Como
a China entende a democracia
Pedro J. Bondaczuk
O conceito de democracia é ininteligível para o povo
chinês, educado para a submissão absoluta à autoridade. Isto vigora tanto na
família, onde o marido é o senhor incontestável, quanto na sociedade. Afinal,
são cinco mil anos de civilização, com governos imperiais absolutistas, de
diversas dinastias, se sucedendo, século após século. O imperador era
considerado o "deus vivo" na Terra, com poderes de vida ou morte
sobre os seus súditos, não importando qual fosse sua posição social. Mesmo a
China republicana, a partir de 1910, e o longo "reinado" nacionalista
de Chiang Kai-Shek (chamado de "generalíssimo"), tiveram essas
características. Tanto que este, quando perdeu a guerra civil para os
comunistas de Mao Tsé-Tung, em 1949, e fugiu para a ilha de Taiwan, onde
instalou seu reduto de resistência, continuou no poder até a morte. E além
dela, já que foi sucedido no comando do governo taiwanês pelo filho mais velho.
O mesmo verificou-se, e até em maior escala, com o
legendário líder comunista. O comandante da "Grande Marcha"
tornou-se, virtualmente, um "deus" para toda uma geração. O livro com
seus pensamentos transformou-se em uma espécie de "bíblia" para o
mais de um bilhão de chineses. Apesar da abertura econômica na China, isto
ainda não mudou. Daí a importância das eleições presidenciais taiwanesas de
ontem. E daí, também, a explicação para a reação irada de Pequim diante dos
arroubos independentistas de Taipé e da intervenção da Armada norte-americana,
que concentrou no Mar da China sua mais poderosa força naval desde os tempos da
Guerra do Vietnã.
Mas a questão não pode ser encarada só no aspecto
ideológico. Há alguns outros pontos a ponderar. Um deles, é a importância
econômica de Taiwan, um dos mais prósperos e ativos "tigres
asiáticos", com uma economia dinâmica e a maior reserva de moeda forte do
Planeta. Os chineses, que se preparam para recuperar as colônias de Hong Kong e
de Macau, jamais irão abrir mão dessa "mina de ouro". Ademais, há um
perceptível vazio no poder em Pequim, face à idade avançada do líder Deng
Xiaoping. Correntes contraditórias e antagônicas travam uma luta surda para
assumir o controle do terceiro maior território e da maior população do
Planeta, com seus 1,2 bilhão (um quinto da humanidade) de habitantes. Os
militares, obviamente, estão nesta parada. As ameaças chinesas de uso da força,
portanto, tanto podem ser um "jogo para a arquibancada", para o
público interno, quanto uma decisão real já tomada. Manda a prudência que sejam
levadas a sério.
(Artigo publicado no Correio Popular em 23 de março
de 1995)
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