Sunday, November 17, 2013

Excesso de sensibilidade

Pedro J. Bondaczuk

O mundo literário é uma espécie de “campo minado” em que nunca se sabe se o terreno em que pisamos é seguro ou se contém alguma mina traiçoeira que possa subitamente nos destruir. Bem, talvez nem seja tanto. Talvez a melhor comparação seja a de uma roleta, dessas que há em todos os cassinos que, se não for viciada, pode, em um único giro, nos tornar detentores de inesperada fortuna. Talvez não seja nada disso também. Mas que a atividade das letras, às vezes, é perversa, e em outras é surpreendente (em sentido positivo) é a impressão que tenho dela, tomando como exemplo já nem digo meu caso pessoal específico, mas os de tanta gente que conheço ou cujas biografias já li.

Há escritores que publicam um único livro na vida e acertam de cara no “preto 17” da roleta, perpetuando-se no cenário literário. Há os que lançam diversas obras, mas que fazem sucesso com uma única, que nem sempre sequer é a de melhor qualidade. É fato, também, que vários deles colecionam dezenas de best-sellers e conquistam público cativo. Há, ainda, os que brindam os leitores com jóias raras da literatura, mas que não “emplacam” e invariavelmente encalham nas prateleiras das livrarias. Há, porém, escritores que beiram a perfeição, que escrevem livros e mais livros extraordinários, mas que não conseguem publicar um único deles, só Deus sabe por que, aos quais apenas parentes (os que se interessam por leitura) e alguns amigos têm acesso.

O escritor que inspirou estas reflexões de hoje – o fluminense, natural de Angra dos Reis, Raul D’Ávila Pompéia – enquadra-se na segunda categoria. Publicou alguns livros (não muitos), mas é conhecido, especificamente, por um deles, “O Ateneu”, que tem trechos publicados em praticamente todas as antologias escolares e que volta e meia é tema de redação nos vestibulares pelo país afora. É, pois, pelo menos conhecido pelos estudantes dos mais variados graus. Outra coisa que me chama a atenção em sua biografia é como se deu sua morte. Pode-se dizer que morreu por “excesso de sensibilidade”. Tenham paciência: na sequência, explicarei o que quero dizer com isso.

Raul Pompéia teve quatro livros publicados, sendo que dois (“Canções sem metro”, de poesias, mas em forma de prosa e “As jóias da coroa”, uma espécie de panfleto satírico) o foram postumamente, depois de serem, originalmente, divulgados em fascículos encartados em jornal. “O Ateneu” nem mesmo foi sua obra de estréia. Ele estreou com o romance “Uma tragédia no Amazonas”, que pouquíssimas pessoas conhecem.

E por que optei por tratar especificamente de Raul Pompeia nestas reflexões? Não o fiz aleatoriamente, por acaso, como, aliás, poderia ter feito. Escolhi-o porque 2013 marca o sesquicentenário de seu nascimento (ocorrido em 12 de abril de 1863). Pouca gente se lembrou (ou se lembra) deste evento, embora não se trate, como demonstrei. de escritor desconhecido. Mas também não se pode dizer que a efeméride passou em branco. Não passou.

Sua memória foi reverenciada em várias escolas (públicas e particulares) que levam seu nome, além de alguns centros culturais. E a Academia Brasileira de Letras dedicou toda uma sessão para reverenciar sua contribuição à Literatura nacional, embora o homenageado não tenha sido, jamais, acadêmico. E por que não foi? Simples: porque morreu (numa noite de Natal, 25 de dezembro de 1895) alguns anos antes da ABL ser fundada por Machado de Assis. Até o fim do ano, provavelmente ainda será alvo de diversas homenagens (assim espero).

Todavia, a morte de Raul Pompeia, que chocou o País quando ocorreu, permanece sendo motivo de polêmicas, 118 anos depois de ocorrida. Foi muito mais dramática do que tudo o que ele escreveu. O escritor cometeu suicídio, com um tiro no peito, no gabinete de trabalho de sua casa, ato testemunhado por sua mãe, que não conseguiu impedir esse assomo de extrema insanidade. Uma série de fatores é apontada como causa dessa loucura. Explico. O escritor era florianista apaixonado. Com a morte do Marechal Floriano, ocorrida seis meses antes do suicídio, ele foi demitido da direção da Biblioteca Nacional e acusado de desacatar a memória justamente do ex-presidente da República, de quem sempre se mostrara ardoroso adepto, em discurso que proferiu em seu enterro. Isso deixou-o inconformado. Sentia-se vítima de tremenda injustiça e, sobretudo, de insidiosa armação dos seus inimigos.

Além disso, Raul Pompéia estava rompido com praticamente todos os “amigos”, tanto os remotos, quanto os próximos. Para complicar, sentia-se caluniado por Luís Murat, companheiro de redação no jornal “A Notícia”, que havia publicado, dias antes do suicídio, um artigo repleto de acusações que ele jurava serem injustas, absurdas e meras intrigas, e de insinuações, que classificava de “sórdidas”. Para complicar, a direção da empresa não lhe concedeu direito de resposta.

Imaginem um sujeito sensível, como era esse escritor, passando o Natal sozinho, em casa, na companhia somente da mãe, já idosa, e remoendo tantas mágoas e ressentimentos!! Pois é, era esse o estado de espírito de Raul Pompéia na ocasião. Sentia-se, além de abandonado, desdenhado pelas pessoas em que tanto confiava e que acreditava que gostavam dele. Talvez até gostassem, sabe-se lá! O fato é que não teve estrutura psicológica para resistir a nada disso. Sei lá quantos teriam. Por isso, tomou a decisão mais equivocada que alguém pode tomar: deu cabo da vida, e na flor da idade, aos 35 anos, quando, provavelmente, ainda tinha muito a dar à Literatura. Lamentável! Excesso de sensibilidade pode ser útil para escrever, mas, para viver... não me parece que o seja.


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