Tuesday, November 19, 2013

A década perdida

  
Pedro J. Bondaczuk
  
A década de 1980 em geral, e o último ano desse período, 1989, em particular, foram sumamente danosos para os países em desenvolvimento, em especial da América Latina, região que mais nos interessa. Foram dez anos absolutamente perdidos, caracterizados por um empobrecimento poucas vezes visto em alguma área mundial na história humana.

A lógica diz que sempre que alguém perde, há o outro extremo, ou seja, quem esteja ganhando. E quem lucrou foi quem não precisava de nenhum artifício para se enriquecer ainda mais, o chamado Primeiro Mundo. Agora que o Ocidente e o Oriente atravessam um raro período de entendimento, produzindo, em conseqüência, uma drástica redução na necessidade de despesas com armas, o Planeta vê, montadinha, prestes a explodir, uma outra armadilha, não menos perigosa do que o armamento nuclear: "a bomba da miséria".

Nos últimos dez anos, somente a América Latina viu aumentar em 42 milhões de pessoas o seu contingente de "miseráveis". Ou seja, de pessoas que nos anos 70 gozavam de uma condição de relativa estabilidade e que, por causa de políticas equivocadas de seus governos e da manipulação dos poderosos do Primeiro Mundo (aviltando preços de matérias-primas), acabaram indo parar "na rua da amargura". É gente demais para que não seja levada em conta que experimentou esse dramático e súbito empobrecimento. À medida em que esses contingentes não vislumbrarem mais qualquer esperança de recuperação, tenderão a entrar em desespero.

O ex-chanceler argentino, Dante Caputo, num discurso que pronunciou na Assembléia Geral das Nações Unidas em setembro de 1988, traçou uma analogia que ilustra bem essa situação. Disse, na oportunidade, que o mundo era como um transatlântico, que tinha camarotes de luxo em seus primeiros pavimentos, mas continha uma poderosa bomba nos compartimentos inferiores. Ele assinalou que a sensação de segurança gozada pelos "viajantes" privilegiados era falsa. Se o artefato explodisse, o navio inteiro naufragaria. É isso o que muita gente com poder decisório parece não ter entendido ainda. Nenhuma potência ou organização conseguirão construir um mundo estável, a despeito de toda a revolução liberalizante verificada no Leste europeu, enquanto houver um foco de tensões tão agudo, envolvendo dois terços da humanidade.

Quem é capaz de manter a serenidade diante do espectro da miséria, da possibilidade de morrer doente e faminto, sem esperança de que nem mesmo seus filhos tenham melhor sorte? Este, portanto, é o problema mais urgente que os líderes mundiais devem atacar com prioridade. Os demais são muito pequenos diante dessa autêntica "bomba de tempo" que pode explodir a qualquer momento, sem nenhum aviso prévio.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 8 de maio de 1990)


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