Thursday, November 21, 2013

Jogo de cintura


Pedro J. Bondaczuk


A Bolívia empossa, hoje, seu septuagésimo quinto governo em 160 anos de vida independente (também completados hoje), entregando o poder a um veterano, experiente e moderado político centrista: Víctor Paz Estenssoro. Para evitar um impasse, que poderia conduzir o país a um novo golpe, o Congresso boliviano rompeu, na madrugada de ontem, uma tradição: a de confirmar no Parlamento o nome do candidato com o maior número de votos populares. Não deu, portanto, aval ao general Hugo Banzer.

Raramente, na sua história, se viu tanta unanimidade entre políticos de tendências tão diversas a favor de um postulante presidencial. Ou melhor, contra o outro, um militar que governou, ditatorialmente, a Bolívia, num dos instantes de maior tensão da vida nacional.
Ao contrário do seu vizinho, o Peru, que entregou a gestão da República ao mais jovem governante das três Américas, os bolivianos optaram, exatamente, pelo oposto. Terão na Presidência, nos próximos quatro anos, um homem vivido que, nos seus 77 anos, já conheceu tanto a glória, quanto o descrédito. Viveu o sucesso e o fracasso. Obteve a consagração popular e amargou longos períodos de ostracismo e até de exílio.

E Paz Estenssoro assume a condução (principalmente da caótica economia) da Bolívia num momento particularmente penoso, quando a voraz hiperinflação desorganiza todo e qualquer orçamento doméstico (e principalmente das empresas) e leva desassossego e intranqüilidade aos lares, à indústria, ao comércio, à agriculturas e à vida pública.

O novo presidente conta, para tentar solucionar essas questões, com o seu decantado jogo de cintura, tanto entre os trabalhadores, quanto entre os empresários. Buscará, segundo disse, o remédio, o caminho que livre o país do caos, mediante negociações. Portanto, os que estiverem esperando medidas de impacto, como as implementadas na Argentina, ou no Peru, ficarão, certamente, frustrados.

O estilo de Estenssoro – pelo menos o atual, e não o daquele político arrojado, que promoveu ousada reforma agrária nos idos dos anos 50 – é mais cauteloso do que o daqueles que lhe disputaram a Presidência. Resta saber se os problemas bolivianos irão comportar cautelas e vacilações.

A taxa de inflação segue sua marcha inflexível rumo ao patamar dos dez mil por cento. Os principais produtos de exportação da Bolívia desvalorizam-se a cada dia que passa no mercado internacional, o que é sinal de divisas fortes cada vez mais minguadas.

O país está com o serviço da sua dívida externa bastante atrasado e não consegue, por conseqüência, dinheiro novo, para prioritários e providenciais investimentos, principalmente em infraestrutura. O que fazer? E, principalmente, como agir? Fica no ar um gigantesco ponto de interrogação.

Embora Estenssoro desse poucas indicações acerca de seus planos, no correr de sua campanha, depreende-se que ele vai tentar o que já foi tentado (com sucesso) na Espanha. Mas que, diga-se de passagem, fracassou em Israel, na Argentina e em vários outros país. Trata-se do chamado "Pacto Social”.

Estaria a sociedade boliviana, que se mostrou tão dividida nas eleições passadas, preparada para um amplo acordo nacional? Existiria clima no país para isso, após os recentes confrontos entre patrões e empregados, nos quais até ocupações de fábricas e seqüestros de empresários foram registrados? Pelo menos à primeira vista, parece que não.

Entretanto, o respaldo conseguido por Paz Estenssoro para superar seu oponente de direita no Congresso pode ser um importante primeiro passo para o entendimento. Pelo menos o novo presidente mostrou que conta com a confiança das várias facções que compõem a sociedade boliviana na atualidade. Caberá a ele, agindo com prudência e, sobretudo, com muita sabedoria política alargar essa margem de apoio. Experiência para tanto, com certeza, é o que não lhe falta.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 6 de agosto de 1985)


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