho), Cazumbá (Preto Velho companheiro de Pai Francisco), Mãe Maria (mulher de Cazumbá), Bicho Folha (diretor de índios), Doutor da Medicina, Doutor Relâmpago, Doutor da Vida, Padre Curandeiro, Sacristão, Miolo de Boi (pessoa que fica sob a armação da fantasia do boi), Miolo da Burrinha (acompanhante do boi na dança), Vaqueiros auxiliares, índios e batuqueiros. Voltarei ao assunto.

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