Uma
causa para os rebeldes
Pedro J. Bondaczuk
A prolongada crise econômica que o País atravessa,
aumentando o grau de miserabilidade da população e acentuando os desníveis de
renda – que já não eram baixos – as sucessivas denúncias de corrupção em todos
os níveis da vida pública sem que haja a competente punição dos denunciados e
as múltiplas frustrações diante das promessas dos políticos feitas em palanques
e posteriormente não cumpridas estão produzindo efeitos extremamente danosos
nos brasileiros.
Há, por aí, e isso é facilmente
detectável, um clima generalizado de pessimismo, de desencanto e até mesmo de
desalento, especialmente entre os mais jovens. Percebe-se um perigoso
conformismo com a situação que aí está e uma ausência daqueles ideais que moveram
toda uma geração nos anos 60.
De repente, o patriotismo,
galardão ostentado com orgulho por uma juventude rebelde, embora tal rebeldia
não tivesse uma causa definida, ou pelo menos bem-delineada, passou a ser
sinônimo de “caretice”, ou seja, questão de galhofa e ridículo.
Um individualismo feroz e sem
sentido para um país jovem substituiu as grandes ações coletivas, as
manifestações de protesto, os movimentos subterrâneos, a luta popular por uma
sociedade mais justa, próspera e humana.
Multidões já não erguem as
grandes bandeiras que empolgaram toda uma geração, como a do fim da ditadura, a
da abolição dos atos institucionais, a da volta dos exilados, a da anistia, a
das Diretas-já e outras tantas que caracterizaram a luta dos cidadãos pelo seu
direito de cidadania.
O cientista político Emir Sader
observou, num artigo publicado em junho de 1992 no caderno “Idéias” do “Jornal
do Brasil”: “Muitos dos próprios protagonistas dos anos 60 olham com saudade
para os tempos passados, mas renegam ideais pelos quais lutaram, em nome da
idade da razão, da maturidade, do bom-senso e até do mercado. Se permanece o
interesse pelas trajetórias individuais de quem teve a sorte de fazer 20 anos
na década de 60, não há o paralelo correspondente da preocupação com os valores
que animaram grande parte daquela geração”.
Onde foram parar os grandes
sonhos de toda uma vida? Onde estão os valores éticos defendidos com destemor?
Foram substituídos pelo comodismo? Foram trocados por posições? Foram
abastardados? O pior de tudo é que aqueles idealistas da década de 60 renegaram
por completo seus ideais a ponto de sequer passá-los a seus filhos. Daí o
cínico desalento de hoje, o individualismo inconseqüente, a busca por meras
miragens, estas sim “caretices”.
Rebeldes existem também nos dias
atuais e até em maior número do que há 30 anos. Mas sua rebeldia se trata
apenas de mera auto-afirmação, de uma batalha sem causa, destrutiva, ou, no
mínimo, meramente catatônica.
Caracteriza-se pelo ceticismo,
pelo imobilismo, pela amargura, pelo isolamento. Bandeiras, todavia, não faltam
para serem erguidas. Pelo contrário, existem em maior quantidade do que nos
anos 60. A
maior delas é a construção de um Brasil diferente, onde as crianças sejam
encaradas como o grande patrimônio nacional e não meros estorvos, abandonadas
pelas ruas, alvos de impiedosas caçadas. Eis, portanto, uma grande causa para
os que se rebelam contra o que aí está.
(Artigo publicado na página 2,
Opinião, do Correio Popular, em 23 de julho de 1992).
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