Jogo
de cintura
Pedro J. Bondaczuk
A Bolívia empossa, hoje, seu septuagésimo quinto governo
em 160 anos de vida independente (também completados hoje), entregando o poder
a um veterano, experiente e moderado político centrista: Víctor Paz Estenssoro.
Para evitar um impasse, que poderia conduzir o país a um novo golpe, o
Congresso boliviano rompeu, na madrugada de ontem, uma tradição: a de confirmar
no Parlamento o nome do candidato com o maior número de votos populares. Não
deu, portanto, aval ao general Hugo Banzer.
Raramente, na sua história, se viu tanta unanimidade
entre políticos de tendências tão diversas a favor de um postulante
presidencial. Ou melhor, contra o outro, um militar que governou,
ditatorialmente, a Bolívia, num dos instantes de maior tensão da vida nacional.
Ao contrário do seu vizinho, o Peru, que entregou a
gestão da República ao mais jovem governante das três Américas, os bolivianos
optaram, exatamente, pelo oposto. Terão na Presidência, nos próximos quatro
anos, um homem vivido que, nos seus 77 anos, já conheceu tanto a glória, quanto
o descrédito. Viveu o sucesso e o fracasso. Obteve a consagração popular e
amargou longos períodos de ostracismo e até de exílio.
E Paz Estenssoro assume a condução (principalmente
da caótica economia) da Bolívia num momento particularmente penoso, quando a
voraz hiperinflação desorganiza todo e qualquer orçamento doméstico (e
principalmente das empresas) e leva desassossego e intranqüilidade aos lares, à
indústria, ao comércio, à agriculturas e à vida pública.
O novo presidente conta, para tentar solucionar
essas questões, com o seu decantado jogo de cintura, tanto entre os
trabalhadores, quanto entre os empresários. Buscará, segundo disse, o remédio,
o caminho que livre o país do caos, mediante negociações. Portanto, os que
estiverem esperando medidas de impacto, como as implementadas na Argentina, ou
no Peru, ficarão, certamente, frustrados.
O estilo de Estenssoro – pelo menos o atual, e não o
daquele político arrojado, que promoveu ousada reforma agrária nos idos dos
anos 50 – é mais cauteloso do que o daqueles que lhe disputaram a Presidência.
Resta saber se os problemas bolivianos irão comportar cautelas e vacilações.
A taxa de inflação segue sua marcha inflexível rumo
ao patamar dos dez mil por cento. Os principais produtos de exportação da
Bolívia desvalorizam-se a cada dia que passa no mercado internacional, o que é
sinal de divisas fortes cada vez mais minguadas.
O país está com o serviço da sua dívida externa
bastante atrasado e não consegue, por conseqüência, dinheiro novo, para
prioritários e providenciais investimentos, principalmente em infraestrutura. O
que fazer? E, principalmente, como agir? Fica no ar um gigantesco ponto de
interrogação.
Embora Estenssoro desse poucas indicações acerca de
seus planos, no correr de sua campanha, depreende-se que ele vai tentar o que
já foi tentado (com sucesso) na Espanha. Mas que, diga-se de passagem,
fracassou em Israel, na Argentina e em vários outros país. Trata-se do chamado
"Pacto Social”.
Estaria a sociedade boliviana, que se mostrou tão
dividida nas eleições passadas, preparada para um amplo acordo nacional?
Existiria clima no país para isso, após os recentes confrontos entre patrões e
empregados, nos quais até ocupações de fábricas e seqüestros de empresários foram
registrados? Pelo menos à primeira vista, parece que não.
Entretanto, o respaldo conseguido por Paz Estenssoro
para superar seu oponente de direita no Congresso pode ser um importante
primeiro passo para o entendimento. Pelo menos o novo presidente mostrou que
conta com a confiança das várias facções que compõem a sociedade boliviana na
atualidade. Caberá a ele, agindo com prudência e, sobretudo, com muita
sabedoria política alargar essa margem de apoio. Experiência para tanto, com
certeza, é o que não lhe falta.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 6 de agosto de 1985)
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