A
década perdida
Pedro J. Bondaczuk
A década de 1980 em geral, e o último ano desse
período, 1989, em particular, foram sumamente danosos para os países em
desenvolvimento, em especial da América Latina, região que mais nos interessa.
Foram dez anos absolutamente perdidos, caracterizados por um empobrecimento
poucas vezes visto em alguma área mundial na história humana.
A lógica diz que sempre que alguém perde, há o outro
extremo, ou seja, quem esteja ganhando. E quem lucrou foi quem não precisava de
nenhum artifício para se enriquecer ainda mais, o chamado Primeiro Mundo. Agora
que o Ocidente e o Oriente atravessam um raro período de entendimento,
produzindo, em conseqüência, uma drástica redução na necessidade de despesas
com armas, o Planeta vê, montadinha, prestes a explodir, uma outra armadilha,
não menos perigosa do que o armamento nuclear: "a bomba da miséria".
Nos últimos dez anos, somente a América Latina viu
aumentar em 42 milhões de pessoas o seu contingente de "miseráveis".
Ou seja, de pessoas que nos anos 70 gozavam de uma condição de relativa
estabilidade e que, por causa de políticas equivocadas de seus governos e da
manipulação dos poderosos do Primeiro Mundo (aviltando preços de
matérias-primas), acabaram indo parar "na rua da amargura". É gente
demais para que não seja levada em conta que experimentou esse dramático e
súbito empobrecimento. À medida em que esses contingentes não vislumbrarem mais
qualquer esperança de recuperação, tenderão a entrar em desespero.
O ex-chanceler argentino, Dante Caputo, num discurso
que pronunciou na Assembléia Geral das Nações Unidas em setembro de 1988,
traçou uma analogia que ilustra bem essa situação. Disse, na oportunidade, que
o mundo era como um transatlântico, que tinha camarotes de luxo em seus primeiros
pavimentos, mas continha uma poderosa bomba nos compartimentos inferiores. Ele
assinalou que a sensação de segurança gozada pelos "viajantes"
privilegiados era falsa. Se o artefato explodisse, o navio inteiro naufragaria.
É isso o que muita gente com poder decisório parece não ter entendido ainda.
Nenhuma potência ou organização conseguirão construir um mundo estável, a
despeito de toda a revolução liberalizante verificada no Leste europeu,
enquanto houver um foco de tensões tão agudo, envolvendo dois terços da
humanidade.
Quem é capaz de manter a serenidade diante do
espectro da miséria, da possibilidade de morrer doente e faminto, sem esperança
de que nem mesmo seus filhos tenham melhor sorte? Este, portanto, é o problema
mais urgente que os líderes mundiais devem atacar com prioridade. Os demais são
muito pequenos diante dessa autêntica "bomba de tempo" que pode
explodir a qualquer momento, sem nenhum aviso prévio.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 8 de maio de 1990)
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