A arte de cativar
Pedro
J. Bondaczuk
Há pessoas que têm o
dom natural, uma característica ímpar, que classifico de arte: a de nos
cativar. Mesmo que tenhamos com elas um único encontro, este se torna marcante
e inesquecível. Passam-se anos, décadas até, e nos lembramos de cada detalhe
dessa conversa isolada e solitária. Por que isso acontece? Nunca consegui
entender e nem explicar. Mas acontece. Tive inúmeras experiências do tipo, em
que fui cativado por pessoas especiais, inteligentes, amáveis e prestativas,
mas, principalmente carismáticas. Sinto-me privilegiado pela oportunidade de
viver essas experiências que, sempre que surgem oportunidades, faço questão de
partilhar com os que me honram com sua leitura.
Uma dessas pessoas
cativantes, com a qual mantive um único, porém marcante, encontro, e que tenho
satisfação particular de citar sempre que aparece pretexto para isso, é o
escritor e jornalista mineiro, Fernando Sabino. Escrevi, recentemente, a
respeito, neste mesmo espaço, e deixei, na ocasião, muita coisa no ar, a
propósito do nosso (felizmente para mim) longo diálogo, em decorrência da
limitação de espaço. Foi uma conversa que deveria ter durado, no máximo, meia
hora, tempo suficiente para fazer uma boa entrevista (que era o objetivo
daquele contato), mas que se estendeu, sem exagero, por cinco horas, comprometendo
nossas respectivas agendas. Não me importei nem um pouco em ter que adiar
compromissos inadiáveis. Pareceu-me que Sabino também não se importou. Pelo
menos, presumo que não. Foi a impressão que ele me passou.
Para quem não leu meu
texto anterior, informo que o escritor havia vindo a Campinas (e isso ocorreu
em 1983) para lançar, em uma livraria da cidade, seu então novo livro de
crônicas, “O gato sou eu”. Para tanto, precisava divulgar a noite de
autógrafos, agendada para o dia seguinte. Daí ter ido à redação do Correio
Popular, ainda sediada no prédio antigo – hoje demolido e substituído pelo de
uma concessionária de carros – da Avenida Norte-Sul, para ser entrevistado.
Na oportunidade, eu não
trabalhava na editoria de Arte e Cultura. Minha função era outra, bem diversa
dessa. Aliás, nem repórter eu era, mas sim editor de Política Internacional.
Todavia, dada certa fama que então eu já gozava entre meus colegas de trabalho,
a de escritor (embora na ocasião não tivesse ainda publicado nenhum livro), fui
convidado pelo editor da área (o notável jornalista e professor de Jornalismo
da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Celso Bodstein), a fazer a
entrevista e a redigir o respectivo texto. Claro que aceitei, sem vacilar.
Afinal, não é todo dia que se tem a oportunidade de entrevistar um dos figurões
do mundo literário.
Fernando Sabino
mostrou-se sumamente solícito e receptivo. Não fugiu de nenhuma pergunta, mesmo
as mais indiscretas (indelicadas?) e impertinentes. Respondeu a todas, com clareza,
inteligência e bom humor. Aliás, ele perguntou-me mais coisas sobre minhas
preferências literárias e minhas atividades do que eu a ele. Parecia que ele é
que estava me entrevistando e não o contrário. Não tardou para que o assunto se
desviasse do foco original, do lançamento do seu livro e a entrevista se
transformasse em conversa amigável de pessoas que passaram a se gostar (e de
cara, logo no primeiro encontro). Falamos praticamente de tudo: de política, de
economia, viagens, futebol, outros esportes etc.etc.etc. E, claro, de
Literatura.
Foi só então que fiquei
sabendo que Sabino, na juventude, havia sido festejado esportista. Mais do que
isso, foi campeão de natação, havendo conquistado até um título sul-americano
de nado de costas (sua especialidade), estabelecendo recorde continental da
modalidade. E isso em 1939, quando o esporte amador no Brasil não contava com o
mínimo apoio oficial e quando o País raramente conseguia qualquer êxito (nem
mesmo no futebol) em âmbito internacional. Lembrei-me que no romance “Encontro
marcado”, o personagem central era um nadador de renome. Perguntei-lhe se ele
foi baseado em sua experiência pessoal (embora hoje essa pergunta me pareça
óbvia demais, ridícula, pueril e não compatível com um jornalista que pretendia
ser inteligente e original) e ele confirmou que sim.
Fernando Sabino
aproveitou sua experiência de esportista também no jornalismo. Foi incumbido,
pelo Jornal do Brasil, de fazer a cobertura da Copa do Mundo de 1966, disputada
na Inglaterra (conquistada pelos ingleses), aquela em que a Seleção Brasileira
deu enorme vexame, sendo eliminada ainda na primeira fase, justo ela que
ostentava um bicampeonato e era a favorita para a conquistas do tri. E com Pelé
e tudo. A respeito disso, não lhe perguntei (felizmente) nada, pois acompanhei,
na oportunidade, seu trabalho, meticuloso e perfeito, que se tornou mais
meritório ainda se levarmos em conta, principalmente, os escassos recursos com
que os jornalistas tinham que trabalhar.
Fechando os olhos posso
ver, ainda hoje, como que num filme, cada detalhe daquele nosso encontro: o
local em que ele se deu, a roupa que ambos trajávamos, as respostas de Sabino,
seu sorriso, seu olhar, as piadas que contou, os vários casos que relatou e vai
por aí afora.
Ao nos despedirmos, com
promessas mútuas de novas conversas (que nunca aconteceram infelizmente), meu
interlocutor insistiu num ponto, que havia repetido muitas vezes ao longo do
nosso diálogo: no pedido para prefaciar meu primeiro livro, tão logo estivesse
pronto para publicação. Claro que lhe prometi isso sem pestanejar.
Contudo... não foi
possível cumprir a promessa. Por que? Porque quando minha obra de estréia ficou
pronta para ser publicada, Fernando Sabino já não estava mais no mundo dos
vivos. Ficara “encantado” (como Guimarães Rosa costumava se referir à morte de
escritores). Mas permanece vivo, vivíssimo, com seu modo cativante e sua
maneira bem-humorada de encarar a vida, de contar casos engraçados ou de
comentar os acontecimentos do dia a dia. Para mim, será sempre, enquanto eu
viver, imortal, por exercer com maestria a rara arte de cativar.
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