O eclético Boi bumbá
Pedro
J. Bondaczuk
O Brasil, em termos de
cultura, ainda é um país à espera de ser “descoberto” pelos próprios
brasileiros, a despeito dos avanços dos meios de comunicação e de transportes.
Os habitantes do Norte, por exemplo, pouco (ou nada) conhecem dos
comportamentos, costumes, manifestações populares e folguedos folclóricos
típicos do Sul e vice-versa. Desconhecem, um do outro, lendas, comidas típicas,
artesanato e outras tantas coisas características de cada região. Pouca gente,
por exemplo, já assistiu algum dia a uma apresentação (ou pelo menos tomou
conhecimento dela) do “Boi Bumbá” de Rondônia. Às vezes, nem mesmo moradores
daquela parte do país tiveram esse privilégio.
De acordo com registros
históricos (raros), esse folguedo surgiu, ali, há 93 anos, em 1920, quando o
Estado ainda se chamava Território do Guaporé e pertencia ao Mato Grosso, antes
que este fosse desmembrado nas partes Norte e Sul. Apesar de suas profundas
raízes populares, esse festejo popular já esteve a pique de desaparecer, em
todo o Brasil, em virtude de perseguições da polícia e, sobretudo, do
preconceito cultural dos que não o entendem e, por isso, não o apreciam ou dos
que sequer o conhecem e acham que se trata de “coisa de desocupados”. Mas sua
origem no País é antiga, antiqüíssima, perde-se no tempo. É, em essência, um
auto ou drama pastoril ligado à forma de teatro representativa das festas de
Natal.
Recebe as mais diversas
denominações País afora. É conhecido, por exemplo, no Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul pelo nome de
“Bumba meu boi”. Todavia, mesmo nestes Estados, dependendo da região em que é
encenado, recebe outros tantos “rótulos”. Por exemplo, no Maranhão e no Piauí,
é conhecido, em algumas cidades, como “Boi de Reis”, por ser festejado no “Dia
de Reis”, ou seja, 6 de janeiro de cada ano. No Ceará recebe diversos outros
nomes, como “Reisado cearense”, “Boi de reis”, e “Reis boi surubim”. Já no Rio
Grande do Norte, seus praticantes conhecem-no como “Boi calemba”, “Boi calumba”
e “Rei do boi”.
Essa variedade de
denominações ocorre, também, em outros Estados (reitero, em quase todos do
País). Assim, no Pernambuco e Paraíba é chamado ora de “Boi”, ora de “Cavalo
marinho”. No Rio de Janeiro é chamado de “Reis de boi”. No Rio Grande do Sul é
“Boi bumbá” e “Boizinho”; no Amazonas, “Boi bumbá”; no Espírito Santo, “Bumba
de Reis” e no Paraná e Santa Catarina, “Boi de mamão”.
O folguedo é
longuíssimo, atingindo, não raro, até oito horas de duração. Conta com muitos
personagens, mas, basicamente, eles são de três tipos: fantásticos, animais e
humanos, todos devidamente caracterizados, alguns com fantasias riquíssimas e
suntuosas (dependendo, óbvio, da região e da sua condição econômica). A
representação envolve cantos e danças, como os enredos das escolas de samba do
Carnaval, e é marcada ao som da zabumba, do ganzá e do pandeiro, este último
tocado pela “cantadora”, que canta loas e toadas alusivas ao tema. Nos
intervalos entre um ato e outro, autênticos acrobatas desenvolvem coreografias
de intensa complexidade e beleza plástica.
Entre os personagens do
“Bumba meu boi”, nome pelo qual o folguedo é mais conhecido, a despeito das
tantas outras denominações, se destacam: Entre os fantásticos - Jaraguá, Mané
Pequenino, Morto Carregando o Vivo, o Diabo, Babau e Caipora; entre os animais
– boi, ema, pica-pau, cobra, cavalo marinho, e burrinha e entre os humanos –
Capitão (o dono da festa), Capitão do Mato, Zebelinha, Sacristão, Mané Gostoso,
Queixoso, Doutor Bastião, Mestre do Tear, Valentão, Mateus, Pastorinha,
Romeiro, Fiscal, Padre, Arlequim e Engenheiro.
A respeito do “Boi
bumbá” de Rondônia, sobre o qual me proponho a esboçar, nos próximos dias,
algumas considerações especiais (pelo fato de, ali, o folguedo haver adquirido,
com o tempo, algumas características próprias), sabe-se que essa manifestação
folclórica foi levada para esse Estado por migrantes do Norte e do Nordeste,
que foram para lá quando da construção da lendária ferrovia “Madeira-Mamoré”, a
tal da qual se diz que cada dormente equivale a um operário morto na tarefa de
construí-la. As primeiras apresentações, que datam de 1920, ocorreram na
localidade de Santo Antônio, a sete quilômetros, por via fluvial, da capital,
Porto Velho.
De acordo com
depoimento do escritor Matias Mendes (contestado por autoridades da época), o
“Boi bumbá” foi perseguido, em Rondônia, em duas fases distintas. Na primeira,
por dirigentes civis do então território federal de Guaporé, que consideravam a
festa como mero pretexto para bebedeiras, arruaças e badernas. Não era nada
disso, óbvio. Mas... Está bem, em alguns casos, eram, de fato.
O folguedo, naqueles
primórdios, tinha algumas características da “Folia de Reis”, muito difundida
no Leste do País. Seus integrantes saíam às ruas, mascarados, para brincar. E quando
grupos rivais se cruzavam, as pancadarias (algumas até com várias mortes) eram
inevitáveis. Passada essa fase inicial de perseguição, que o “Boi bumbá”
resistiu tenazmente a despeito de ser proibido, o folguedo enfrentou uma outra
oposição, ainda mais renhida, radical e difícil de ser superada, que foi a
etapa do preconceito cultural, que quase o leva ao desaparecimento. Mas, disso,
tratarei em outra oportunidade.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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