Saturday, November 23, 2013

Como a China entende a democracia

  
Pedro J. Bondaczuk


O conceito de democracia é ininteligível para o povo chinês, educado para a submissão absoluta à autoridade. Isto vigora tanto na família, onde o marido é o senhor incontestável, quanto na sociedade. Afinal, são cinco mil anos de civilização, com governos imperiais absolutistas, de diversas dinastias, se sucedendo, século após século. O imperador era considerado o "deus vivo" na Terra, com poderes de vida ou morte sobre os seus súditos, não importando qual fosse sua posição social. Mesmo a China republicana, a partir de 1910, e o longo "reinado" nacionalista de Chiang Kai-Shek (chamado de "generalíssimo"), tiveram essas características. Tanto que este, quando perdeu a guerra civil para os comunistas de Mao Tsé-Tung, em 1949, e fugiu para a ilha de Taiwan, onde instalou seu reduto de resistência, continuou no poder até a morte. E além dela, já que foi sucedido no comando do governo taiwanês pelo filho mais velho.

O mesmo verificou-se, e até em maior escala, com o legendário líder comunista. O comandante da "Grande Marcha" tornou-se, virtualmente, um "deus" para toda uma geração. O livro com seus pensamentos transformou-se em uma espécie de "bíblia" para o mais de um bilhão de chineses. Apesar da abertura econômica na China, isto ainda não mudou. Daí a importância das eleições presidenciais taiwanesas de ontem. E daí, também, a explicação para a reação irada de Pequim diante dos arroubos independentistas de Taipé e da intervenção da Armada norte-americana, que concentrou no Mar da China sua mais poderosa força naval desde os tempos da Guerra do Vietnã.

Mas a questão não pode ser encarada só no aspecto ideológico. Há alguns outros pontos a ponderar. Um deles, é a importância econômica de Taiwan, um dos mais prósperos e ativos "tigres asiáticos", com uma economia dinâmica e a maior reserva de moeda forte do Planeta. Os chineses, que se preparam para recuperar as colônias de Hong Kong e de Macau, jamais irão abrir mão dessa "mina de ouro". Ademais, há um perceptível vazio no poder em Pequim, face à idade avançada do líder Deng Xiaoping. Correntes contraditórias e antagônicas travam uma luta surda para assumir o controle do terceiro maior território e da maior população do Planeta, com seus 1,2 bilhão (um quinto da humanidade) de habitantes. Os militares, obviamente, estão nesta parada. As ameaças chinesas de uso da força, portanto, tanto podem ser um "jogo para a arquibancada", para o público interno, quanto uma decisão real já tomada. Manda a prudência que sejam levadas a sério.


(Artigo publicado no Correio Popular em 23 de março de 1995)


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