Monday, November 25, 2013

A arte de cativar

Pedro J. Bondaczuk

Há pessoas que têm o dom natural, uma característica ímpar, que classifico de arte: a de nos cativar. Mesmo que tenhamos com elas um único encontro, este se torna marcante e inesquecível. Passam-se anos, décadas até, e nos lembramos de cada detalhe dessa conversa isolada e solitária. Por que isso acontece? Nunca consegui entender e nem explicar. Mas acontece. Tive inúmeras experiências do tipo, em que fui cativado por pessoas especiais, inteligentes, amáveis e prestativas, mas, principalmente carismáticas. Sinto-me privilegiado pela oportunidade de viver essas experiências que, sempre que surgem oportunidades, faço questão de partilhar com os que me honram com sua leitura.

Uma dessas pessoas cativantes, com a qual mantive um único, porém marcante, encontro, e que tenho satisfação particular de citar sempre que aparece pretexto para isso, é o escritor e jornalista mineiro, Fernando Sabino. Escrevi, recentemente, a respeito, neste mesmo espaço, e deixei, na ocasião, muita coisa no ar, a propósito do nosso (felizmente para mim) longo diálogo, em decorrência da limitação de espaço. Foi uma conversa que deveria ter durado, no máximo, meia hora, tempo suficiente para fazer uma boa entrevista (que era o objetivo daquele contato), mas que se estendeu, sem exagero, por cinco horas, comprometendo nossas respectivas agendas. Não me importei nem um pouco em ter que adiar compromissos inadiáveis. Pareceu-me que Sabino também não se importou. Pelo menos, presumo que não. Foi a impressão que ele me passou.

Para quem não leu meu texto anterior, informo que o escritor havia vindo a Campinas (e isso ocorreu em 1983) para lançar, em uma livraria da cidade, seu então novo livro de crônicas, “O gato sou eu”. Para tanto, precisava divulgar a noite de autógrafos, agendada para o dia seguinte. Daí ter ido à redação do Correio Popular, ainda sediada no prédio antigo – hoje demolido e substituído pelo de uma concessionária de carros – da Avenida Norte-Sul, para ser entrevistado.

Na oportunidade, eu não trabalhava na editoria de Arte e Cultura. Minha função era outra, bem diversa dessa. Aliás, nem repórter eu era, mas sim editor de Política Internacional. Todavia, dada certa fama que então eu já gozava entre meus colegas de trabalho, a de escritor (embora na ocasião não tivesse ainda publicado nenhum livro), fui convidado pelo editor da área (o notável jornalista e professor de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Celso Bodstein), a fazer a entrevista e a redigir o respectivo texto. Claro que aceitei, sem vacilar. Afinal, não é todo dia que se tem a oportunidade de entrevistar um dos figurões do mundo literário.

Fernando Sabino mostrou-se sumamente solícito e receptivo. Não fugiu de nenhuma pergunta, mesmo as mais indiscretas (indelicadas?) e impertinentes. Respondeu a todas, com clareza, inteligência e bom humor. Aliás, ele perguntou-me mais coisas sobre minhas preferências literárias e minhas atividades do que eu a ele. Parecia que ele é que estava me entrevistando e não o contrário. Não tardou para que o assunto se desviasse do foco original, do lançamento do seu livro e a entrevista se transformasse em conversa amigável de pessoas que passaram a se gostar (e de cara, logo no primeiro encontro). Falamos praticamente de tudo: de política, de economia, viagens, futebol, outros esportes etc.etc.etc. E, claro, de Literatura.

Foi só então que fiquei sabendo que Sabino, na juventude, havia sido festejado esportista. Mais do que isso, foi campeão de natação, havendo conquistado até um título sul-americano de nado de costas (sua especialidade), estabelecendo recorde continental da modalidade. E isso em 1939, quando o esporte amador no Brasil não contava com o mínimo apoio oficial e quando o País raramente conseguia qualquer êxito (nem mesmo no futebol) em âmbito internacional. Lembrei-me que no romance “Encontro marcado”, o personagem central era um nadador de renome. Perguntei-lhe se ele foi baseado em sua experiência pessoal (embora hoje essa pergunta me pareça óbvia demais, ridícula, pueril e não compatível com um jornalista que pretendia ser inteligente e original) e ele confirmou que sim.

Fernando Sabino aproveitou sua experiência de esportista também no jornalismo. Foi incumbido, pelo Jornal do Brasil, de fazer a cobertura da Copa do Mundo de 1966, disputada na Inglaterra (conquistada pelos ingleses), aquela em que a Seleção Brasileira deu enorme vexame, sendo eliminada ainda na primeira fase, justo ela que ostentava um bicampeonato e era a favorita para a conquistas do tri. E com Pelé e tudo. A respeito disso, não lhe perguntei (felizmente) nada, pois acompanhei, na oportunidade, seu trabalho, meticuloso e perfeito, que se tornou mais meritório ainda se levarmos em conta, principalmente, os escassos recursos com que os jornalistas tinham que trabalhar.

Fechando os olhos posso ver, ainda hoje, como que num filme, cada detalhe daquele nosso encontro: o local em que ele se deu, a roupa que ambos trajávamos, as respostas de Sabino, seu sorriso, seu olhar, as piadas que contou, os vários casos que relatou e vai por aí afora.

Ao nos despedirmos, com promessas mútuas de novas conversas (que nunca aconteceram infelizmente), meu interlocutor insistiu num ponto, que havia repetido muitas vezes ao longo do nosso diálogo: no pedido para prefaciar meu primeiro livro, tão logo estivesse pronto para publicação. Claro que lhe prometi isso sem pestanejar.

Contudo... não foi possível cumprir a promessa. Por que? Porque quando minha obra de estréia ficou pronta para ser publicada, Fernando Sabino já não estava mais no mundo dos vivos. Ficara “encantado” (como Guimarães Rosa costumava se referir à morte de escritores). Mas permanece vivo, vivíssimo, com seu modo cativante e sua maneira bem-humorada de encarar a vida, de contar casos engraçados ou de comentar os acontecimentos do dia a dia. Para mim, será sempre, enquanto eu viver, imortal, por exercer com maestria a rara arte de cativar.


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